Relato de um primeiro contato com a rede do SUS
Cheguei ao SUS exatamente no horário marcado para a minha consulta. Quando me dirigi à recepção e comecei a explicar que tinha uma consulta marcada, a recepcionista me cortou dizendo: senta lá que o computador está ligando. Desconcertada, fui até a cadeira ao lado de algumas idosas e outras pessoas que estavam chegando. Depois de um minuto, a recepcionista perguntou em voz alta: alguém possui consulta agendada? Eu me levantei e fui até ela, que rapidamente me indicou outro local de espera. Me dirigi até lá, em três bancos: de um lado havia um velhinho, de outro um homem, e no meio uma mochila. Perguntei educadamente: tem alguém sentado aqui? O homem então furioso pegou sua mochila e se retirou sem dizer nada, indo sentar em um banco distante. Surpresa com a grosseria, olhei para os lados e encontrei o olhar do velhinho que também estava surpreso. Depois de um momento de reconhecimento, rimos com cumplicidade do acontecido, e me senti melhor.
Não tive que esperar praticamente nada: meu nome piscou na tela me encaminhando para a sala do lado, para a surpresa do homem mal-humorado que ficou movendo a cabeça para os lados tentando entender porque outra pessoa tinha sido chamada antes dele. Levantei e passei por ele desfilando alegre, e cheguei em uma sala em que havia uma mulher medindo pressão. Ela me perguntou se eu sabia minha altura, e como eu não sabia ela me mediu (1,64 aliás), e em seguida mediu minha pressão (que estava 12/8). Ela me disse que eu podia ir para uma determinada sala do segundo andar porque já havia alguém me esperando.
Quando cheguei no segundo andar, entretanto, a sala estava trancada e não havia ninguém que pudesse me dar informação. Fiquei sem entender porque ela me disse que já havia alguém me esperando se aparentemente a mulher responsável pela sala não havia chegado. Enquanto esperava, sentada ao lado do banheiro, vi uma mulher fechar a porta bruscamente com catarro escorrendo de sua boca. Me assustei e de repente percebi que estava muito desconfortável de estar ali, em um lugar que sempre me foi dito que era sujo e cheio de doenças, e fiquei mais assustada ao perceber que eu efetivamente estava com medo de me “contaminar”, decepcionada comigo mesma, pois não sabia que eu possuía de fato esse sentimento que sempre pregaram para mim.
Mas então a mulher da sala chegou e pediu para que eu entrasse, perguntando o motivo de eu estar ali. Disse que queria fazer o teste de HIV e Sífilis, e ela retirou pequenos quadradinhos brancos de caixas recém-abertas, posicionando os dois na minha frente na mesa, enquanto eu esperava sentada. Ela se preparou e me explicou que ia retirar uma amostra de sangue, pegando os quadradinhos que eram os testes e perguntou qual dedo eu iria furar. Me surpreendi porque quase não senti a picada; não doía nada.
Depois que fiz os testes, era preciso esperar 20 minutos. A mulher então sentou-se na minha frente e começou a perguntar sobre minha vida, meus motivos de estar ali e responder minhas perguntas sobre vacinação, entre outras coisas. Gostei do fato de ela não me deixar esperando do lado de fora da sala e se preocupar em saber, ou até mesmo se preocupar em estabelecer uma conversa informal. Me senti culpada pelo sentimento receoso de antes, percebendo que havia muito tempo que não recebia um tratamento tão atencioso, e fiquei muito envergonhada ao perceber o preconceito que eu cultivava anteriormente.
Os testes deram negativo e ela me felicitou pelo resultado, falando sobre a importância de usar preservativo. Me perguntou se queria uma declaração por escrito com os resultados e falei que não, e fui embora agradecendo.
Saí satisfeita, e feliz por pelo menos parar de pensar (ou mais precisamente, de me sentir) do mesmo modo de antes; fiquei com a impressão de que ali eu teria uma rede mais bem articulada do que nos consultórios particulares em que eu ia, onde já me senti como um amontoado de órgãos sem poder de fala. Fica então, a promessa de um retorno e a esperança de um novo modo de gestão da minha saúde, que se diferencie pelo menos um pouco do que me foi apresentado até hoje.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
Teu relato é muito interessante por mostrar as mudanças que vão se dando pelas afetações que este contato com as pessoas e os lugares produzem. E no momento em que a trabalhadora abre um diálogo mais singular, sentimos a rede de conversação ficando mais quente e acolhedora. É este trabalho de inclusão do sujeito, da pessoa concreta que nos procura, o que faz a diferença e humaniza a relação.
Esperamos que você continue a relatar outros encontros com o SUS que dá certo!
abraSUS