Dia 7 de abril: em defesa do SUS e da democracia, ou como segurar uma faixa em defesa do SUS
Em 07 de abril é comemorado no mundo inteiro o Dia Mundial da Saúde, data em que ocorrem diversos eventos e manifestações em defesa da saúde enquanto valor indissociável da ideia de dignidade humana.
Em 2015 estive em uma dessas manifestações, marcada por fortes críticas à privatização da saúde pública, em razão da abertura à exploração pelo capital estrangeiro, após aprovação da Medida Provisória 656/2014, que modificou os artigos 23 e 53-A da Lei do SUS (Lei nº 1080/90). Participei de uma passeata na cidade de São Paulo que saiu da sede da Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo e desceu a Rua da Consolação, passando pela Secretaria Municipal de Saúde, até chegar na Praça da República.
Durante todo o trajeto, ajudei a segurar uma das faixas integrantes das manifestações em defesa do SUS público, universal, integral, igualitário, com participação social e gratuito. Parece ser uma tarefa simples carregar um tecido com palavras escritas, mas não é. Além de não ser apenas um pano desenhado – mas uma bandeira ética em defesa da justiça social que representa o nosso sistema de saúde – são necessárias várias medidas e várias pessoas para que as palavras não sejam ocultadas no percurso.
Quando me passaram a faixa, segurei-a sem muitos problemas, com a ajuda de duas colegas, por ser um tecido grande. Mas logo depois que levantamos nossas palavras, percebi que precisávamos coordenar nossos passos, pois se uma se adiantava à outras duas a legibilidade ficava prejudicada. Após algum tempo segurando a faixa, comecei a sentir cansaço nos braços. Assim, fizemos um revezamento com outros colegas para segurar a faixa que, quando se cansavam, nos repassavam novamente a tarefa de manter as palavras altivas, e assim sucessivamente, até chegarmos no ponto final da passeata.
Encerrado o evento, percebi que a nossa caminhada refletia, por analogia, os caminhos do SUS.
O sistema público de saúde acompanhou a abertura política brasileira, e desde a criação a partir da Constituição Federal de 1988 vem percorrendo sua trajetória em busca da efetividade do direito à saúde como próprio de todos os brasileiros.
Assim como a grande faixa que segurávamos, o nosso sistema de saúde – que abrange desde serviços básicos até atendimentos de alta complexidade – exige a coordenação dos setores e dos atores sociais envolvidos para que o SUS funcione bem. As 3 pessoas que seguravam a faixa poderiam representar os 3 setores da saúde – sociedade, Estado e Capital, ou as 3 categorias de pessoas envolvidas com os serviços do SUS – usuários, trabalhadores e gestores.
Se não há diálogo entre esses setores e atores, se um avança sobre os passos dos outros, a saúde pública se torna inacessível enquanto direito social. É comum sentirmos cansaço e desânimo depois de um longo período de caminhada em defesa da saúde pública, mas a presença dos companheiros nos ajuda a recobrar as forças para, ainda que de forma não concomitante, seguirmos juntos enquanto sociedade que valoriza e defende suas conquistas democráticas, entre elas o SUS. Para que as palavras da Constituição Federal que asseguram a saúde como direito de todo cidadão brasileiro e obrigação do Estado sejam mais que altivas, sejam efetivas e materializadas na prática.
Em 07 de abril costuma-se debater o tema escolhido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como foco das ações em saúde necessárias à solução de questões com impacto na vida da população mundial. Neste ano de 2016, o tema escolhido pela OMS foi o combate ao diabetes (veja página da organização sobre o assunto – em espanhol – neste link: https://www.who.int/campaigns/world-health-day/2016/es/).
Mas no Brasil, em razão dos recentes ataques à democracia e ao sistema público de saúde – indissociáveis entre si, já que a saúde universal e com participação social tem por pressuposto o respeito ao Estado Democrático de Direitos – o Conselho Nacional de Saúde propôs o 7 de abril de 2016 como o Dia Nacional em Defesa do SUS e da Democracia (leia mais sobre o assunto neste link: https://www.fenafar.org.br/index.php/2016-01-26-09-32-20/saude/766-cns-prepara-dia-de-mobilizacao-em-defesa-do-sus-e-da-democracia).
A celebração que privilegia a realidade local (lembrando que em 2015, enquanto o debate do Novembro Azul do Diabetes no mundo se focava na alimentação saudável com limitação do consumo de produtos com agrotóxicos, no Brasil a Sociedade Brasileira de Diabetes elegeu como tema a qualidade de vida), não representa menosprezo à situação das pessoas com diabetes, mas tem por base as condições políticas necessárias ao combate da doença.
Fui diagnosticada com diabetes em 1986, antes da criação do SUS em 1988, e sei o quanto é difícil o acesso aos serviços necessários ao cuidado da saúde da pessoa com diabetes sem um sistema de saúde público e universal, sem direito a assistência farmacêutica, sem possibilidade de influência sobre as políticas de atenção às pessoas com diabetes, sem os serviços que representam o atendimento integral (como exames laboratoriais, consultas médicas e orientações sobre formas de autocuidado) da saúde da pessoa com diabetes.
Por isso considero a adaptação muito feliz, porque sem democracia não haverá combate eficaz ao diabetes, nem medidas para tanto que seja acessíveis a todas as pessoas no Brasil.
Os representantes do mercado da saúde, favorecidos pelo financiamento privado das campanhas eleitorais que comprometem a atuação dos representantes eleitos com os interesses de empresas privadas, vem avançando em passos largos sobre o SUS. Além da entrada do capital estrangeiro no país, há outras ameaças (leia afirmação de Ligia Bahia nesse sentido: https://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/04/sus-depende-da-democracia-reafirmam-especialistas-em-evento-realizado-pela-fiocruz-1716.html).
Para evitar o descompasso entre a saúde enquanto direito social e a penetração cada vez maior das empresas privadas na saúde pública é necessário o fim dos subsídios públicos e da renúncia fiscal concedida aos planos privados de saúde, a instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar convênios médicos, não haver cortes e contingenciamento ao orçamento da saúde, entre outros pontos (https://www.spbancarios.com.br/Noticias.aspx?id=14475#sthash.QT0yLTyK.dpuf).
Assim, nas comemorações do Dia Mundial da Saúde de 2016 no Brasil, vários eventos estão programados para levantar a faixa da cidadania em defesa do SUS e da democracia, entre eles um ato na Faculdade de Saúde Pública da USP no dia 06/04, às 18h00 (https://www.cut.org.br/imprimir/news/b6312f83cbc928533ea4c4a0c9a9d9f4/), uma caminhada no centro da cidade de São Paulo a partir das 10h00 em 07 de abril (https://www.spbancarios.com.br/Noticias.aspx?id=14475) e um abraço simbólico ao edifício sede do Ministério da Saúde, em Brasília, às 12h, também no dia 07 (https://www.facebook.com/ConselhoNacionalSaude/?fref=ts e https://conselho.saude.gov.br/ultimas_noticias/2016/03mar24_7abril_defesa_democracia.html).
Só existe SUS na democracia!
Por Mariana S Oliveira
Debora,
Reconheço em você essa parceira que ajuda a segurar a faixa! A faixa que representa um elo potente entre nós na pactuação de um estado democrático de direito em defesa de um sistema único de saúde. Ou nesse dia 7, o contrário, em defesa do SUS pela democracia! Vejo que o SUS é a realização plena de uma narrativa que dá materialidade ao que chamamos democracia. O SUS, é mais do que o direito a saúde, é a expressão de uma inteligência coletiva que se realiza nesse elo entre múltiplos setores, atores, demandas. Quando um sistema como esse é capaz de responder a uma reorganização dos hábitos alimentares, ele tem potencial de deixar mais inteligente toda a cadeia produtiva de alimentos. Seu impacto na produção de uma vida mais saudável vai para muito além do atendimento individual que um usuário num primeiro momento pode desejar. Ele tem em si a capacidade de gerar princípios e diretrizes para uma saúde coletiva, e para um modo de vida integralmente mais saudável.
Defender o SUS neste momento é defender a democracia. É defender o direto de produzir um conhecimento que uma medicina privada, baseada centralmente no atendimento ao cliente, jamais poderia produzir. É defender o direito a produção de um bem comum capaz de gerar impacto social de alta relevância pública! Estamos juntas segurando essa faixa! Na cadência de um samba, para que a clareza desse patrimônio não fique prejudicada.
bjs Mariana