Para que Serve a Utopia?
Para que serve um sonho?
A pergunta parece um tanto desmedida. Porem várias respostas já foram produzidas. Na Bíblia José do Egito conquista prestígio e poder ao interpretar os sonhos do faraó. Na Grécia antiga muitos oráculos eram mantidos a ouro e prata para que as pitonisas vissem nos sonhos os mais belos e terríveis presságios. O sonho sempre teve esse ar de mistério, um desafio que exigia ser compreendido para instrumentalizar a ação do snhador.
Como a ciência adora mistérios, buscou uma solução material para os sonhos. Talvez a mais famosa solução seja a que Freud encontrou. Um sonho é uma forma simbólica de realizar desejos inconscientes. Seu conteúdo manifesto não nos diz muita coisa. Cabe agora ao intérprete, manejando um instrumento chamado psicanálise, encontrar elos ocultos ao próprio sujeito que sonha e lançar um facho de luz no imenso e quase inexplorado território chamado inconsciente.
Mas existem sonhos diferentes. Sonhos que manifestam desejos conscientes não só pra um indivíduo mas para muitos, milhões. É portanto um sonho coletivo. Os filósofos chamaram esse sonho coletivo de “Utopia”, literalmente um “não lugar”, espaço inexistente que nos provoca a realiza-lo.
No vídeo abaixo Eduardo Galeano nos fala um pouco desse sonho. Do direito que temos de delirar em busca dele e nos oferece uma resposta sobre para que serve a utopia.
Bons sonhos para os que lutam pela humanização!
Por Luciane Régio
Obrigada, Erasmo, por este post! Lindo texto de Galeano que continua nos movendo através dos tempos…
De fato, vale muito a pena assistir ao vídeo, que é curtinho e traz a voz dos pensamentos dele…
Para os arredios aos vídeos, meio "sem tempo para parar", copio aqui o texto, que abre espaços onde achávamos que estava cheio…
"Que tal se delirarmos por um momentinho?
Que tal se fixarmos os olhos mais para lá da infâmia para adivinhar outro mundo possível.
O ar estará limpo de todo veneno que não venha dos medos humanos e das paixões humanas.
Nas ruas os automóveis serão trocados por cachorros. As pessoas não serão dirigidas pelo automóvel, nem serão programadas pelo computador, nem serão compradas pelo supermercado, nem serão assistidas pela televisão.
A televisão deixará de ser o membro mais importante da família. E, será tratada como o ferro de passar ou a tábua de passar roupa.
Se incorporará aos Códigos Penais o delito de estupidez que cometem os que vivem por ter ou ganhar ao invés de viver por viver somente, como canta o pássaro sem saber que canta e como brinca a criança sem saber que brinca.
Em nenhum país serão presos os rapazes que se neguem a cumprir serviço militar, mas sim os que queiram cumprir.
Ninguém trabalhará para viver, mas todos trabalharemos para viver.
Os economistas não chamarão de nível de vida o nível de consumo, nem chamarão qualidade de vida à quantidade de coisas.
Os cozinheiros não pensarão que as lagostas gostam de ser fervidas vivas.
Os historiadores não acreditarão que os países adoram ser invadidos.
Os políticos não acreditarão que os pobres adoram comer promessas.
À solenidade, deixará ser vista como uma virtude. E ninguém, ninguém levará a sério alguém que não seja capaz de tirar sarro de si mesmo.
A morte e o dinheiro perderão seus mágicos poderes, e nem por falecimento, nem por fortuna se tornará o canalha em um virtuoso cavalheiro.
A comida não será uma mercadoria, nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos.
Ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão.
As crianças de rua não serão tratadas como se fossem lixo, porque não haverá crianças de rua.
As crianças ricas não serão tratadas como se fossem dinheiro, porque não haverá crianças ricas.
A educação não será um privilégio de quem possa pagá-la e a polícia não será a maldição de quem não possa comprá-la.
A justiça e a liberdade, irmãs siamesas, condenadas a viver separadas, voltarão a juntar-se, voltarão a juntar-se bem de perto, costas com costas.
Na Argentina, as loucas da Praça de Maio serão um exemplo de saúde mental, porque elas se negaram a esquecer em tempos de amnésia obrigatória.
A santa mãe igreja corrigirá algumas erratas dos escritos de Moisés e o sexto mandamento mandará festar o corpo.
A igreja também realizará outro mandamento esquecido por Deus: "amarás a natureza da qual fazes parte".
Serão reflorestados os desertos do mundo e os desertos da alma.
Os desesperados serão esperados e os perdidos serão encontrados, porque eles se desesperaram de tanto esperar e eles se perderam… por tanto procurar.
Seremos compatriotas e contemporâneos de todos que tenham vontade de beleza e vontade de justiça.
Tenham nascido, quando tenham nascido; e, tenham vivido, onde tenham vivido, sem que importe nenhum pouquinho as fronteiras do mapa, nem do tempo.
Seremos imperfeitos, porque a perfeição será sendo, o chato privilégio dos deuses, e neste mundo, neste mundo trapalhão e fodido, seremos capazes de viver cada dia, como se fosse o primeiro… e cada noite, como se fosse a última".
No final de semana, um amigo me perguntou enquanto almoçávamos, se eu já havia salvado o mundo? Fiquei triste com a pergunta… e com a incrível "realidade" em que ele vive, sem utopia alguma. Sem resposta… enchi uma garfada generosa, ainda que ele não sinta a força da utopia coletiva, que cria mundos e move, inclusive, ele… é uma arte conservar os amigos queridos por perto, mesmo que a "ignorância"(no sentido de não saber) os impeça de se dar conta…
Bjs, desde ontem quando assisti e fiquei tão envolvida pelas palavras…
Lu