Humanização em tempos do Dengue
Estou na cidade de Ijuí, cidade “Terra das Culturas Diversificadas","Capital da Cultura","Colmeia do Trabalho","Terra do Capitão Dunga”, 79.412 habitantes em 2008 e epicentro do novo surto de dengue no Rio Grande do Sul. O jornal local brincou: “Ijuí, terra do Dunga e da Dengue” e nós, vinculados a PNH, não perdemos a piada: “e do Dário”. As notícias seriam alarmantes: quase quinhentos casos da doença, há casos de dengue hemorrágica já confirmados.
Possíveis falhas do SUS estão na falta de investimento na vigilância, na falta de investimento na gestão da Atenção Básica, na falta de uma proposta de utilização do espaço urbano, ou na possível falha nos atendimentos que não conseguiram diagnosticar os primeiros casos. Hoje, o prefeito (PDT), enfermeiro e mestre em educação pede, com seu carregado sotaque de descendente italiano, que a população tenha calllma. E o vice-prefeito (PT), advogado e mestre em desenvolvimento, deverá articular algum discurso nas conexões entre saúde e desenvolvimento e orçamento participativo.
A história de participação no Conselho Municipal de Saúde é anterior ao SUS (para os mais novos, inicia com as Comissões Instersinstitucionais de Saúde, criadas na década de 80, mas aqui se chamava CISMI, porque era ainda anterior a Política das Ações Integradas de Saúde) Em 1986, Ijuí organizou e sediou um encontro para discutir com dois Deputados do RS (Carlos Cardinal -PDT e Olívio Dutra –PT), os rumos da saúde no Brasil e o Texto Constitucional. Foi em Ijuí, que também na década de 1980, a Fundação de Desenvolvimento e Integração do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Fidene, (mantenedora da Unijuí), associada a uma cooperativa de agricultores – a COTRIJUÍ, conseguiu recursos de um grupo de Igrejas da Alemanha para construir em Ijuí, Ajuricaba e Braga, os primeiros CIAS – Centros Integrados de Atenção à Saúde ou OS CRAS, que eram as unidades rurais. Isso já era resultado de um movimento social, que deu origem a própria Universidade da região e que muitos autores reconhecem como a primeira experiência de planejamento participativo, ainda nas décadas de 1950 e 60.
É este movimento que institui os cursos de enfermagem e de nutrição da Unijuí e, desta forma, cria condições para a organização de serviços de atenção básica, com trabalho de equipe, a partir da década de 80. Nós temos muitas críticas aos serviços de saúde de Ijuí, nós desejamos uma prefeitura com maior capacidade de gestão, nós queremos mais do que está aí. No entanto, nossa necessária utopia (que mantém o projeto de futuro em pauta) não pode nos impedir de sermos generosos na critica: há, também em Ijuí, um SUS que dá certo. E ele acontece quando, em menos de 48 horas, o Município, a Secretaria Estadual de Saúde e o Ministério da Saúde organizam a operação de enfrentamento a Dengue, quando em dois dias todos os médicos e enfermeiros são chamados para uma capacitação, quando nós, moradores da cidade, sabemos que teremos atendimento adequado em tempo adequado.
Vejo, todos os dias, em uma emissora de TV, a repórter local sendo chamada, ao vivo, e todos os dias ela está em frente a principal emergência da cidade, a emergência do Hospital de Caridade de Ijuí – HCI. Demorei alguns dias para entender que o que se passava não era trivial ( como diria o Edu Passos). Estamos habituados com imagens de desassistência, de pessoas reclamando, de gente em macas.Nada disso, a repórter repete que o município criou um serviço para atender casos suspeitos, que este serviço está próximo ao HCI – e hoje informou que o serviço organizado pelo município precisou ampliar o horário de atendimento inicialmente previsto no final de semana.
Uma repórter, em frente a uma emergência, no epicentro de um surto de dengue, e nada de gente reclamando? Ela entrevista, ao vivo, uma senhora que veio trazer a filha com dor de cabeça, outra pessoa – que aguarda pelo atendimento, fala que é importante ajudar na limpeza dos terrenos.
O HCI faz acolhimento com avaliação de risco há mais de dois anos. É projeto apoiado pela PNH, através da formação de apoiadores e viabilizando aos coordenadores do projeto visitas técnicas para conhecer a experiência do “Odilon Behrens”, em BH e do Grupo Conceição, em Porto Alegre. Mesmo com a demanda da Dengue, não há pessoas em macas, nem pessoas com sintomas graves sem atendimento.
O cartaz com as cores e a explicação da forma de acolhimento e as cadeiras amarelas, verdes e azuis dão notícias de novos tempos: a PNH está aqui em Ijuí, co-responsável por este SUS que tem um mundaréu de problemas, mas que, paradoxalmente, é um SUS que dá certo. Uma PNH que participa da construção do SUS e que potencializa lugares e sujeitos. Uma PNH que oferta tecnologias importantes para enfrentar problemas importantes.
Grande abraço. Liane Righi. Professora da UFSM, residente em Ijuí. Apoiadora da PNH.
Por Shirley Monteiro
Profrª Liane,
Bonita a história da Saúde em Ijuí nos anos 80, e a questão do reconhecimento como primeira experiência de planejamento participativo em saúde pública, no Brasil. Não admira, uma vez que o querido Rio Grande do Sul se destaca por pioneirismos e iniciativas corajosas, em vários aspectos, não é mesmo ?
Lembro-me bem há dois anos atrás, quando no Rio surgiu o surto de dengue, e profissionais de saúde de todo país como voluntários atendiam em acampamentos, após treinamento do MS . Existia o sentimento de solidariedade típica do brasileiro, claro; mas entre as entrevistas gaúchos declararam que estavam alí também para adquirirem experiência e ficarem prontos, no caso de um enfrentamento no estado gaúcho, essa declaração fez minha mãe rir de saudade. Esse sentimento de amor e comprometimento pelo lugar de nossas tradições, é também implicação topofílica, que aprendi com a minha mãe, e meu avô materno.
E assim, além de Ijuí, aproveito o lembrete para solicitar incluir como cidade do estado gaúcho, também Taquara-RS !!
Um abraço,
Shirley Monteiro.