Gestão e Processo de Trabalho em Saúde.

Oi Marcela,

Gostei muito da figura e desse breve e interessante resumo sobre esses conceitos tão valiosos para o SUS e para a Reforma Sanitária. Uma frase me provocou a pensar ainda uma distinção importante feita pelo movimento sanitário brasileiro e que tem muita relação com os conceitos abordados por vc. Trata-se da distinção entre os termos 'Atenção à Saúde" e "Assistência à Saúde". Há um belo texto sobre essa diferença conceitual que está também no Dicionário da Educação Profissional em Saúde da Escola Polítécnica, disponível neste link: https://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/atesau.html

à luz dessa distinção tão fundamental para pensar processos de trabalho em Atenção à Saúde e não somente no campo assistencial, a frase: "O processo de trabalho em saúde diz respeito ao processo da produção e consumo de serviços de saúde" poderia ser entendida, a meu ver, como "diz respeito ao processo de produção da (atenção à) saúde… Não acha?

Gustavo

ampliando o conceito de Gestão, gestão em saúde envolve outros agentes e outras perspectivas, cuidando dos processos de produção e consumo de serviços que abraçam usuários, profissionais de saúde, tecnologias e recursos humanos. O gestor, em sua função administrativa não atua de maneira centralizada, e sim, conjuntamente com outros profissionais, formalizando a ideia de um trabalho humanizado, envolvendo todos os atores dos processos organizacionais do trabalho. 

Oi Marcela

Gosto muito de, sempre que sobra um tempinho, ir lendo o que vocês postam aqui. Sempre aprendemos com vocês e, como contribuição, procuro trocar sempre que posso.

A foto que escolhe, certamente já da conta do aspecto complexo e profundamente relacional da gestão e do trabalho em saúde, embora mantenha a ideia de engrenagem e de um fluxo contínuo que preferiria fosse o de rede e de redes complexas, multivetoriadas.

Quanto aos conceitos, certamente precisamos deles para caminhar, entender e nos fazer entender em nossa comunicação. Mas quero lembrar que eles são, como tudo, ajuda e tropeço ao mesmo tempo. Quanto mais sintético um conceito, mais ele é abstrato e, portanto, quanto mais procuramos compreender a realidade e conversar com ela, mas precisamos relativizar os conceitos e, não raro, criar outros.

Gestão, administração e trabalho podem bem ser conceituados e diferenciados, mas, na prática cotidiana, muitas vezes eles são indissociáveis.

O toque do Gustavo já foi bem legal, porque nos remete para a produção da saúde, na qual atenção e gestão não se separam e também porque, embora possa haver uma certa concepção de consumo, até por ser terciário, o setor saúde se imbrica com uma noção de bem comum que não pode ser consumido e nem virar consumo simplesmente.

Produção em saúde, tendo que ver aí o que entendemos por saúde e perguntar se é isto mesmo que se produz nos serviços de saúde, já é uma uma baita problemática para a gestão em saúde e, principalmente, a saúde coletiva. Se ajuntarmos que todo trabalhador, principalmente em saúde, é também gestor de seu trabalho e que os usuários também fazem gestão de sua vida e, dentro dela,de sua saúde, não sendo meros pacientes ou consumidores, os conceitos de gestor, trabalhador e usuário já se misturam completamente.

Ora, neste “rolo” todo, o conceito de administração e de gestão que sinteticamente podem parecer definir bem estes campos, na prática, se atravessam de tal jeito que não é assim tão fácil separá-los. Pode haver gestão sem alguma administração? O que a administração tem de menos que precisamos falar em gestão?

Para completar. Os processos de trabalho em saúde não se restringem ao gestor, trabalhador e usuário de um determinado serviço, porque há disputa de sentidos não só dentro, como também fora desta cadeia produtiva localizada. Aliás, o trabalho, ou melhor, a atividade de trabalho sempre está aquém ou além de onde a procuramos. Há redes, redes complexas, redes multivetoriadas que se atravessam e formam um “pandemônio” de ações, reações, invenções, controles, antecipações, etc, etc, etc. sobre a mais simples atividade laboral.

Enfim, exemplificado. Trabalho em um hospital. Embora nosso trabalho certamente seja resultado de como lidamos com a pluralidade da saúde por aqui, o hospital é público e universitário. Já há aí a complexidade de dois Ministérios e a interferência de seus projetos em nossas atividades, sem contar com todo o SUS, que não é só política de governo e de estado, mas também política pública.

Assim, em última análise, a situação política do país com todo o seu jogo, a princípio, pode parecer descolada do bisturi na mão de um cirurgião dentro de um centro cirúrugico de um hospital localizado num ínfimo ponto do território nacional, porém, puro engano, porque se haverá cirurgião, bisturi e como se deu o acesso de quem e está deitado na maca sendo operado, depende de um contexto heterogêneo que determinará se haverá operação, como ela deverá se operar e quem deverá ser operado, sem falar no financiamento desta operação e de toda a forma de cuidado da qual ela é apenas uma intervenção.

Enfim, pensar sempre na complexidade, acho eu, é uma pista importante para que sempre nos lembremos que gestão coletiva da saúde não é apenas uma especialização entre outras das práticas de cuidado, é a carne mesmo dos processos de trabalho em saúde. Gestão de saúde que não seja cogestão, é contraproducente e atrapalha aquilo que pretenderia organizar.

Abs.