Carta de Palmas – IV ENCONTRO DO COLEGIADO DE COORDENADORES DE SAUDE MENTAL DA REGIÃO NORTE
Carta de Palmas
IV ENCONTRO DO COLEGIADO DE COORDENADORES DE SAUDE MENTAL DA REGIÃO NORTE
Palmas, 04 a 07 de novembro de 2014
“Do coração da floresta ao coração do Brasil. Juntos no fortalecimento da saúde mental da Região Norte”
Em 19 de Dezembro de 2011, navegando as águas do Rio Negro, coordenadoras e trabalhadoras de Saúde Mental do Amazonas, Roraima, e Tocantins se reuniram para discutirem a situação da Saúde Mental em seus Estados de origem e organizarem o III Fórum Amazônico de Saúde Mental. Este Fórum aconteceu em Maio de 2012 com a presença dos coordenadores e trabalhadores de Saúde Mental, dos 07 Estados e capitais da Região Norte e Técnicos do Ministério da Saúde.
Neste memorável evento, foi oficialmente instituído o primeiro Colegiado de Saúde Mental Regional do país, como proposição do Ministério da Saúde. Este Colegiado foi composto por coordenadores de saúde mental estaduais e municipais das capitais e principais cidades dos Estados, representantes dos Pólos Indígenas, com apoio técnico do Ministério da Saúde.
No segundo semestre de 2012, em Rio Branco–AC, ocorreu o II Encontro do Colegiado de Saúde Mental da região norte, onde foram traçadas diretrizes frente aos desafios que esta região apresenta no âmbito da gestão, da educação permanente e da atenção à saúde indígena.
Em outubro de 2013, na cidade de Belém do Pará, aconteceu o III Encontro deste colegiado, antecedido pelo Fórum regional de Saúde Mental da Criança e do Adolescente. Mais uma vez, o colegiado cumpriu seu papel, discutindo as questões pertinentes ao fortalecimento da RAPS, especialmente frente a ameaça real do retrocesso institucional que as medidas judiciais tem imposto aos Estados e Municípios quanto ao recolhimento compulsório e cuidado aos usuários com necessidades de saúde decorrentes do uso de álcool, crack e outras drogas, num flagrante desrespeito aos direitos e a dignidade humana, bem como aos princípios do SUS.
Desde sua instituição, este colegiado cumpre seu papel de pensar sobre os desafios e especificidades da região norte, como os da acessibilidade aos territórios, do protagonismo dos usuários e familiares, da participação popular, do controle social, da necessidade de estabelecimento de uma política de recursos humanos que atenda às peculiaridades da Saúde Mental, carreada por uma estratégia de Educação Permanente mais próxima de nossa cultura, do financiamento diferenciado que dê conta dos altos custos dos serviços, do trabalho de pesquisa que priorize o uso de nossa cultura, flora e cuidados tradicionais para a saúde mental dos nossos usuários, e propor ações estratégicas para a implementação e o fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial na Região Norte, atentando para as especificidades amazônicas, com o olhar diferenciado às comunidades tradicionais, compreendendo as suas diversidades culturais, defendendo a liberdade no cuidado e a integridade da pessoa humana, em todos os componentes da RAPS
Muitos são os desafios bem delineados desde o primeiro encontro no Amazonas e outros surgem no meio do caminho. Alguns, procurando respostas prontas e muitas definições contrárias aos princípios éticos e políticos da reforma psiquiátrica, e como estratégia, entendemos que cabe a nós, militantes do Movimento da Luta Antimanicomial, usuários, familiares e trabalhadores do SUS/Saúde Mental, a responsabilidade de nos organizarmos para a consolidação e o fortalecimento da Política Nacional de Saúde Mental na Região Norte do País, corroborando com todas as regiões brasileiras numa unidade pátria, para que esta tão combatida política se estabeleça de fato, como Política de Estado.
Reconhecemos que em todo o norte, temos ainda muitas fragilidades: CAPS que ainda não conseguem atender crises e por isso são desacreditados pela comunidade, equipes fragilizadas, falta de apoio e entendimento da política nacional por parte de muitos gestores, recursos financeiros escassos, e até retrocedemos ao cedermos às pressões da justiça com as internações compulsórias de usuários nas comunidades terapêuticas e clinicas de recuperação privadas sem antes termos o direito de cuidá-los em nossos serviços, estamos longe de conseguirmos atender com dignidade os povos tradicionais e indígenas da região norte e o acolhimento às pessoas privadas de liberdade e em medidas de segurança nos equipamentos de saúde mental ainda é um tabu para todos.
Mas, tivemos avanços em todos os Estados: Fechamos hospitais psiquiátricos e alguns ambulatórios medicalizantes, abrimos serviços novos, fizemos interlocução com os gestores através das pactuações em CIR/CIB e dos conselhos de saúde, nos aproximamos da Atenção Básica através do caminhos do cuidado, viajamos por este país em duplas no percurso formativo, formamos técnicos especialistas, produzimos vida mesmo em meio a aridez dos processos políticos.
Desde o dia 04 de novembro de 2014, o Tocantins teve a honra de receber os participantes do IV Encontro do Colegiado de Saúde Mental da Região Norte (Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Tocantins, Capitais e DSEIS) e o VIII Encontro do Colegiado Gestor de Saúde Mental do Tocantins no ano de 2014.
Durante o evento, refletimos sobre os desafios, avanços e apontamos novos rumos para o fortalecimento das relações entre as Redes de Atenção à Saúde e a Rede Intersetorial nos territórios, visando o cuidado em Saúde Mental.
Os temas percorridos foram acerca de: Gestão e Planejamento da RAPS para a Região Norte, Complexidades Amazônicas, Fator Amazônico na Saúde Mental, Educação Permanente (caminhos do cuidado, Percursos Formativos, CAPS Escola, projetos de pesquisa), “Programa Crack, é possível vencer”, Saúde Mental e Saúde no Sistema Prisional, Saúde Mental em contextos Indígenas.
Participaram do evento, trabalhadores e gestores das Redes de Atenção à Saúde com o foco na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que validaram através desta Carta de Palmas, os seguintes encaminhamentos norteadores da RAPS em toda a região norte brasileira nos próximos anos, a saber:
• Revisar os valores de repasses de incentivo e custeio dos componentes da RAPS pelo Ministério da Saúde e o aplicar o estabelecimento de normatização para o Cofinanciamento dos Estados e Municípios.
• Compor um grupo de trabalho com atores locais (gestores, trabalhadores, usuários e sociedade civil) e Ministério da Saúde para estudo a respeito do fator amazônico como indicativo de financiamento diferenciado da Saúde para a Região Norte;
• Incorporar as diversas ferramentas de monitoramento e avaliação existentes no SUS no âmbito da Saúde Mental como estratégia de qualidade de serviço;
• Qualificar os indicadores de pactuação utilizados nas Comissões (CIT, CIB, CIR) para avaliação da cobertura da Rede de Atenção Psicossocial.
• Fortalecer o formato do apoio institucional do Ministério Saúde de forma integrada com outras redes nos territórios.
• Fortalecer a função do apoiador da RAPS do Ministério da Saúde para a Região Norte.
• Instituir o Apoiador local do Ministério da Saúde, por Estado, que trabalhe o conteúdo da RAPS, nos moldes da Política Nacional de Humanização e da Rede Cegonha.
• Favorecer a apropriação de instrumentos para fortalecimento da atenção básica, compreendida como ordenadora do cuidado no território, como por exemplo, a planificação (estratégia da atenção básica promovida pelo CONASS, que já vem sendo implementada no estado do Pará) – (Anexo I).
• Construir estratégias de mobilização dos trabalhadores que estão participando do Percursos Formativos, Caminhos do Cuidado ou outros processos de qualificação no campo da saúde mental, álcool e outras drogas para participar do matriciamento conjunto da atenção básica.
• Fomentar ações de intercâmbio – como o Percursos Formativos – entre os próprios serviços e redes da região Norte.
• Estender os Caminhos do Cuidado para os demais profissionais das equipes de atenção básica.
• Assegurar que os serviços da RAPS sejam campo formador e campo de prática no contexto do ensino, da pesquisa e da extensão, reforçando a importância de que o fluxo normativo sobre pesquisa nos serviços da rede seja seguido.
• Ampliar o número de apoiadores do Projeto Redes/SENAD/MJ, para todos os municípios aderidos ao Programa Crack, é possível Vencer
• Fortalecer o controle social como estratégia de sustentabilidade das Políticas de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas nos territórios.
• Garantir que os Fóruns Intersetoriais de Saúde Mental, sejam disparados pelos Grupos Condutores Estaduais e Regionais da RAPS, em parceria com Coordenações Estaduais e Municipais de Saúde Mental, Coordenações de serviços da RAPS, Referências de Saúde Mental nas Regionais de Saúde, Articuladores de Rede da SENAD e apoiadores do Ministério da Saúde considerando sempre a participação e inclusão de usuários, familiares e trabalhadores dos serviços.
• Assegurar a estratégia das Assembléias dos CAPS como dispositivos de fortalecimento dos Fóruns de Saúde Mental Intersetorial nos territórios, como previsto na PT 3088/2011.
• Criar estratégias para minimizar os impactos negativos das constantes mudanças na gestão das Secretarias de Saúde no que se refere às pactuações locais, regionais e estaduais da Política de Saúde Mental, álcool e outras drogas.
• Articular a execução de estratégias interfederativas nos territórios para regulação do acesso e fluxo dos usuários às Comunidades Terapêuticas financiadas com recursos públicos, articulando Saúde, Assistência Social, Direitos Humanos e Justiça, considerando o projeto terapêutico singular integrado à rede de cuidado intersetorial.
• Promover Encontro da Região Norte de Saúde, Sistema Prisional e SINASE para discutir as necessidades da região diante da questão da PNAISP e da EAP e da especificidade do cumprimento das medidas sócio-educativas. Com indicativo da Coordenação de Saúde Mental Estadual para realização no Pará em 2015.
• Promover, por meio das áreas técnicas de saúde mental e saúde prisional, a qualificação das equipes que atuam dentro do sistema prisional, visando a articulação com os serviços de saúde da rede.
• Criar espaços de discussão em conjunto com os gestores dos DSEIs e os gestores de saúde mental sobre atenção à crise e medicalização considerando aspectos etnográficos e o protagonismo das populações indígenas com as equipes de saúde mental nos territórios.
• Garantir o acesso nos serviços de saúde mental para os indígenas que fazem uso de medicação controlada para reavaliação das necessidades de manter as prescrições e para a construção dos projetos terapêuticos singulares com a participação da família e da comunidade.
• Fortalecer a rede de serviços de saúde nos territórios impactados negativamente por grandes empreendimentos, considerando a necessidade das populações indígenas e desenvolver projetos específicos para reduzir as vulnerabilidades de risco individual, social e comunitário de acordo com as realidades locais.
• Estimular a construção de projetos de Formação e Educação permanente para as equipes de saúde indígena a partir das experiências dos projetos: “Caminhos do Cuidado” e “Percursos Formativos na RAPS”.
• Priorizar o matriciamento entre às equipes multidisciplinares de saúde indígena que atuem dentro dos territórios;
• Favorecer o acesso aos leitos integrais de saúde mental, álcool e outras drogas nos hospitais gerais para as populações indígenas pactuando a ordem de prioridade na regulação das vagas a partir da dimensão da equidade;
• Promover o cuidado considerando aspectos interculturais especificamente os saberes e práticas da autoridade indígena em saúde (exemplo: Pajé)
• Estimular um encontro interfederativo da Região Norte para discutir as necessidades relacionadas à saúde indígena e saúde mental.
• Pactuar como indicativo, a realização do 5º Encontro do Colegiado de Saúde Mental da Região Norte na cidade de Macapá – AP em 2015.
Nossa tarefa é enorme e desafiadora e este já é o encontro da maturidade da coragem, e da determinação – “Se não nos deixam sonhar… não os deixaremos dormir”. – Eduardo Galeano
Palmas, 07 de novembro de 2014.