Os saberes em saúde de todos e de cada um de nós: reverberando o webinário

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Em 15.08.2014 eu e o médico e professor Antônio Pithon Cyrino, mediados pelo também médico e professor Ricardo Teixeira, debatemos os saberes práticos em dialogismo com os saberes técnicos, no webinário “O saber em saúde e o cuidado de si: tudo o que você queria saber e não sabia que já sabia”, realizado e organizado em parceria com a Rede HumanizaSUS.

O bate-papo contou também com a valiosa participação dos internautas, que suscitaram muitas questões sobre o autocuidado da pessoa com diabetes, objeto da pesquisa de doutorado do professor Antônio Cyrino, que pode ser conferida no livro "Entre a ciência e a experiência. Uma cartografia do autocuidado no diabetes".

Algumas dessas questões não pudemos desenvolver por completo durante o debate ao vivo. Assim, depois de reagrupadas as reflexões coletivas pela comp@nheira Luciane Régio (obrigada querida!) , reverberamos um pouco mais os pensamentos deste webinário, que pode ser assistido no link: https://www.youtube.com/watch?v=i_QPe_Vkflw#t=950

Vamos reverberar conosco?

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<MONYQUE BARRETO›
OUVI UMA EXPERIÊNCIA DE UMA PESSOA QUE NÃO TINHA ONDE ARMAZENAR SUA INSULINA POR ELE MORAR PRÓXIO A UM RIO ELE FOI PRÓXIMO DO RIO E CAVOU UM BURACO E ENTERROU AS INSULINAS E TODOS OS DIAS DESCOBRIA O BURACO. ARMAZENAMENTO DE INSULINA QUANDO NÃO SE A GELADEIRA?

Antônio: Cara Monyque, Esse é um bom exemplo de soluções que as pessoas buscam em seu cotidiano para resolver um problema concreto, neste caso a inexistência de geladeira para conservar a insulina e o uso de um local em que a temperatura é menor que a ambiente.

Débora: Comentei essa história com um amigo ambientalista e ele me disse que a melhor maneira de conservar um vinho em ambiente sem geladeira é enterrar perto do rio, porque a diferença de temperatura entre o dia e a noite o refresca. Assim, utilizar a sabedoria popular é também uma forma de autocuidado. Mas, se a Constituição estatui como diretriz do SUS o atendimento integral sem prejuízo de serviços assistenciais (artigo 198, II) e se a Lei do SUS estabelece “a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas” (artigo 5o, III, da Lei nº 8.080/90), penso que o Estado deveria fornecer uma geladeira a esta pessoa como insumo integrante da manutenção da saúde (eu e Emília falaremos sobre este assunto específico numa postagem futura).

<Mário Luiz – Xa› Sei como Diabético que somos decorrência do que comemos, sei ainda que não há uma formula fechada para trabalhar a questão alimentar com o paciente. Mas qual a melhor estratégia a ser utilizada e indicada ao paciente em razão da diversidade alimentar e cultural do país?

Antônio: Caro Mário. Como você mesmo já começou a responder na sua própria pergunta, de que não se deve trabalhar com receitas padronizadas, dada a diversidade cultural no comer, cabe pensar que os profissionais devem partir dos hábitos e experiência dos seus pacientes para apoiá-los. Assim, espera-se um diálogo entre a experiência do sujeito e os conhecimentos técnico-científicos do profissional de saúde, que pode indicar o que é adequado ou não a pessoa com diabetes. Conversa que terá continuidade ao longo do tratamento e do partilhar de saberes entre profissional e usuário.

Débora: Cada um tem suas preferências e necessidades e restrições alimentares pessoais, por motivos diversos e além da condição de ser diabético. Eu adoro melancia, mas não posso comer à noite porque me dá azia. Durante o dia, contando os carboidratos do pedaço consumido, não há qualquer problema no consumo. A dificuldade talvez esteja em encontrar uma tabela de carboidratos que englobe todos os alimentos existentes. Essa tabela temos nós que fazer no dia a dia, a partir de referências conhecidas. Quando instalei a minha bomba de infusão de insulina recebi uma tabela de carboidratos, que já tem uma série de novos alimentos que eu acrescentei (pesquisando na internet as informações nutricionais e testando na prática pra ver se funciona). Tenho ainda uma mini tabela na bolsa e uma tabela em pdf no celular elaborada pela blogueira Nicole Lagonegro: https://minhafilhadiabetica.com/2013/06/28/tabela-super-completa-para-contagem-de-carboidratos/

‹Letícia AMA› A pergunta é, qual a orientação correta para o diabético que vai sair de casa e precisa levar sua insulina. Deixar em temperatura ambiente? A variação de temperatura não altera o efeito da medicação?

Débora: Letícia, o melhor mesmo é verificar o que diz a bula da insulina utilizada. Eu uso a aspart (novorapid). Na bula diz que o refil desta insulina, quando não está sendo utilizado deve ser conservado sob refrigeração (entre 2 °C e 8 °C), não dentro ou muito próximo do compartimento do congelador, e quando está sendo usado não deve ser mantido em refrigerador. Diz ainda que posso carregá-lo e mantê-lo comigo, à temperatura ambiente (não acima de 30 °C), por até 4 semanas e não deve ser refrigerado novamente. Diz também para manter o refill tampado quando não o estiver utilizando para proteger a insulina da luz. Finalmente, a bula recomenda que se proteja a insulina do calor excessivo e de luz solar. Já fui à praia com a bomba de insulina muitas vezes, e em nenhuma delas a insulina perdeu o efeito. Mantenho os refis numa bolsinha, dentro da geladeira.

‹Irimar Querino› Tentando promover o estímulo à participação dos cidadãos nos espaços de discussão acerca da saúde, esse inclusive é o tema do meu TCC, que tipo de orientação/dica podem me dar?

Antônio: Caro Irimar, Partir dos problemas concretos da comunidade e debater possíveis caminhos de enfrentamento coletivo, pode ser um caminho interessante!

Débora: Buscar nas leis e nas práticas brasileiras as formas de participação direta dos cidadãos na construção de um SUS mais coletivo e mais democrático.

‹Rojane Couto› A idade obrigatoriamente vai gerar o diabetes?

Antônio: Cara Rojane. A prevalência (número de casos novos e antigos) do diabetes mellitus tipo 2 é progressivamente maior à medida que subimos nas faixas etárias da população.

Débora: A Sociedade Brasileira de Diabetes, em suas diretrizes de 2013/2014, relata que o diabetes vem aumentando com o envelhecimento da população e com os maus hábitos alimentares e sedentarismo (características associadas ao tipo 2). Conforme o Estudo Multicêntrico sobre a Prevalência do Diabetes no Brasil a idade influencia no aparecimento da doença, mas intervenções no controle da obesidade, hipertensão arterial, dislipidemia e sedentarismo podem prevenir o surgimento do diabetes tipo 2 (ler o texto “Epidemiologia e prevenção do diabetes mellitus” em https://www.sgc.goias.gov.br/upload/arquivos/2014-05/diretrizes-sbd-2014.pdf)

‹Heitor Santos R› Gostaria de saber a opinião de todos os instigadores do tema, como lidar com a mudança de cultura do cuidado em saúde que envolve transformações ocorridas no panorama de saúde pública nacional e a relação de Profissional-Paciente, pois acho que existe uma questão chave que não é consenso: o poder de decisão, dependência de saberes e autonomia responsável… Cabe a quem?

Antônio: Caro Heitor. Cabe a pessoa portadora do diabetes a decisão sobre sua vida, o que inclui o tratamento que fará etc, como o apoio do profissional. A propósito, no caso do diabetes e de outras doenças crônicas, é a própria pessoa que realiza o seu cuidado, salvo em situações muito especiais, como numa hospitalização etc. Mas, para que esta pessoa possa se beneficiar das conquistas que a medicina produziu para o cuidado do diabetes (mas, que infelizmente, não estão acessíveis a todos) é essencial que ela tenha um profissional para acompanha-lo. Espera-se que este profissional partilhe suas propostas terapêuticas e dietéticas com o paciente e que este possa participar das decisões, pois é o paciente que irá ou não adotá-las em seu cotidiano.

Débora: Assino em baixo, falou e disse Antônio!

 

Nana› Pergunta: Vivemos em uma cultura onde o saber médico é a autoridade e percebemos isso em situações macropolíticas mas também em sutilezas nas relações de trabalho com outros profissionais e também de um riso de canto de boca de um médico para com o paciente quando este começa a discutir ou discordar de sua situação de saúde ou doença. Isso faz com que os pacientes nem discutam suas ideias em um atendimento. Vejo que ainda é muito difícil para os serviços de saúde separarem o que é a gerência de si,( ou seja, os serviços ditam o que deve ser feito e o sujeito se adapta como acha melhor dentro de sua vida para seguir as regras, “boa aderência” e quando acontece algo de errado, é visto como culpa do paciente que não seguiu o que lhe foi dito – “não aderiu ao tratamento corretamente”) com o cuidado de si, que seria um diálogo produtor de conhecimento sobre a saúde daquele sujeito, unindo os saberes técnicos com os saberes de vida do sujeito para um objetivo também construído entre ambos. Isso demanda tempo e energia dos sujeitos envolvidos.  Eu gostaria de saber o pensamento de vocês, Débora e Antonio que vivem esses dilemas em suas experiências diárias.

Antônio: Cara Nana, um desafio para os educadores dos profissionais de saúde é o de formar profissionais que não só respeitem, mas que também estejam abertos ao dialogo com o sujeito de seu cuidado, suas dificuldades, angustias, seus saberes etc. E que, ainda, partilha as decisões do projeto terapêutico individual em função das necessidades e possibilidades deste interlocutor que tem um outro ponto de vista sobre saúde e doença, aquele de quem vive o problema.

Débora: Nana, essa não é uma questão simples. Assim como todo relacionamento humano, o bom diálogo entre cuidador e paciente envolve investimento de tempo e interesse de ambos num aprofundamento da relação. Na resenha que fiz sobre o livro do Antônio conto um pouco como se deu o desenvolvimento do meu relacionamento com o meu endocrinologista, que há 21 anos cuida de mim (https://redehumanizasus.net/84442-o-espelho-em-que-me-reflito-compartilhando-saberes-com-meu-medico). Não foi algo simples ou rápido, foi algo que demandou tempo e interação entre nós dois para que resultasse no cuidado da minha saúde. Conversamos muito eu e ele nas consultas, e em alguns momentos tenho que lembra-lo que não estudei medicina e que não conheço alguns termos que ele menciona, e ele me explica em termos leigos o que está dizendo. O tratamento com a bomba de infusão de insulina decidimos assim, conversando.

‹Heitor Santos R› Sobre a continuidade (ou adesão) do tratamento: vejo por parte profissional uma necessidade de monitoramento mas, por exemplo em doenças do trabalho somadas a doenças crônicas não transmissíveis, a questão de viabilização do cuidado tanto por parte do suporte assistencial como por alternativas (ou falta delas) priorizadas pelo paciente como poderia ser validada ou medida?

Débora: Pelo bem-estar da pessoa: se ela está conseguindo realizar suas atividades sociais e laborativas sem grandes dificuldades e tem um controle glicêmico dentro de padrões aceitáveis de acordo com idade, sexo, e condições pessoais (no caso de diabetes), acho que a escolha está validada. Ou seja, se a pessoa está feliz e não tem muitos riscos à saúde, acredito que a opção tomada foi acertada.

 

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Observação: considero desenvolvida durante o webinario a questão da Fernanda (Carrasco Bela Brizzi – do blog Meu Filho Tipo 1 – beijo enorme pra você também querida!), daí ela não figurar nessa reverberação, o que não impede novos comentários dos leitores e da própria Fernanda.