Um dos maiores dramas do ser humano é este: todas as vidas que a gente tem não cabem em toda a nossa vida.
Quanto mais complexo o ser humano, maior a impossibilidade de conciliar internamente, e/ou de viver as várias vidas existentes.
Pessoas há que, para dar vazão às vidas que se tumultuam por dentro da gente, partem para a arte.
Nesse sentido, a arte é puro processo de criação, porque permite a existência de várias vidas que, paralelas, vivemos internamente.
Escrever, pintar, representar, poetar, musicar, cantar, tocar, “artesanar”, cozer, educar, fabular são a vazão que o artista dá a todas as vidas que temos e não cabem em toda a nossa vida, porque toda a nossa vida vai sendo ocupada desde cedo com deveres e idéias que adotamos, ou nos fizeram adotar, e com os quais, de alguma forma, cimentamos compromissos, deveres, responsabilidades.
Outras pessoas, porém, em vez da forma projetiva, exorcista, econômica, simbólica ou representativa, a forma artística citada, partem para viver todas as vidas que têm.
Nada de representação das várias, afirmam elas: ainda que impossível vivê-las todas, é preciso tentar!
Faremos o possível para viver o máximo de vidas possível.
Essas pessoas que tentam viver todas as vidas que têm, pela coragem, pelo desprendimento, pelo impulso de enfrentar o impossível, mesmo quando não merecem a adesão ou imitação do público, ganham-lhe o respeito, ora invejoso, ora admirado. É que elas são capazes de sofrer para se expor a tudo aquilo que, embora seduzindo, provoca natural temor no homem médio.
E o que é ter muitas vidas, as tantas que não cabem em toda a nossa vida?
É saber-se pouco diante do muito que se é capaz de sentir.
É conseguir sair da rigidez ou do empacotamento que lhes foram impostos na infância por adultos repressores e tornar-se parte de outros mundos humanos, aos quais deve percorrer com a emoção de criança em viagem.
É ser amigo de sua diversidade interior e paralelamente procurar a sua identidade.