Português para Hatianos
Em muitas partes do Brasil, vivemos um momento de integração social com diversos estrangeiros/as. Mas a chegada de um grupo em especial tem impactado como um desafio para os/as profissionais de saúde: os/as haitianos/haitianas.
Um aspecto que consideramos importante no trabalho em saúde é a necessidade primária de comunicação, tanto na identificação das demandas de saúde solicitadas por eles/elas, quanto nas orientações de cuidado.
Por isso compartilho aqui com esta rede um dicionário elaborado por Marcelo Siqueira Gonçalves, de Joinville SC, que gentilmente aceitou em divulgar a fim de ajudar a todos a promover este encontro de saúde minimizando as barreiras da comunicação(favor sempre mencionar a autoria, quando compartilharem o material).
Fonte: Grupo Haitianos no Brasil
Por deboraligieri
Pat querida.
Ontem, lendo o livro de bolso "O que é método Paulo Freire", lembrei muito desse seu post. A parte que eu lia assim dizia:
"A democratização da cultura, disse certa vez um desses anônimos mestres analfabetos, tem de partir do que somos e do que fazemos como povo. Não do que pensem e queiram alguns de nós. (…)
Só assim a alfabetização cobra sentido. É a consequência de uma reflexão que o homem começa a fazer sobre sua própria capacidade de refetir. Sobre sua posição no mundo. Sobre o mundo mesmo. Sobre seu trabalho. Sobre seu poder de transformar o mundo. Sobre o encontro das consciências. Reflexão sobre a própria alfabetização, que deixa de ser assim algo externo ao homem, para ser dele mesmo. Para sair de dentro de si, em relação com o mundo, como uma criação.
Só assim nos parece válido o trabalho da alfabetização, em que a palavra seja compreendida pelo homem na sua justa significação: como uma força de transformação do mundo. Só assim a alfabetização tem sentido. Na medida em que o homem, embora analfabeto, descobrindo a relatividade da ignorância e da sabedoria, retira um dos fundamentos para a sua manipulação pelas falsas elites. Só assim a alfabetização tem sentido. Na medida em que, implicando em todo este esforço de reflexão do homem sobre si mesmo e sobre o mundo em que e com que está, o faz descobrir que o mundo é seu também, que o seu trabalho não é a pena que paga por ser homem, mas um modo de amar – e ajudar o mundo a ser melhor (Educação como Prática da Liberdade)."
A elaboração deste dicionário para atendimento de haitianxs, além de ser uma linda forma de melhorar o contato entre pessoas que falam línguas distintas ampliando o acolhimento, é também uma forma de, valorizando a cultura de todas as pessoas envolvidas no atendimento em saúde, promover a democratização: da saúde, permitindo a participação ativa dxs usuárixs do sistema público de saúde, e da cultura, permitindo a troca de experiências brasileiras e haitianas nos cuidados à saúde. Um encontro de consciências a partir da ideia de ignorância e sabedoria relativas, como dito no texto transcrito, em que a palavra é de fato uma força de transformação do mundo, uma força de melhoria no atendimento em saúde.
Essa oportunidade de troca de experiências e de democratização da cultura e da saúde foi perdida pelxs médicxs brasileiros, incentivados pelo Conselho Federal de Medicina, que se opuseram à vinda dxs médicxs cubanos, alegando, entre outros fracos argumentos, problemas com a língua. Esse manual mostra como pode ser simples a solução para essa diferença de línguas. O CFM poderia ter oferecido apoio para aprendizado da língua e cultura brasileiras axs médicxs cubanxs, e aprender com elxs valiosas lições sobre atenção básica em saúde. Mas, para isso, seria necessária a consciência acerca da ignorância e sabedoria relativas, e a vontade de democratizar o saber médico, e não de manipulá-lo em favor de interesse corporativos, ambos ausentes no caso.
Seria necessário sair do foco do consultório particular e se relacionar com o mundo das periferias brasileiras sem profissionais médicos suficientes pata atender a toda a população, para transformar essa realidade, como o programa "Mais Médicos" vem transformando. Seria necessário pensar-se no mundo com outras pessoas, outros conhecimentos, e outras necessidades, e snetir-se também parte deste mundo, como qualquer um de nós. Mas, nessas manifestações da classe médica do ano passado, vimos profissionais dentro de si, sem qualquer relação de afeto – apenas de interesses financeiros – com o mundo e com as pessoas que nele estão. Vimos médicos sem qualquer apreço pela vida humana.
Por isso é muito gostoso ver aqui essa iniciativa do Marcelo, simples e democrática, libertadora!
Beijos,
Débora