parir em Portugal
Do total de 36 centros hospitalares públicos do país, 14 ainda fizeram mais de 30% de partos com recurso a cesariana em 2014, o que significa que ficaram muito acima das metas recomendadas pela Organização Mundial de Saúde. No entanto, o valor melhorou substancialmente em relação a 2013, em que 20 dos mesmos 36 centros ficaram acima desta fasquia. A mudança de comportamento teve um impacto positivo na taxa de cesarianas do Serviço Nacional de Saúde, que caiu de quase 31% em 2013 para 28% no ano passado, de acordo com os dados disponíveis até Setembro e que serão apresentados nesta segunda-feira pelo presidente da Comissão Nacional para a Redução da Taxa de Cesarianas, Diogo Ayres de Campos.
A descida para valores abaixo dos 30% não era conseguida desde 2004, altura em que a taxa pública foi de 30,2%. Em 2003 tinha ficado nos 29,8%, em 2002 nos 28,4% e em 2001 nos 27,8%. Numa antecipação da apresentação ao PÚBLICO, Diogo Ayres de Campos ressalva que a taxa global do país ainda não ficou abaixo dos 30%, com as unidades privadas a empurrarem Portugal para os 33%, contra os mais de 35% de 2013. É o segundo pior valor da União Europeia, apenas ultrapassado por Itália.
De acordo com os últimos dados dos hospitais privados, referentes a 2012, neste sector a taxa de cesarianas rondava os 67%. O médico adianta que “realizam 13% a 14% do total de partos do país”, sendo também importante reforçar a informação sobre as desvantagens deste procedimento cirúrgico junto de quem recorre àqueles serviços e respectivos profissionais.
Os melhores e os piores resultados
Entre os hospitais públicos, já nenhum ultrapassa os 40% de cesarianas, mas ainda há alguns que se aproximaram desse valor: Unidade Local de Saúde do Nordeste (38,3%) e Unidade Local de Saúde da Guarda (38,8%). Os melhores resultados são registados no Hospital de Loures (19,8%), Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo (21,5%) e Centro Hospitalar Entre o Douro e o Vouga (23%), seguido de perto pelo Hospital Garcia de Orta (23,1%). Entre as unidades mais diferenciadas o melhor resultado é do Centro Hospitalar de São João, com 25,7%, seguido pelo Centro Hospitalar Lisboa Norte, com 26,4%, e pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, com 27,3%.
O obstetra do Hospital de São João, no Porto, que lidera a comissão criada em 2013 para resolver os problemas com este indicador internacional da qualidade dos serviços de saúde, atribui a melhoria à mudança que vigorou em 2014 na forma como os hospitais foram pagos por cada cesariana. Todos os anos a Administração Central do Sistema de Saúde contratualiza com as unidades públicas quantos partos estas vão fazer e o valor varia consoante se trata de um parto vaginal ou de uma cesariana. Um parto normal pode ficar entre os cerca de 300 e os mais de 500 euros, enquanto a cesariana começa perto dos 500 e pode chegar quase aos 700.
Em 2014 decidiu-se que os hospitais menos diferenciados que ultrapassassem os 25% de taxa de cesarianas receberiam menos dinheiro pelas cirurgias. No caso dos centros mais diferenciados, por atenderem grávidas de maior risco e mais casos de doença fetal, a barreira ficou nos 27,5%. “No início houve alguns hospitais que reagiram de forma um pouco negativa, porque entenderam que a partir de determinado nível de cesarianas não havia mais pagamento. Não foi isso que se fez, só deixaram de receber a totalidade”, esclarece Diogo Ayres de Campos. “Temos de controlar a taxa de cesarianas e não é por motivos economicistas. O risco de saúde é que está em causa, tanto na própria cirurgia, com lesões noutros órgãos, hemorragias, ou logo a seguir, com o risco de infecção. Também há consequências para os recém-nascidos, que ficam com riscos respiratórios cinco vezes superiores, acrescidos na infância de um risco de diabetes e de asma 25% superior aos dos partos normais”, reitera o especialista.
Na apresentação, o médico vai precisamente reforçar alguns dos riscos das cesarianas, nomeadamente as complicações resultantes da anestesia – que são duas vezes superiores -, e as lesões urológicas – que acontecem 31 vezes mais -, assim como o risco 11 vezes maior de grandes hemorragias. Após a cirurgia o risco de infecção também é 11 vezes superior, enquanto o de trombo-embolismo quadruplica. O óbito materno acontece cinco vezes mais nos partos por cesariana. Numa gravidez posterior também podem surgir mais problemas com a placenta, sendo o risco de morte do feto 1,6 vezes superior.
Para 2015, a comissão propõe a implementação de medidas que passam sobretudo por dar mais formação aos profissionais de saúde e por divulgar protocolos nacionais para uniformizar práticas. Também se quer incentivar a partilha de mais indicadores, como a percentagem de partos induzidos, de partos vaginais após cesariana e de uma manobra chamada “versão cefálica externa”, em que os médicos manipulam a barriga da grávida quando esta se encontra perto das 36 semanas de gestação, tentando posicionar os bebés para um parto vaginal . A distribuição de panfletos junto da população-alvo é outra das ideias. Diogo Ayres de Campos já liderou em 2010 uma comissão semelhante, mas apenas para a Administração Regional de Saúde do Norte, e, retirando o que foi feito nessa experiência local, acredita que os resultados nacionais serão positivos.