DIALOGANDO COM LEONARDO BOFF: uma reflexão planetária que nos remete a comunidade

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*Por Elias J. Silva

O grande escritor, teólogo e filosofo Leonardo Boff, recentemente escreveu um artigo intitulado “Ou mudamos ou morremos”, no qual descreve de forma profunda, com base no conhecimento, na teoria e na prática, a situação-limite de esgotamento do planeta terra, como causa e efeito do tipo de sociedade, economia e política que domina a nossa esfera global chamada terra.

 

 

Afirma Leonardo Boff:

“Hoje vivemos uma crise dos fundamentos de nossa convivência pessoal, nacional e mundial. Se olharmos a Terra como um todo, percebemos que quase nada funciona a contento. A Terra está doente e muito doente. E como somos, enquanto humanos também Terra (homem vem de humus=terra fértil), nos sentimos todos, de certa forma, doentes. A percepção que temos é de que não podemos continuar nesse caminho, pois nos levará a um abismo. Fomos tão insensatos nas últimas gerações que construímos o princípio de auto-destruição. Não é fantasia holywoodiana”.

Portanto, o autor afirma que o nosso planeta padece de uma patologia que não é explicada pelos livros de medicina, mas pelas ciências sociais, que analisam os comportamentos humanos, individuais e coletivos, dos diversos territórios desse planeta terra, a quem também, carinhosamente, chamamos de mãe terra.

Prossegue Leonardo Boff:
”Temos condições de destruir várias vezes a biosfera e impossibilitar o projeto planetário humano. Desta vez não haverá uma arca de Noé que salve a alguns e deixa perecer os demais. O destino da Terra e da humanidade coincidem: ou nos salvamos juntos ou sucumbimos juntos.”

Para compreendermos claramente as afirmações do autor, precisamos, todos e todas, nos sentirmos parte do problema e da solução. Não há como dizer assim: “eu não tenho nada com isso”, ou então: “quem for fraco que se quebre”. Também não adianta dizer que Deus é brasileiro ou que o “meu grupinho está salvo”. Veja o que o autor afirma logo a seguir:

”Agora viramos todos filósofos, pois, nos perguntamos entre estarrecidos e perplexos: como chegamos a isso?
Como vamos sair desse impasse global? Que colaboração posso dar como pessoa individual?

Leonardo Boff, diz que “Em primeiro lugar, há de se entender o eixo estruturador de nossas sociedades hoje mundializadas, principal responsável por esse curso perigoso.” Ele pondera que o tipo de economia que inventamos está acelerando a degradação da vida na
Terra: “A economia é fundamental, pois, ela é responsável pela produção e reprodução de nossa vida. O tipo de economia vigente se monta sobre a troca competitiva. Tudo na sociedade e na economia se concentra na troca. A troca aqui é qualificada, é competitiva.
Só o mais forte triunfa. Os outros ou se agregam como sócios subalternos ou desaparecem. O resultado desta lógica da competição de todos com todos é duplo: de um lado uma acumulação fantástica de benefícios em poucos grupos e de outro, uma exclusão fantástica da maioria das pessoas, dos grupos e das
nações”.

Como podemos raciocinar, o tipo de sociedade em que vivemos – reprodutora da disputa, da concorrência e da violência -, gera o desequilíbrio global e transforma tudo em mercadoria. Esta economia aparentemente triunfante está montada na lógica do “salve-se quem poder, mas vende inclusive a ilusão do sucesso e da prosperidade individual, sem importar os meios e os princípios para alcançar. Mesmo assim, são poucos os que alcançam o sucesso e o preço é sempre ditado pela economia do horror. E Leonardo Boff continua: ”Atualmente, o grande crime da humanidade é o da exclusão social. Por todas as partes reina fome crônica, aumento das doenças antes erradicadas, depredação dos recursos limitados da natureza e um ambiente geral de violência, de opressão e de guerra.” Do Brasil ao Himalaia está assim, resguardadas as devidas proporções, mesmo considerando avanços socioeconômicos de distribuição de renda e de estabilidade econômica nos marcos do Governo Lula. No entanto, os indicadores da violência e a venalidade pautada na conduta da grande mídia – que trata o fenômeno da violência urbana e o seu cotidiano da mesma forma que pauta uma propaganda de xampu ou cerveja -, apontam grandes desafios e certa impotência para superação desse caminho movediço no qual a humanidade se encontra.  

Mas como era antes?


O autor descreve o seguinte: “Mas reconheçamos: por séculos essa troca competitiva abrigava a todos, bem ou mal, sob seu teto. Sua lógica agilizou todas as forças produtivas e criou mil facilidades para a existência humana. Mas hoje, as virtualidades deste tipo de economia estão se esgotando. A grande maioria dos países e das pessoas não cabe mais sob seu teto. São excluídos ou sócios menores e subalternos, como é o caso do Brasil. Agora esse tipo de economia da troca competitiva se mostra altamente destrutiva, onde quer que ela penetre e se imponha. Ela nos pode levar ao destino dos dinossauros”. Atualmente, apesar de o Brasil se colocar com voz e altivez no debate mundial, resultado da liderança inconteste do Presidente Lula, não podemos afirmar que o Brasil figura em pé de igualdade econômica e mesmo que haja uma diferença de prática e conceito do tipo de lógica econômica que domina e avilta o planeta.
É importante nos prendermos ao raciocínio do autor para enxergarmos a saída, para apreendermos a lógica de um novo valor econômico que não se pauta pela concorrência, nem pela disputa, nem pela guerra, nem pelo terror. Leonardo Boff é categórico ao afirmar:
”Ou mudamos ou morremos, essa é a alternativa. Onde buscar o princípio articulador de uma outra sociabilidade, de um novo sonho para frente? Em momentos de crise total precisamos consultar a fonte originária de tudo, a natureza. Que ela nos ensina? Ela nos ensina, foi o que a ciência já há um século identificou, que a lei básica do universo, não é a competição que divide e exclui, mas a cooperação que soma e inclui. Todas as energias, todos os elementos, todos os seres vivos, desde as bactérias e virus até os seres mais complexos, somos inter-retro-relacionados e, por isso, interdependentes. Uma teia de conexões nos envolve por todos os lados, fazendo-nos seres cooperativos e solidários. Quer queiramos ou não, pois essa é a lei do universo. Por causa desta teia chegamos até aqui e poderemos ter futuro.”

Para dialogar com o autor numa perspectiva de esperança e de reflexão no caminho lanço mão de minha linguagem mais propícia:

SUPERAÇÃO

 Subi o morro da vida, me perdi nos labirintos, desci ao fundo do poço

Mas acendi uma luz

Caminhei no precipício, percorri muitas estradas, me joguei montanha abaixo

Mas amorteci a queda

 

Morri de raiva e de tédio, tomei os goles da dor, abri feridas e fendas

Mas suportei e sarou

 

Fui levado pelo vento, fui arrastado nas ondas

A correnteza da vida quase me eliminou…

 

Afogado e oprimido, destruído pela dor dos golpes baixos certeiros que atingiram meu peito

A saudade e a partida foram me dando suporte

 

Cambaleante, ferido, sufocado e sem amparo, dominado e humilhado decidi: QUERO VIVER!

 

Quero viver, superar, ir além dos meus limites, suportar e ressurgir

Sair do fundo do poço com a luz que há de vir

 

Resgatar os meus valores, espantar todas as dores, percorrer caminho novo

E se não houver caminho criar asas e voar

 

Feito uma águia pequena, observar e aprender, mirar a montanha abaixo, vislumbrar o horizonte

E passo a passo construir o objetivo do vôo

 

Mas se o vôo não for bom, se a nave dos sonhos não decolar, se houver pane no ar, se da queda eu escapar mesmo que machucado Já serei forte o bastante para outro vôo tentar. (Elias J. Silva)

E vai assim concluindo o autor:

“Aqui se encontra a saída para um novo sonho civilizatório e para um futuro para as nossas sociedades: fazermos desta lei da natureza, conscientemente, um projeto pessoal e coletivo, sermos seres cooperativos. Ao invés de troca competitiva onde só um ganha devemos fortalecer a troca complementar e cooperativa, onde todos ganham. Importa assumir, com absoluta seriedade, o princípio do prêmio de economia John Nesh, cuja mente brilhante foi
celebrada por um não menos brilhante filme: o princípio ganha-ganha, onde todos saem beneficiados sem haver perdedores.

Para conviver humanamente inventamos a economia, a política, a cultura, a ética e a religião. Mas nos últimos séculos o fizemos sob a inspiração da competição que gera o individualismo. Esse tempo acabou. Agora temos que inaugurar a inspiração da cooperação que gera a comunidade e a participação de todos em tudo o que interessa a todos.

Leonardo Boff faz menção a outro autor, fortalecendo o seu pensamento e gerando esta dialética natural, de que somos todos e todas dependentes uns dos outros e ao mesmo tempo complementares: ”Tais teses e pensamentos se encontram detalhados nesse brilhante livro de Maurício Abdalla, O princípio da cooperação. Em busca de uma nova racionalidade.”

Novamente dialogo com o autor:

FOTOGRAFIA 

                                                                                              Reflexão de um humano ET.

Vi o planeta terra de cima para baixo e de baixo para cima. Vi os becos quase sem saídas, vi a vida sendo negada na revelação intensa do filme do cotidiano. Qual cotidiano? A vida de milhares de pessoas que têm em comum a insegurança e a falta de perspectivas.

Fotografei com as lentes do olhar, o rosto da fome, a casa do medo e os olhares sem brilho das filhas e filhos da injustiça social.

Fotografei os buracos, os barrancos, os casebres e os labirintos da dor que consome, que nem fome, feita desespero…

Mas esta fotografia é tão comum! Por que revelá-la? Porque existe a necessidade que, clama no peito, de dizer que a terra precisa ser humana em suas políticas públicas, humana na ação dos seus gestores, humana na ação dos seus moradores.

E para ser humana é fundamental que não seja tão desigual.

Concentração de renda, que gera concentração de pobreza, que gera violência, que gera morte, que gera desamor.

Vi o planeta terra com as lentes da consciência e da indignação. Consciência? Quando ela falta, a vida vira filme de terror, a vida se transforma em horror. Indignação? Tem que gerar ação consciente.

Eu sou um ET que insiste ver a terra diferente de você. Se a terra morrer continuarei minha vida de ET. E você?

Quem sabe esse meu pensamento de humano ET contamine você…(Elias J. Silva)

E finaliza:
”Se não fizermos essa conversão, preparemo-nos para o pior. Urge começar com as revoluções moleculares. Comecemos por nós mesmos, sendo seres cooperativos, solidários, compassivos, simplesmente humanos. Com isso definimos a direção certa. Nela há esperança e vida para nós e para a Terra.”

E nós finalizamos também, afirmando que: a nova economia é: cuidar do mundo, cuidar da gente, cuidar da vida, de forma compartilhada. E como metáfora deste planeta terra feito em carne e osso, biologia e geografia, trago neste diálogo com Leonardo, o planeta para o ser de cada pessoa, numa perspectiva de tomada de consciência sobre a porção terra de cada um de nós e nossas implicações com o "simbólico e o diabólico".  

 DIALOGANDO COM LEONARDO

 Diante de tua fala escrita ó Leonardo

Sobre este ser em construção

Porção de humanidade

Que às vezes perde a razão

E vira homem bicho – bicho cão

Eu compreendo o teu cuidado

E a tua reflexão

 

Eu compreendo que todo comportamento

Certo ou errado reflete um meio

E o meio tem raízes que o tempo espalhou

Homem anjo ou demônio?

Nem eu mesmo sei quem sou

Mas tive oportunidade de pensar

De buscar compreender

 

Que uma herança machista e chauvinista

Com ela era preciso romper

Era preciso compreender

Que o masculino terra não é maior nem menor

Que o feminino terra do ser

E que a grande diferença não está nas "partes"

Porque isso é natural

 

A grande diferença está no modelo social

Que fabrica monstros masculinos e femininos

Se existe uma pulsão mortífera hereditária

É no meio que ela decanta

Existe esta pulsão mortífera sim

Que põe em risco o masculino e o feminino terra

Mas isso não é coisa do destino

 

A força do homem pleno reside no saber

A força da mulher plena reside no saber

O que um e outro têm a dizer?

Que toda barbárie, que todo terror

Deriva do desamor e do não saber

Que gera por sua vez o não pensar

Não penso, logo não existo pleno

 

E quando penso de qualquer jeito

Assim como se fosse vegetar

Explode o homem cão do não saber

Como subproduto do mundo vão

Que sem amor perde a razão

Que se constitui em desgraça

Que o feminino terra ameaça

 

Nem um homem pode ser homem

No peito e na raça

E não adianta mostrar o falo na praça

Querendo provar ser homem

É preferível chorar na praça

A dor de todas as desgraças humanas

Que ameaçam o planeta masculino e feminino

 

Como encerrar este assunto?

Não se pode nem se deve encerrar

É importante que se faça eco

Homens e mulheres são vítimas

E descem a ladeira da demência

Se um homem não se resolve

Se uma mulher não pára e pensa…

 

Tentei concluir e não consegui

E fico pensando aonde quero chegar

Talvez ao lugar comum distante

Quem sabe Leonardo consigas me ajudar

Eu sei que existe um lugar

Mas sozinho não consigo abrir a porta

Mesmo assim vislumbro e fico a imaginar

QUE O AMOR É A RESPOSTA!

Quem sabe, não esteja iminente e inevitável, o momento do encontro com uma história mais humana!  Onde a gente seja povo e não massa de manobra, a rastejar como cobra, impedidos de voar! (Elias J. Silva)

 

 

*Poeta e educador popular, coordenador do Programada Cirandas da Vida – SMSE/SMS – Fortaleza

*Fotos, Elias J. Silva, ilustrações das paredes do Auditório do Centro de Referência do Idoso, Serrinha, Fortaleza