Imagem retirada da galeria do ilustrador Mattias Adolfsson.
Trata-se de nos perguntarmos como a metrópole se apresenta diante da multidão e se é correto dizer que a metrópole está para a multidão assim como a fábrica estava para a classe operária. Antonio Negri.
Trata-se exatamente disto: dos sinais que vem da rua. Ou, dos sinais de quem usa transporte público para se locomover de um ponto a outro seja para ir ao trabalho, a escola, a faculdade, a lazer, a turismo, enfim, para irmos a algum lugar.
Trata-se, também, de questionar as relações de poder que a cidade e o cotidiano exercem sobre as vidas individual e coletiva dos sujeitos que vivem neste mundo. Não mais questionar, mas, perceber que a força dos movimentos sociais e da participação cidadã faz mal a determinada hegemonia capitalística fortemente estabelecida, hoje.
Então, é impossível não falar dos estudantes secundaristas (não fechem a minha escola), da luta antimanicomial (fora valencius) e do movimento passe livre (3e80 ninguém aguenta). Os três, educação, saúde e transporte com pautas bem distintas e definidas, mas, que atuam na defesa de direitos que são constitucionais e dever do Estado.
Por isso devir-cidade e microfísica da multidão porque tem a haver como o espaço urbano, a cidade, o acesso a serviços públicos de transportes, a jornada de trabalho de homens, mulheres, estudantes que dependem de ônibus, metrô e/ou trem levam para cumprirem seus compromissos indo para o trabalho, para a escola ou para alguma consulta no serviço de saúde interferem no direito ao transporte público.
Aqui, o direito ao transporte se apresenta de forma intersetorial e que impacta diretamente no estilo de vida de cada pessoa, estratifica uma camada social da outra (aqueles que aguentam pagar 3e80, aqueles que não aguentam e aqueles que dão um jeito para aguentar) gerando conflitos e tensões porque o acesso ao transporte é desigual para quem mora no centro da cidade e quem mora no extremo sul de São Paulo.
Vale a pena dizer, também, que a cidade enquanto espaço social, geográfico e político apresentam-se de outra forma, de multidão. Assim, olhar para essa multidão implica considerar a cidade e a singularidade dos indivíduos e como isso fabrica grupos sociais – e subjetividades – dominantes sobre as outras.
A cidade se divide em muitos, muitas pessoas, muitos grupos, muitos coletivos, muitas multidões. Portanto, a própria experiência de “muitos” na cidade, não necessariamente, é uma produção de grupos sociais idênticos na produção de vida e existência. Mas, uma experiência de tentar coletivizar a produção do bem comum. Ou, do que é mesmo essa produção do bem comum que estamos falando a partir da multiplicidade e diversidade que a multidão constitui em si.
Por isso, precisamos nos perguntar “será mesmo que a metrópole está para a multidão?”, entendendo que a metrópole (ou a cidade) expressa uma política de identidade e de diferença entre os grupos sociais que nela habitam (operários, trabalhadores, intelectuais, empresários, estudantes etc).
Um exemplo: quando estamos andando na rua e alguém pede alguns trocados para completar o dinheiro da passagem para o ônibus (não vou me valer da intencionalidade dessa pessoa usar esse trocado para a passagem ou para outra coisa porque isso não diz respeito a mim, mas das possibilidades que cada um cria para se virar como pode) ou quando o metrô aumenta para 3e80 e ficamos a mercê desta situação. Estamos numa situação de controle, sendo controlados a usar determinado tipo de serviço público por um valor que ninguém aguenta mais.
E, então, revolta da multidão (e máquinas de guerra).
De um lado, a atuação dos movimentos sociais que lutam pelo direito ao transporte. De outro lado, a ação truculenta dos dispositivos de controle do Estado: a polícia militar e a mídia. A polícia militar utilizando da violência como estrutura de poder e a mídia utilizando de uma narrativa já pronta para qualquer manifestação política que também expressa uma planificação de poder.
No entanto, a cidade como microfísica da multidão é capaz de produzir movimentos de resistências e novas manifestações de massa (como os atos que seguem cada vez mais fortalecidos no âmbito do transporte e da saúde mental).
Uma nova forma de poder.
Um contrapoder.
Um tipo de poder construído nas/pelas lutas sociais para engendrar outro tipo de democracia pautada nos encontros e nas potências populares que seja capaz de alcançar uma forma de transporte público onde todos e todas, independentes da classe social, possam ter direito.
O transporte é público e não deve ser um serviço só para quem pode pagar por suas despesas!!!
Por miguel angelo maia
Dá-lhe Allang!
Precioso post, preciosas reflexões e que dão margem a mil e uma elocubrações que, nesse momento, não tenho tempo para fazer, mas fica aqui a promessa de uma volta, re-volta, contra-volta conspiratória com as ideias que puxou muito claras e precisas aqui. Cabeças pensantes e bem peçantes são para mim um alívio e um banho na alma, nos incitam também a pensar.
Num conluio/provocação inverteria a questão que formula a la Negri para “será mesmo que a multidão está para a metrópole”?
Fico aqui dando trato as bolas, provocado por você e, ao mesmo tempo, sem tempo de elaborar algo agora. Mas, mal elaborado ainda, fico pensanso se o fenômeno multidão não explode a noção de metrópole, reaproximando-nos, de outra forma e de outro jeito, de uma re-PÓLIS-tização do espaço público.
Através dos serviços, mal serviços quero dizer, ao qual somos todos expostos nos últimos tempos, principalmente aqueles considerados essenciais, o que, de certa forma, no contemporâneo parece expressar aqueles dos quais as verbas são mais surrupiadas e mal geridas, tenho sentido uma certa inflexão política das multidões com as mais díspares formas de “interpretação do fenômeno”.
Aliás, todos esses são temas bem caros a Negri e, por isto, fico incitado por suas ideias a me perguntar se não seriam as metrópoles, o conceito que nos veiculam de metrópole, uma tentativa de colocar arreios naquilo que Chico Buarque, gênio, já formula: