(re)Pensando o cotidiano
Este relato é parte da disciplina de Estágio Básico II, do curso de Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Nessa, discutimos conceitos de saúde, serviços básicos, a saúde pública e privada, entre outras reflexões para que conheçamos mais sobre as redes que se tecem nesse amplo sistema.
Sou moradora de periferia, e como a maioria dos residentes destes locais, sou usuária do SUS desde sempre e nunca tive plano de saúde. Isso também foi influenciado por minha mãe há muitos anos trabalhar na área de saúde pública, logo nas poucas vezes que precisava de médico, era só minha mãe me levar ao trabalho dela. Confesso que não sou muito adepta a fazer uso de postos de saúde e hospitais a não ser em casos realmente necessários. Tenho um pouco de aversão a esses ambientes.
Tendo em vista o sistema como um todo, sempre tive boas percepções dos atendimentos que tive, dos agentes de saúde que frequentavam minha casa para visitar meu avô, etc. Depois de adulta fiz e faço pouco uso do SUS, principalmente de postos de saúde, pois geralmente para se conseguir atendimento tem de se chegar muito cedo, e para algumas consultas existem demoras consideráveis. Há um ano, quis ir ao ginecologista e descobri que em meu bairro não possui. Recorri a uma clínica particular.
Todavia, há uns meses fiz uso do posto de saúde para testagem de DST’s e como foi solicitado na disciplina que fôssemos até unidade mais próxima de nossa residência, fui até lá para repetir este exame, pois já havia seis meses desde a última vez que tinha feito.
Cheguei à recepção da unidade de saúde, cumprimentei os atendentes e solicitei o serviço. A primeira reação foi um olhar estranho. Não soube o decifrar, mas houve estranhamento. Em seguida, o rapaz que me atendeu perguntou-me se eu queria fazer teste de gravidez também e eu disse que não. Então ele me encaminhou – por sorte tinha vaga exatamente naquela hora – para uma sala onde eu devia pesar e fazer outros procedimentos básicos.
Quando cheguei à sala onde iria fazer a testagem a enfermeira me tratou muito bem, me perguntou o motivo do exame e perguntou se eu não queria fazer o de gravidez também. Senti um leve incômodo com a insistência daqueles profissionais em me sugerir algo que eu não havia pedido, mas relevei. Mas ela repetiu mais duas vezes e decidi ser mais incisiva em responder que eu havia apenas ido fazer um exame de rotina e que eu me prevenia de todas as formas possíveis e tinha certeza de não estar grávida. Depois disso a pergunta não se repetiu e tudo continuou bem.
Foi uma experiência interessante, pois fiz teste para quatro doenças e a enfermeira durante o processo foi me mostrando como funcionava cada exame, o que cada indicação representava, como era o material. A conversa se seguiu e ela me disse que esse serviço ali não era muito utilizado, a não quando o usuário possui suspeitas de ter contraído uma doença. Isso me trouxe a reflexões.
Quando saí do posto, com todos os testes negativos para minha felicidade, comecei a pensar em como é bem real a pouca procura das pessoas do meu bairro por esses exames. A prevenção é algo pouco demandado, mesmo que tenha campanhas ao longo do ano. Olhei a minha volta e relembrei de muitas colegas de escola de ficaram grávidas muito novas por não fazerem uso de contraceptivos e a partir disso meu incômodo com as perguntas incessantes sobre eu estar grávida se esvaiu completamente.
É importante a todo tempo perceber a realidade que te perpassa. O sistema de saúde acompanha cada esfera da sociedade e a cada uma delas reage de forma distinta. Ouvi alguns relatos de colegas muito diferentes do meu. Estas moravam em bairros “nobres” e nenhuma delas ouviu a pergunta que ouvi. Mas lá a realidade é outra. São outros atravessamentos, outros corpos, portanto, outros encontros com os trabalhadores da saúde.
Enfim, me estendi bastante no relato, mas me tocou bastante essa ida e principalmente poder compartilhar esse encontro e ver como ele pode se dar de diversas formas, com diversos pensares e olhares. Em suma, foi muito bom!