Gestão colegiada no Hospital Sofia Feldman

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O Boletim do Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em Saúde traz a entrevista do Diretor Administrativo do Hospital Sofia Feldman, Dr. Ivo de Oliveira Lopes. Ele fala sobre os diálogos que  a gestão colegiada permite. 

 
Dr. Ivo de Oliveira Lopes: Preferência por gestão colegiada e apoio à Incubadora da Integralidade no Hospital Sofia Feldman 

A carreira profissional do médico obstetra Dr. Ivo de Oliveira Lopes se confunde com a história do Hospital Sofia Feldman. Em 1974 o Conselho Particular de São Bernardo, órgão da Sociedade São Vicente de Paulo – SSVP (entidade com vasta atuação em todo o mundo na área de serviços sociais) avaliava a proposta de um de seus confrades, o Sr. José de Souza Sobrinho, sobre a construção de uma obra beneficente em uma quadra de lotes no bairro Tupi, zona norte de Belo Horizonte, doada àquela entidade.

 

O Sr. Souza Sobrinho propôs que no local fosse construído um hospital, porém seus pares, reunidos em assembléia, julgaram o empreendimento grande demais para o resumido grupo de vicentinos. E rejeitaram a proposta. Sem desistir de seus planos, Sobrinho solicitou permissão para se responsabilizar pela construção do hospital. Os demais vicentinos do Conselho Particular de São Bernardo acataram o pedido e ele então passou a buscar recursos em subvenções federais, estaduais, municipais e doações. Construída pelo sistema de mutirão e com pouquíssimos recursos, a primeira parte da obra foi concluída e, para colocá-la em funcionamento, aliaram-se ao Sr. Souza Sobrinho dois jovens médicos: Dr. Ivo de Oliveira Lopes era um deles, ao lado de Dr. José Carlos da Silveira, pediatra.

 

O Hospital foi inaugurado em 1982, para atender a população que, por não contar com assistência da Previdência Social, dependia da caridade para ter acesso aos serviços básicos de saúde. Até 1986, o hospital funcionou com trabalho voluntário e doações da comunidade. Neste ano, através de um movimento comunitário, foi incluído nas Ações Integrais de Saúde – AIS, programa precursor do Sistema Único de Saúde – SUS. Hoje, Dr. Ivo é Diretor Administrativo e membro da Linha de Políticas Institucionais do Sofia Feldman. Em entrevista exclusiva ao BoletIN, falou sobre as demandas atuais e as dificuldades que o hospital encontra para se manter alinhado com as novas políticas gerenciais (como a sustentabilidade), o porquê da opção por uma gestão colegiada e o seu apoio ao projeto Incubadora da Integralidade, parceria com o LAPPIS.

BoletIN: Por que a opção por uma gestão colegiada? Como essa iniciativa impacta na melhoria da assistência integral?

Dr. Ivo: Um dos mestres da Administração, Peter Drucker, disse que uma das empresas mais difíceis de ser gerenciada é o hospital, pelo grau de autonomia dos trabalhadores. A categoria médica não só tem uma autonomia clínica, mas é também o maior ordenador de despesas de um hospital – exames, raio-x, novos exames diferenciados, prescrição de medicamentos, material médico-hospitalar…Essa autonomia da categoria – que, acredito, realmente precisa existir, do ponto de vista clínico – que acaba refletindo em outras áreas. A dificuldade de gerenciar um hospital passa por esse âmbito. Se há uma gestão vertical, este profissional pode questionar a toda hora e em todo momento. Ao existir um colegiado, uma partilha, fica difícil esse questionamento, o médico continua tendo autonomia, mas deve responder a vários atores. Isso já está estabelecido nos ensinamentos da História cristã-judaica. Até o Antigo Testamento, Deus era total e absoluto. No Novo Testamento, após a aliança com o povo judeu, o homem começou a “trabalhar” com Deus, não mais no ponto de vista absoluto e sim, da justiça e da capacidade de ter um diálogo.

A direção colegiada permite esse diálogo. Eles (os médicos) podem informar e ter autonomia de suas próprias condutas, sem retirar o “poder” da profissão. Mas a autonomia do médico não deve ser estendida a outro campo; ela é clínica. Ainda assim, existe uma autonomia muito grande do profissional. Segundo a carta dos Direitos dos Usuários, o paciente tem tanta autonomia quanto os profissionais. O usuário tem o direito de questionar o laudo médico e a opção de fazer ou não o tratamento proposto. E, nesse conflito dessas autonomias, administrar uma empresa hospitalar é muito difícil.

Nossa instituição tem uma autonomia muito grande das pessoas envolvidas. Quando há essa autonomia, temos que planejar, dialogar, discutir e ver que acordo vamos chegar. O Colegiado, na minha opinião, é a melhor forma de administrar o hospital. Se me perguntarem se esse tipo de gestão é “viciada”, vou responder que “sim”. Muitas das grandes gestões são viciadas. Ainda assim, do ponto de vista gerencial, a melhor forma de atender às demandas de um hospital é um colegiado. Por esse motivo, que vamos dar de frente com a autonomia dos profissionais e dos usuários – espero que essa última aumente cada vez mais. Dar voz ao usuário é uma maneira de avaliar a qualidade do serviço, visando a melhoria da assistência. É claro que a gestão precisa amadurecer mais. Em um país em que o regime instituído é o presidencialista, ainda bem que temos a possibilidade de um colegiado gestor. A qualificação do Colegiado também é importante.

 

BoletIN: Como o Sofia Feldman se mantém alinhado com as políticas de integralidade e sustentabilidade (o hospital conta com aquecimento solar para chuveiros na maternidade, um método de auxiliar a gestante no trabalho de parto), apesar do baixo financiamento do SUS?

Dr. Ivo: O nosso país está amadurecendo no ponto de vista social. Antes, o indigente não podia reclamar da qualidade dos serviços. Quando o SUS foi estabelecido na nossa Constituição, a saúde passou a ser vista como um Direito, e não mais um “favor”. Todo e qualquer cidadão tem esse direito assegurado. Isso foi muito bonito do ponto de vista constitucional. Na prática, ficamos ainda à mercê de alguns senhores: presidente da República, governadores, senadores, prefeitos… Até hoje não foi definido de onde vem o financiamento para a saúde. Casos como o da CPMF e Emenda Constitucional 29, não foram postas em prática – no caso da EC-29, sequer regulamentada. O SUS tem avançado muito, embora precariamente no quesito financiamento. O povo brasileiro continua na mesma, dependendo dos favores deles. Temos um subfinanciamento na área da saúde – o que é alocado para um procedimento, por exemplo, não cobre seus custos operacionais. Esse subfinanciamento compromete a sobrevivência dos hospitais filantrópicos que prestam serviços ao SUS. A saúde da vontade política do governante, o que não deveria acontecer. Deveria, sim, cumprir a Constituição: saúde é um direito de todos e um dever do Estado. Não sou de maneira alguma contra o SUS e não vou parar de defendê-lo. Mas acredito que temos que amadurecer. A sociedade tem que amadurecer, assim como o governo.

Aqui em Belo Horizonte, como estratégia para diminuir o tempo de espera de cirurgias eletivas, o gestor aumentou em 200% os honorários médicos. No entanto, não há esse tipo de aumento para as cirurgias de urgência e emergência. É uma questão lógica. Não acho ruim este aumento, contanto que também tivesse o equivalente na urgência, para os CTIs, pronto-socorro, etc.

Sou conselheiro municipal também. Sei que, a cada consulta que realizamos, que custa em torno de 30 reais, o governo nos paga apenas R$ 2,50. É o subfinanciamento. O parto que o SUS nos paga é o que está na tabela – em torno de 700 reais. O Risoleta Tolentino Neves é hospital público, portanto com orçamento, caracterizado como maternidade de baixo risco recebe em torno de 2 mil reais pelo parto.

A sustentabilidade é dificultada pelo subfinanciamento. E são direitos humanos, pelas quais devemos lutar. Mas acho que o país está amadurecendo. Não vou acabar com os nossos projetos por causa desse fato. Não podemos tirar das pessoas uma coisa que elas têm direito. Vamos, sim, cobrar do corpo gestor a garantia desse direito.

Existe um preconceito dentro do sistema de saúde, na questão ideológica, sobre o privado-filantrópico, do qual não somos favoráveis. O ideal socialista é que todas essas ações sejam bancadas pelo governo. E esse ideal, em um país capitalista, torna-se muito difícil de manter. Temos que discutir e dialogar. O controle social tem que tomar conta. Se isso não acontecer, o usuário terá dificuldades para enfrentar e questionar o serviço. Isso, de forma alguma, é uma posição contrária ao SUS, pelo qual sempre irei lutar.

 

BoletIN: Mas, apesar disso, as ações de atenção ao trabalhador, como o LAT (Linha de Apoio ao Trabalhador), à mulher (Casa da Gestantes), continuam acontecendo…

Dr. Ivo: Os hospitais do SUS não têm creche, porque não existe verba para isso. Mas esse é um direito assegurado para o trabalhador, está na lei. A política da Casa da Gestante é valiosa para diminuir a morbimortalidade materna, fetal e neonatal. Nós priorizamos essas ações para o usuário e para o trabalhador. Para nós, isso não é um gasto, e sim um investimento.

 

BoletIN: Como o diretor administrativo vê a importância da educação permanente, através da Incubadora da Integralidade, para o Hospital Sofia Feldman?

Dr. Ivo: Fiquei muito feliz quando Roseni (Pinheiro, coordenadora do Lappis) voltou suas atenções para o Sofia, agora de maneira mais ‘formal’. A questão da Incubadora da Integralidade, da educação permanente…creio seja esse um dos caminhos para melhorar o sistema de saúde. Pode ter certeza que a UERJ, através do Lappis, está no caminho certo. A instituição saiu do Rio de Janeiro para estimular a qualidade do nosso trabalho em Belo Horizonte. É a rede SUS, a integração entre as cidades e Estados…Vocês estão contribuindo para melhorar a saúde pública. Para nós, isso é de fundamental importância. O Lappis tem ajudado muito o Sofia. E ajuda o país como um todo: abrindo os olhos para as questões, ajudando a publicar livros, estimulando as pessoas a fazer alguma coisa. A Incubadora da Integralidade tem o meu total apoio.