Kildare, House, o Curandeiro e um pouco sobre cuidado.
Quando um grande amigo me falou sobre a oposição que apontava entre Dr. Kildare e Dr. House fiquei pensando que ali havia mais complementaridade que oposição. Mas é necessário explicar isso.
Dr. Kildare foi um seriado exibido na TV dos Estados Unidos na década de 1960 e mais tarde exibido também no Brasil. Tratava-se de um jovem médico, Dr. James Kildare, representado por Richard Chamberlain, que trabalhava em um grande hospital e se envolvia sistematicamente com os problemas de seus pacientes. Seu chefe, um médico experiente e idealista, Dr. Leonardo Gillespie (Raymond Massey), diz a Kildare já no primeiro episódio da série: “Nosso trabalho é manter as pessoas vivas, não dizer à elas como viver”; o que é absolutamente ignorado pelo herói. Já o Dr. Gregory House, interpretado pelo ator inglês Hugh Laurie, é o personagem principal da série House, M.D., também produzida pela TV norte americana. House é uma espécie de Sherlock Homes da medicina. Capacitado em várias especialidades, entre elas infectologia e nefrologia, se destaca não apenas pelos excelentes diagnósticos que elabora, mas também pelo seu notório mau-humor, cepticismo e pelo seu suposto distanciamento dos pacientes (aqui, talvez, a razão da oposição a Kildare que meu amigo destaca).
Kildare não se preocupa somente com o biológico. Gosta mesmo é de entrar na vida das pessoas, não para compreendê-las, antes para dizer-lhes o que é melhor para elas. Profeta que atua como um buraco negro sugando tudo ao seu redor. Criando um lugar de novas consciências conformes aos seus ideais, suas verdades escolhidas. Reivindica emoções e sensações, para torná-las adequadas aos seus julgamentos por meio dos seus belos conselhos. House é diferente. Apela para as interpretações. Liga o que vê e o que sente a verdades que elege como dominantes. Paranóico desqualifica a todos e a tudo para depois requalificá-los a seu modo, dentro das suas conformidades. Novo padre: o psicanalista. Mesmo quando lida com o biológico não é isso de fato o que interessa, mas sim o que isso significa. Quando parece desconsiderar as relações com seus pacientes, naquilo que se considera como um comportamento anti-social, o que quer de fato é interpretá-los, incluí-los nos seus círculos de significância, direcioná-los ao seu significante. Obviamente não falamos de pessoas, o que já seria interpretação e subjetividade em demasia. Falamos de intensidades, de Nomes Próprios. Mas é preciso que se diga: não há Kildare sem House, nem tampouco o contrário. O que há sempre é complementaridade. Mas também mistura, proporções. Ora mais Kildare, ora mais House. Ambos ainda muito presentes.
Outra coisa é o Curandeiro. Este não se liga a interpretações ou buracos negros. O que o curandeiro quer saber é bem simples: isso funciona? Como isso funciona para você? Já não importam as grandes verdades eleitas. O que o Curandeiro procura são fluxos: fluxos de dor ou tristeza, fluxos de alegria, fluxos disso ou daquilo. O que passa e o que não passa. Pouco importa o que significa, o horror do significante. Pouco importa o lugar do sujeito de autoridade. Mas o Curandeiro sabe também que tanto Kildare quanto House funcionam. E o fazem muito bem. Sabe que fugir de Kildare e House não é simplesmente desconsiderá-los. Entende que Kildare e House só funcionam porque são demandados, são procurados. A cumplicidade entre quem os procura e suas ações é o que garante aquilo que tanto move Kildare e House: o Poder. Cuidar para exercer poder. Nada disso interessa ao Curandeiro. No entanto, é preciso fazer um uso de Kildare e House. Mas não para atingir o seu objetivo, não para buscar o exercício do poder, tão caro a esta dupla, tanto quanto aos cúmplices. É necessário um uso de Kildare e House para fazer passar a Potência. Não se trata mais de dominantes e dominados. Autoridades, déspotas e escravos. Padres interpretes e profetas conselheiros. O Curandeiro busca alianças, produzir aliados. Cuidar é potencializar a vida por meio de alianças. Cuidar para o Curandeiro é tornar potente a vida para quem é cuidado e também para quem cuida. Há muito de Kiladare e House em nossas vidas, mas também há muito do Curandeiro. Só o que precisamos é identificar cada um em cada situação. Mas também exercitar, cada um aquele a quem mais se liga. Por mim, me agrada muito o Curandeiro.
Altair Massaro
Por Isis A. Cunácia Massaro
Altair, é excelente o texto!
Muito pertinente a abordagem sobre estes personagens e a reflexão sobre o cuidado, que é sempre muito sedutor e um campo fértil para tomada de poder .
Como médica do SAID- Campinas( serv. de atendimento e internação domiciliar), atendo alguns pacientes em cuidados paliativos oncológicos ou não, procuro abordá-los indentificando o que há de potente neles e não o que os falta , como se eu fosse a grande "salvadora", Acredito piamente que a compaixão é uma postura cruel e desonesta de se exercer o poder, mas muito fácil de se cair nela. Então como diz o Fuganti: temos que fazer a nossa lição de casa!
um beijo , te amo muito
Isis