singulares “sistemas de saúde”

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Com a palavra, um dos organizadores, Luiz Cecilio:

A ideia central do livro é que o cuidado em saúde será sempre coproduzido pelos usuários (os leigos) e pelos “especialistas da saúde” (profissionais de saúde, gestores, estudiosos), por mais que estes últimos, no fundo, pensem que cabe ao usuário apenas usar, presos que ficam a uma tautologia que se recusa a reconhecer um usuário-fabricador de caminhos e de significações, a partir das peças ou dos elementos da máquina da saúde.

O leigo inventa, pelo método da bricolagem e da recomposição, surpreendentes totalizações precárias e contingentes, movidos pelo sofrimento advindo do adoecimento, do medo da morte e da consciência da fragilidade da vida humana. O agir leigo resulta em surpreendentes e singulares “sistemas de saúde” nos interstícios da máquina da saúde. Na conclusão do estudo, uma correção será necessária: não há uma máquina da saúde, há múltiplas máquinas da saúde, produzidas em alguma medida pelo agir leigo, pelo tipo singular de regulação que ele realiza, através das composições que vai logrando com outros agires, com outros modos de regulação, inclusive o governamental.

A máquina da saúde tem-se produzido tão complexa que se tornou matéria de especialistas, antes dos profissionais de saúde, sob a hegemonia absoluta dos médicos e, agora, e cada vez mais, dos gerentes e gestores da saúde. Novos especialistas. Um batalhão de especialistas, consultores e pesquisadores que advogam para si próprios o monopólio de diagnósticos, soluções e receitas para o funcionamento cada vez mais aperfeiçoado da “máquina” projetada para ser progressivamente mais previsível, programável e controlável. Uma máquina racionalizada e eficiente: um negócio de especialistas.

Os leigos adquirem, no livro, a conotação precisa daqueles que não pertencem ao corpo de “especialistas da saúde”, seja do corpo de profissionais da saúde, seja do corpo gerencial/administrativo, seja dos pesquisadores que se ocupam do tema na Academia. O conceito de leigo, portanto, assumidamente construído por referência ao saber especializado, que tem sido monopólio da medicina institucionalizada, estatal e de mercado, e seu corpo de especialistas. O leigo, e seu agir, apresenta-se como contraponto a tal saber hegemônico, não no sentido de oposição ou negação, mas como contraste potencialmente revelador do funcionamento da máquina da saúde, sendo capaz de produzir um saber assessor que poderá apontar elementos da “máquina” que permanecem obscuros para os especialistas. O agir leigo denunciando as avarias da máquina.