O ventre habitado

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O ventre habitado

Diálogo provocativo com Collares

Tese em ebulição

 

Aqui o incômodo surge da eliminação do contexto histórico, social, político, enfim do movimento de retirar a pobreza, o “aluno” pobre que não aprende e ao mesmo tempo generalizar para o “pobre” que fracassa na escola, na vida.

O ventre habitado pelo “pobre” ou pelo “rico” gestam determinismos, que a todo momento contam sempre mais do mesmo.

Esvazia-se a dimensão coletiva do aprender e do não-aprender do João, da Maria, do Matheus, do Pedro, do Lucas.

Circunstâncias sentenciadas como algo morto.

A vida cotidiana não está fora da história.

Vivemos esse cotidiano permeado de preconceitos e juízos prévios.

Verdades absolutas já pregaram a superioridade intelectual dos brancos.

A inteligência superior dos homens frente as mulheres.

Ideologias apresentadas pelo peso da “sabedoria científica”.

Saberes com sabores amargos.

Fel que penetram temporalidades.

Crenças que perduram. Novos discursos. Novas roupagens.

Medicalização / patologização do processo ensino-aprendizagem.

Como?

Não aprende. Vai fracassar.

Olhares profetizados, previstos que justificam realidades.

Esse não amadureceu. Não deu o estalo. O clic ????!!!!

Não aprende porque é desnutrido.

Não aprende porque tem problema na cabeça, distúrbios, transtornos.

Quantas histórias, quantos contextos transformados em doença?

Caráter absoluto da “DOENÇA”, que sobrepõe o caráter humano da criança.

Criança pobre doente não aprende.

Ligação direta entre condições de saúde e rendimento escolar.

Poder preditivo do diagnóstico que tira o peso das costas.

Em tempos remotos, mulheres, crianças e deficientes não possuíam alma.

E agora?!

Será que depende do ventre habitado?!

O pobre não aprende porque não traz bagagem.

A mala está vazia e quando traz alguma coisa …

São maus costumes, sujeiras, imundices que precisam ser higienizadas.

Famílias retiradas do contexto.

Se os pais trabalham, não aprendem porque são abandonados, largados.

Se estão desempregados, não aprendem porque são vagabundos, indolentes.

Alcoolismo no pobre é motivo do filho(a) não aprender.

No rico é muitas vezes o drink para descontrair.

Família “desestruturada” do pobre também faz com que ele não aprenda.

Criança largada, desajustada, agressiva.

Parte psicológica comprometida, problema de comportamento.

Não aprende…

O jeito é esperar amadurecer o biológico, o emocional, o psicológico.

Tem que estar pronto (a).

Os que não amadurecem, não adianta forçar, é a sina, chegou no limite.

O fracasso está nele.

Por outro lado não estamos isentos.

Não aprende novamente porque descontextualizo e retiro o professor para generalizar.

O professor é mal formado.

Ganha pouco.

Não domina o “método”.

Não domina a classe.

Enfim.

Provocações que suscitam a expansão do olhar.

Indagações frente ao que denominamos como fracasso escolar.

Para além de culpabilizar crianças, famílias, professores pelo fracasso escolar.

Precisamos avançar essa discussão para além de respostas

que situem exclusivamente  o não aprender no que habita o exterior .

Retorno sempre presente da teoria da privação cultural.

Sou provocada a me perguntar????

Quem são as crianças ideais,

 prontas e adequadas a aprender e que a escola está preparada para ensinar?

O que fazer com as crianças reais?

Com certeza existem muitas vozes e olhares que avançam

 para além das justificativas.

Precisamos romper as muralhas de preconceitos e infiltrar na vida cotidiana.

Vida contextualizada sim! De quem ensina e de quem aprende.

Vida inacabada de quem ensina e de quem aprende.

Situadas no tempo, na história, na cultura e nos múltiplos dispositivos de poder.

Provocações, intensas e incômodas provocações.