INTEGRALIDADE: Equipes profissionais focadas na singularidade dos idosos e pessoas com deficiência.
Do ponto de vista jurídico-institucional, a integralidade é definida como um conjunto articulado de ações e serviços de saúde, preventivos e curativos, individuais e coletivos nos diversos níveis de complexidade do sistema. Um termo que tem sido usado de forma corrente como referência à diretriz da atenção integral – deve ter sua leitura combinada com o princípio da igualdade da assistência.
Muitas têm sido as dificuldades alegadas pelos profissionais de saúde no concernente à aplicação da dimensão teórico-conceitual da integralidade às suas práticas cotidianas do cuidado e assistência à saúde. Nesse sentido, os grandes prejudicados são os usuários das políticas públicas de saúde, uma vez que esses profissionais não assumem que seus conhecimentos e práticas não são suficientes para atender a diversidade que envolve as necessidades de cuidados e assistência integral dessa clientela.
Tomado como exemplo as equipes profissionais que atuam na Atenção Primária à Saúde (APS), consoante com os modelos do Estratégias Saúde da Família (ESF), programas oficiais do Sistema Único de Saúde – SUS, considerados portas de entrada das pessoas que buscam atendimentos de saúde em diversas especialidades, emergem gargalos e barreiras que impossibilitam a efetivação da integralidade. A descontinuidade das ações dessas equipes e a desarticulação com os demais segmentos da suposta rede de assistência, mostram o quanto precisamos amadurecer como sociedade organizada, onde cada cidadão tenha consciência de seus deveres e direitos.
A aplicação do princípio da integralidade implica reconhecer, em primeiro lugar, que as redes de serviços de saúde devem operar de forma articulada segundo os mesmos princípios e as mesmas diretrizes no sentido de oferecer as ações de promoção, de prevenção, de cura e de reabilitação de doenças de acordo com as necessidades de saúde individuais e coletivas da população e, em segundo lugar, que as intervenções de um sistema de saúde sobre o processo saúde-doença conformam uma totalidade que engloba os sujeitos do sistema de saúde e suas inter-relações com os ambientes natural e social.
A organização atual dos programas e políticas de saúde na conjuntura do SUS prioriza o sentido de gestão articulada, através da qual a atuação de cada profissional elimine barreiras e promova eficácia das ações nas diversas unidades de assistência às comunidades. Embora a integralidade subentenda ênfase o trabalho em rede, ainda encontramos intransponíveis barreiras atitudinais, decorrentes de omissões desde o planejamento dos programas, como ocorre na Rede Cegonhas, por não contemplar estratégias voltadas para oferta de pré-natal para gestantes surdas, cadeirantes, ou mulheres com algum tipo de deficiência.
Da mesma forma, longe do princípio da integralidade estão as ações programáticas da Rede de Cuidados da Pessoa com Deficiência, pela falta de enquadramento e comprometimento de importantes representantes dessa engrenagem. A omissão dos gestores hospitalares apresentando como são planejadas altas de pessoas com lesão neurológica, ou de vitimas de acidentes de trânsito com seqüelas neurológicas, ortopédicas e/ou traumatológicas, esquecendo-se de considerá-las potenciais usuárias dos programas de reabilitação física, faz com se perca precioso tempo fora desses programas para cicatrização de úlceras de pressão, frequentemente adquiridas nos ambientes hospitalares.
Na dinâmica era dos avanços e inovações tecnológicas, ainda precisamos aprender que deveres devem preceder direitos, para que ninguém que trabalhe no setor público ou privado se julgue descompromissado de cumprir o que lhes seja de competência, posto que são atitudes que implicam em prejuízos a outrem, por menor que possa parecer. O cotidiano das equipes do ESF, Brasil afora, reproduz frustradas tentativas dos gestores de saúde da esfera municipal, fazerem com que membros dessas equipes interajam com os de outros setores no compartilhamento de informações essenciais ao cuidado e assistência integral da pessoas da sua comunidade ou área de abrangência. Agindo como se não tivessem nenhuma relação com os demais setores da rede de saúde, perpetuam padrão de sistema marginal característico dos fracassados programas públicos outrora implantados.
Por fim, cabe acrescentar que a integralidade da atenção se apresenta como um importante dispositivo instituinte do processo de trabalho em saúde, com vistas a uma produção do cuidado eficaz, humanizada e, portanto, efetivamente centrada nas necessidades dos usuários individuais e coletivos dos serviços de saúde. De acordo com a Constituição de 1988, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Antes da institucionalização do SUS, o acesso aos serviços e às ações de saúde só estava garantido aos contribuintes do sistema previdenciário. Neste sentido, a Constituição assegura legalmente a atenção à saúde como direito de cidadania a todo o povo brasileiro.
Como parte desse povo brasileiro, temos o dever de cobrar melhores padrões dos serviços de assistência à saúde disponíveis na rede pública e privada, sob pena de que a herança a ser oferecida as futuras gerações sejam marcadas negativamente pelas mesmas barreiras que ora temos de enfrentar. Consciência cidadã não se compra no varejo, constitui-se fruto de conquistas diárias, sementes que germinarão para alimentar os que ainda passarão por esses mesmos caminhos.
Wiliam Machado