Sobre morte e intervenção em saúde.

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     Os processos de trabalho nos quais os trabalhadores de saúde foram criados e criadores, comumente cobre as condutas de diversos núcleos profissionais com a sombra do cuidado imediato. Cuidado no que se refere à busca pela assistência e promoção da saúde, e imediato como a necessidade de que esse processo seja súbito, instantâneo. Assim movimentos integrativos*  embatem contra modelos hegemônicos de fazer saúde, como o medicalizante. Nesse paradigma não difícil é compreender a relação dos profissionais da saúde com a morte, algo não apenas a ser evitado, onde é necessário o emprego de todas as ferramentas disponíveis para sua conversão mas acima de tudo, onde não deve-se ter relações signatárias, campo onde, quando presente, o carimbo ou o numero do conselho não pode estar envolvido. Paradoxalmente a inexistência da tentativa de cuidado anula o pecado da falha.
     Mas quando o húmus do desejo do paciente entra em ação o corporativismo adota conceitos teóricamente pesados como ética e vida. Mas como pensar o abandono do cetro e o reconhecimento da doença, da morte e do sofrimento? Talvez seria algo semelhante a Matsunomoto**  descrevendo cuidados paliativos. Mas nas entrâncias das ciências mentais, as fronteiras são um pouco mais borradas e consequentemente a hegemonia medicalizante ou moralizante, se assim puderem ser consideradas distintas (?), encontram fortes reverberações.
     A cultura do louco como alienado perdura, se não louco, desviante, logo diferente, próximo do desconfortável e consequentemente louco. O desejo singular requer tratamento pois sua impossibilidade arranha, não o desejante, mas o resto, nós. Se comer o que não se come tem codificação (307.52), ver o que não se vê (295.30), fazer o que não se faz (302.81) sentir o que não se deveria (296.03)***, o que pode-se dizer de desejar o que não se deveria? Se em um passado recente todo pecado tinha sua penitência, não necessariamente sua salvação, hoje todo desvio um tratamento, e também, não necessariamente uma cura.
     As fronteiras da ética nos fazeres em saúde mental são instigantemente tencionados por Deborá Diniz em seu documentário intitulado O Solitário Anônimo. A documentarista expõe o desejo de fim de um, intensamente combatido por atores regidos por normas, códigos e leis. Em momentos eles encontram eco em nosso impulso de tecer conjecturas para nos aliarmos ao elenco, e caso esse texto encontre olhos inquietos, quem sabe, até algo mais.

 

* Onde o cuidado é processual, contempla as características individuais do tempo e considera o adoecimento ou a doença como condições sine qua non a vida.

**Manual de cuidados paliativos / Academia Nacional de Cuidados Paliativos. – Rio de Janeiro: Diagraphic, 2009.

***Nota: 307.52: Transtorno de Pica; 295.30: Esquizofrenia Tipo Paranóide; 302.4: Fetichismo; 296.03 Transtorno Bipolar I.

 

ANEXO: O Solitário Anônimo