Para refletir!!!
Terceirização, agrotóxicos, maioridade penal, o assassinato de um médico na Lagoa Rodrigo de Freitas, o corte de recursos da saúde. São tanto os temas que palpitam na vida política nacional, que se chega a perder o fôlego ao dizê-los assim, de uma só vez. Há quem possa achá-los monótonos ou espinhosos, mas ao se recusar debatê-los, emerge, como um fantasma, uma antiga máxima, atribuída a pelo menos um par de pensadores, como devem ser os bons axiomas: aquele que, por não gostar, se recusa a debater política, acaba governado pelos que gostam. Essa falta de pendor para o debate e busca de consenso não pareceu dar as caras, entretanto, na roda de conversa que, no dia 27/5, marcou o início das comemorações dos 30 anos do Centro de Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP).
A despeito da aridez dos temas a serem postos na roda, a atmosfera era de festa. Entre as mais de cinquenta pessoas que lotaram a pequena sala 32 do Cesteh, como logo se pode ver assim que a palavra foi dada aos participantes da conversa, havia em comum uma inquietação quanto os rumos que o país pode tomar se ficar a mercê dos ventos que ora brigam no congresso nacional e em outros salões privilegiados. Sentados nas cadeiras de estudante da unidade, entretanto, todos tinham os pés firmes no chão.
Katia Reis, que junto com José Augusto Pina e Renato Bonfatti mediou o papo, lembrou que a ideia de integração, de estarem todos juntos ali, por si só, já tinha um caráter revolucionário. o diretor da ENSP, Hermano Castro, ao seu turno, falou do caso do médico Jaime Gold, assassinado, havia poucos dias, enquanto andava de bicicleta na Lagoa Rodrigo de Freitas. Hermano lembrou que a mulher de Gold, apesar dos discursos de vingança que vicejam nas redes sociais, veio a público declarar que é contra a redução da maioridade penal. Dois jovens são suspeitos de assassinar Gold, os dois, menores de idade. Augusto Pina também usou o caso para falar de algumas palavras que andam ausente dos discursos. “Ningúem fala que o jovem que está preso é filho da classe trabalhadora”, disse.
A roda girava rápido e na sua vez de falar, Rita De Cassia Pereira, do Grupo de Direitos Humanos e Saúde (Dihs/ENSP), citou uma parcela da sociedade que não só é marginalizada pelo status quo do capital, como, durante muitos anos, se viu excluída das ações e teorias que o contestam. “Se já está difícil para os heteros, num mundo heteronormativo, o que dizer dos LGBT?”.
Tanto Chico Pedra quanto William Waismann lembraram que temas como o consumo de agrotóxicos no Brasil já eram discutidos quando o Cesteh foi criado, há 30 anos. “Não adianta só ficar denunciando que o agrotóxico faz mal. É enxugar gelo. É preciso mostrar que isso vem de um complexo de interações do capital internacional”, ressaltou Chico. Provocador, William Waissmann, desferiu, bem-humorado. “Não podemos esquecer que a integração também é pensada pelos integralistas”. No jogo de palavras, o pesquisador fazia uma alusão ao grupo que, durante a Era Vargas, defendia a bandeira do fascismo, no Brasil.
Quando a terceirização entrou em cena, Ariane Leite Larantis colocou na roda a preocupação com a situação dos trabalhadores dentro da própria ENSP. “Trabalho com pessoas em projetos que, por dependerem de captação, estão sempre preocupadas se vão receber, ou não, no mês seguinte”. Ao retomar a palavra, José Augusto Pina lembrou que as disputas políticas se dão também dentro da própria Escola. “Quando a gente fala das lutas políticas, devemos nos perguntar qual ENSP está na batalha”. Já o atual chefe do Cesteh, Antônio Sergio Fonseca, lembrou daqueles que participaram da reforma sanitária do final dos anos 80 e hoje têm posições sobre políticas de saúde que, para ele, contradizem o preconizado naquele momento histórico.
O papo seguiu ainda por vários caminhos. Como costuma acontecer nas rodas de conversa, desde que o homem aprendeu a sentar em círculos e dar vazão ao desejo de ser ouvido e ouvir, a impressão que ficou é a de que o falado ali não começou a ser dito naquele momento e que, portanto, não ficará aprisionado ao tempo de pouco mais de uma hora e meia que durou aquele acontecimento.
Para saber se o discutido naquele dia frutificará, somente passando pelo crivo do tempo. E ele tem sido benevolente com quem tem coragem de pensar por conta própria e expor, com clareza e honestidade, o que pensa e sente. Como exemplo do que acabava de ser dito, existe, ao alcance de qualquer computador com internet, uma longa exposição de Sergio Arouca durante a 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986. No referido vídeo, Arouca cita uma belíssima definição de saúde cunhada por outro grande nome da ENSP, Szachna Eliasz Cynamon: saúde é ausência do medo. Num momento em que o que há de mais conservador na sociedade brasileira dá as caras no congresso, na mídia e nas calçadas, é a coragem de resistir e permanecer no campo de batalha que faz a esperança respirar.
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2 comentários para "Ausência do medo: roda de conversa no Cesteh debate temas da atualidade"
JOSE FRANCISCO PEDRA MARTINS
01/06/2015 19:11:36
Sobre outra frase da cobertura, recordando o emérito professor Cynamon, a matéria cita o conceito a ele atribuído de que a saúde é a ausencia do medo. Não entendo por que pinçar e exaltar Arouca se o assunto é a citação de Cynamon, mas continuemos… O medo é uma emoçao básica, como a raiva, a tristeza, etc. Não apenas são inevitáveis, por melhor que seja a organização da sociedade (o que não é o nosso caso, para não deixar dúvida), como são elas que nos definem como humanos. Eu vejo claramente em nosso país o povo enfrentando o medo e os causadores da hecatombe em execução neste grande e belo pais, resistindo ao aumento das taxas de juros, às demissões em massa de trabalhadores, à privatização e desnacionalização desenfreada, à venda e fechamento das nossas indústrias, à desorganização catastrófica e criminosa do SUS, da Previdência Pública, e tantos males que os países ricos vem impondo para melhor sangrar nossas riquezas e nossa vida. Centrais Sindicais vem pautando corretamente as linhas de defesa do país; trabalhadores em greve como professores, metalurgicos, garis e dezenas de categorias vem resistindo e enfrentando até repressões cada vez mais parecidas com as da ditadura da qual nos livramos. Mesmo que a imprensa tente encobrir, a luta ganha a luz do dia ! Os projetos de desproteção e hiper-arroxo dos trabalhadores, como a sua desproteção frente ao grande capital através da terceirização, acabando com a maior lei de proteção social do Brasil que é a CLT vem causando reações que começaram com milhões em 2013, e certamente não vão parar agora. O caminho é ampliar essa resistencia, unir cada vez mais aliados, superar o medo pela força coletiva, pela clareza da consciencia, e pela recordação das liçoes da historia. Já derrotamos uma tirania de 20 anos imposta pelos EUA. Por muito menos derrubamos Collor de Melo. Como disse o poeta naqueles anos tristes: "Quanto maior a escuridão da noite, mas perto é a chegada da alvorada"
JOSE FRANCISCO PEDRA MARTINS
01/06/2015 18:43:43
Forçosamente um resumo de hora e meia de conversa não pode transmitir uma série de aspectos do que foi dito e discutido. Eu agradeço a menção à minha participação na discussão, mas venho recuperar o contexto de minha afirmação sobre o problema dos agrotóxicos. Eu mencionei o tema para dar exemplo de uma questão maior e que é a central para nossos objetivos de conquistar melhorias na saúde e qualidade de vida: mudança o quanto antes no modelo econômico vigente no país. Enquanto o Brasil se amesquinhar e aceitar a camisa de força imposta pelo imperialismo americano, e se dedicar quase exclusivamente a produtor de produtos primários – grãos, minérios, e poucos outros, iremos involuir, e a vida vai piorar. Aceitar essa dependência dos EUA é terreno propício para a ampliação da enorme concentração fundiária, a produção agrícola voltada para exportação (e à mercê dos grandes especuladores do ramo), a redução brutal da produção de alimentos frescos e ampliação do consumo de multiprocessados causadores da epidemia de obesidade, e, inevitavelmente o super-consumo de venenos agrícolas, que nos faz o 3º maior consumidor mundial desses produtos químicos. Daí deriva a necessidade urgente de politizar o debate para a discussão dos grandes temas nacionais, que é o que permite a proposição de saídas para o pais e o povo brasileiro, e que integra os diversos aspectos da conjuntura atual, onde vemos o país afundar como prego no esteio das políticas neoliberais sendo implantadas sob o selo do "ajuste". O comentário teve o sentido de propor que o debate sobre os agrotóxicos, por exemplo, não se bastasse apenas em denunciar seus efeitos danosos à saúde, o que vem sendo realizado satisfatoriamente pelos atores da Saúde Pública brasileira, mas principalmente em questionar e demolir as políticas anti-pátria e anti-povo em implantação acelerada nos últimos 5 anos, e mais agressivamente nos últimos 6 meses.
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