Fissura
Construindo a Tese
Elaine Perez
Pra começo de conversa
Rachou o prato…
Trincou a taça…
Perfurou a parede…
Danificou o quadro, o retrato…
Rasgou a terra…
Esgarçou o vestido…
Partiu, repartiu a criança…
Fissurou a fissura… E agora?
Comprou outro prato, a comida, a sensação de saciedade.
Comprou outra taça, a garrafa, o vinho, o continente, a sensação de aconchego.
Comprou, cimento, areia, cal, tinta, o pedreiro, o pintor, a sensação de abrigo.
Comprou outra tela, projetou nas pinceladas toda a fissura do retrato,
pintou a sensação de limpeza.
Comprou o asfalto, o sapato, a bicicleta, a moto, o carro, a sensação
de deslocamento.
Comprou outro vestido, a vitrine, o manequim, o original, a cópia, a
sensação de ser visto na massa da homogeneização.
Comprou o medicamento, a droga, a infância, o entretenimento, a
sensação de proteção e investimento e a busca incessante de estar mais
do que bem.
Cicatrizou a ferida na consumomania, esteticomania, trabalhomania,
hipocondria, sexomania, toxicomania, cibermania.
Fissurou a fissura, deslocou o desejo para a necessidade, dependência
do afeto como tábua de salvação, emudeceu, encontrou um lugar… O não
lugar da impotência diante do poder da fissura, sempre dentro, mesmo
quando está fora.
Rachou, trincou, perfurou, danificou, rasgou esgarçou, partiu.
Desligou a criança, se perdeu nesse mundo repartido do capital… Distraiu-se.
Está só, porque sofrimento é só da sua conta. Da sua competência. O
desvio é seu. E agora?
A criança cresceu a fissura não desapareceu, a ferida não cicatrizou ,
está aberta…
A porta está aberta…
A caverna está aberta…
Lá fora o som da cachoeira…
Dos pássaros, da vida!
De outras vidas!
Por Emilia Alves de Sousa
Belo poema! Obrigada pelo compartilhamento!
AbraSUS!
Emília