The jumper. Paul Klee. 1930
Pedro Gabriel Delgado [1]
Hoje é o Dia Mundial da Saúde Mental, data celebrada pela Organização Mundial de Saúde para marcar os grandes desafios que todos os países enfrentam para assegurar o bem-estar psicossocial de seus habitantes. Os temas escolhidos são sempre certeiros: dignidade da pessoa que sofre e seus familiares, combate ao estigma, integração da saúde mental com a saúde geral, atenção comunitária. Em 2016, a OMS escolheu os “primeiros cuidados psicológicos” que devem ser prestados às pessoas que vivem ou viveram experiências traumáticas, como conflitos armados, desastres naturais, atentados, grandes epidemias. A primeira abordagem, o acolhimento das vítimas dos desastres, a criação imediata de um ambiente de empatia e solidariedade são os primeiros passos, vitais, para uma ajuda efetiva às pessoas que vivem estas experiências de tragédia social. Quem acompanhou, como profissional de saúde, as enchentes que ocorreram na região serrana do Rio, em Santa Catarina, no Nordeste, sabe dizer como foi importante a presença cálida de um gesto solidário e competente a quem está vivenciando um desamparo absoluto, inesperado.
Embora tenha elaborado um Manual de Campo que adotou o termo “primeiros socorros psicológicos” em casos de desastre, a OMS destaca enfaticamente que de nada valerá a ajuda do profissional de saúde mental, se as demais formas de apoio social não forem asseguradas. É uma situação parecida com o sofrimento que ocorre nos grandes deslocamentos humanos causados pela guerra e pela fome, que produzem legiões de migrantes e refugiados. Vamos lembrar que o Alto Comissário da ACNUR, órgão das Nações Unidas que trata dos refugiados, exilados e deslocados, o português António Guterres, acaba de ser escolhido para Secretário Geral da ONU, uma boa notícia não apenas para os falantes da língua portuguesa ao redor do mundo.
No Brasil não são frequentes os grandes desastres naturais, mas vivemos uma situação crônica de violência nas cidades e no campo, com alarmantes indicadores sociais de mortalidade de adolescentes e jovens. A violência não é contingente, é expressão estrutural da iniquidade e da ainda baixa densidade das políticas sociais e inclusivas. Para nós, portanto, penso que o tema dos primeiros socorros diante das tragédias tem que olhar e lidar com a violência e a desigualdade social.
Pois acabo de saber que foi aprovada em primeira votação a PEC 241, proposta pelo governo ilegítimo de Temer, que congela por 20 anos o teto dos investimentos em políticas sociais. A PEC pratica um sequestro, dos recursos sociais para o pagamento dos juros da dívida pública. Da saúde, educação e assistência social, para a bocarra dos tubarões do sistema financeiro. Sob aplauso do FMI, que voltou a frequentar Brasília desde o golpe institucional de 31 de agosto.
Todos os anos, no Dia Mundial da Saúde Mental, costumo mandar uma mensagem calorosa de saudação para os milhares de trabalhadoras e trabalhadores que sustentam no SUS as práticas de atenção psicossocial e a ética do movimento pela sociedade sem manicômios. Além do 18 de Maio, que desde 1988 é o dia da luta e da mobilização, também costumamos lembrar o 10 de outubro, a data da OMS, como oportunidade para debater os desafios da reforma psiquiátrica.
Este ano, com o colapso do estado democrático de direito, a desfiguração da Constituição-Cidadã de 1988, e as ameaças vociferadas e praticadas contra o SUS, quem está precisando de primeiros socorros psicológicos, além da população que depende das políticas sociais, somos nós, militantes da saúde mental. Quem sabe antecipamos o 18 de Maio?
[1] Professor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ