A arte de humanizar do ferreiro. Terceira parte.

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Terceira parte. O final.

Havia apenas esperança. Seria a única esperança. As Indagações gritavam na mente do ferreiro. O medo de não haver resposta era perturbador.

Enquanto o tempo se vai, um das sentinelas se compadece e oferece-lhe assento com guarida, porém no lado de fora da fortaleza. A dupla agradece, mas, as horas passam e a dor aumenta.

E quando perto de desistir e sucumbir ao reconhecimento de que sua vida fora inútil. Aparece ao portão um cavaleiro que indaga o Guardião-mor e seu sentinela mais próximo.

De repente, vê-se frustação no rosto petrificado do Guardião-Mor que sai pisando mais duro e mais feroz.

Sua sentinela se aproxima do ferreiro e diz:

-Não sei o que ocorrera lá dentro, não sei explicar como aconteceu, mas, veio a ordem de que você entrará e os que não podiam atender logo estarão de prontidão para lhe escutar e curar-lhe.

Nada tem haver conosco, apenas seguimos o que nos ordenam. Você possui sorte.

De repente, o próprio Adrinnus, indignado, com caneta e papiro em mãos, chega ao irmão aprendiz e se cerimonia afirma, ele será atendido. Nada mais. Apenas estas palavras, nem sequer olha para o ferreiro, é como se não o enxergasse.

Ater de Adrinnus segue sua postura e retorna ao seu posto, enquanto os dois irmãos com muita dificuldade vê os portões se abrirem. Não há comemoração, não há expressões. Todos se olham disfarçadamente.

Renné, o ferreiro, não soube atribuir o que ocorrera, apenas segue seu caminho até a abadia onde lhe espera três dos praticantes das artes de Galeno e de Avicena que o acolhe sem pestanejar, como se o aguardasse prontamente. Não houve questionamentos de sua espera, ninguém cita a carta ou suprema ordem do cuidado que naquele momento estava sendo ofertado.

Os irmãos, apenas seguem as orientações dos jovens sábios que definem a terapêutica e imobilizam a perna do ferreiro que terá que repousar pelos próximos 11 dias e ingerir medicamentos que fora entregue pelo boticário.

Ao sair, da estalagem, onde se encontrava outros tantos doentes, os irmãos perceberam que tantos outros que lá foram aguardavam pelo cuidado e nutria esperança, havia entrado. Todos que lá esperavam foram recebidos e, notava-se, rancor do guardião-mor que virou o rosto quando o jovem aprendiz o encarou.

O soldado, de bom coração, que deveria ser exaltado, aproxima-se e diz:

-De fato, o senhor necessitava de cuidados. Nota-se que era imperativo que insistisse.

-Cá, estávamos, quando alguém com contatos internos anunciaram aos Superiores da Corte Real. Assim, você e toda esta gente foram atendidas de imediato.

– Não sei o que ocorrera, mas, você teve sorte, ocorreu um reboliço e o que não vinha ocorrendo há muitos dias, hoje, se tornou diferente.

Não foi nem você, mas, alguém que tocara o coração da Corte.

No que, disse, indignado o ferreiro:

Também pudera ter que conhecer alguém. Pelas leis investidas neste lado das montanhas todo aquele que chegar deveras ser acolhido. Espanta-me a sentinela dizer que noutros dias isto não ocorrera. Porém, entendo seu papel e admiro sua compaixão por mim e pelos demais. Mas, entristeço-me pelo Guardião-Mor.

Retrucou o Soldado:

-Não! Não culpe o Mor da Guarda, ele segue ordens. Se lhe fosse, atribuído o cuidado, assim o faria. Porém, muitas coisas são como são e nada podemos fazer.

-Não sei o que ocorrera, mas, tudo mudou. O importante é que ao cabo tudo se resolveu.

O ferreiro contrariou:

-Todos nós participamos de tudo aquilo que nos cerca. Se não pelo consentimento, sim pela omissão.

-Como se chama àquele que estava para mim, como Deus está para os homens de fé?

O guarda, soldado de ofício, titubeia, mas, diz: – Ater de Adrinnus é das terras onde havia muitas areias escuras. Da terra de Ádria. Que também se via muitas águas. É Homem de fé, homem regrado por este reino, mas, que segue com vigor o que lhe fora posto em mãos. Não deve se preocupar. Siga seu caminho e melhore.

Os irmãos agradecem o soldado. No que finaliza o mestre ferreiro:

-Não podemos aceitar que neste reino só se abra as portas quando um protegido da Corte Real se aproxima delas.  Todos somos filhos do mesmo Deus!

O soldado abre os olhos se surpresa como coruja e então compreende com quem falara por todas as horas. Sorri com vergonha, abaixa a cabeça e arruma as calças.

Os moribundos já foram doentes.

Hoje, pacientes quem sabe até clientes.

Os hospitais outrora foram hospedarias,

Que cuidavam dos doentes em monastérios e abadias.

Os praticantes das artes de Avicena e de Galeno

Hoje são médicos que desafiam os limites do pensamento.

Os guardas e sentinelas, que protegiam as portarias,

Transformaram-se em porteiros e vigias.

Os “triadores”, chamados de Guardião e Capitão.

Mudaram os cargos para especialistas do Não!

O ferreiro sempre foi um operador que às vezes sofreu por amar.

Mas, continuou acreditando nas pessoas e na arte de humanizar.

 

O texto retrata a experiência de um profissional de saúde que num dia de mácula, procurou um serviço hospitalar, porém, não foi acolhido, passou por um momento que já mais imaginaria. Humilhado teve que pedir por misericórdia e usou os contatos, de forma não ortodoxa, para poder ser atendido. Quando entrou havia médicos suficientes, poucas pessoas para ser atendidas, fora medicado e teve sua perna imobilizada devido à gravidade de seu dolo. Foi necessário romper regras para ser assistido. Imagina quem não possui conhecimentos. Isto é justo? Isto deveria ser o SUS?

“A individualidade mais importante do hospital não é o seu diretor, nem o contribuinte, nem o médico, nem a enfermeira, nem o secretário; a individualidade mais importante do hospital é, sem dúvida, o enfermo”. GOLDWATER. História e evolução dos hospitais. 1944.

 

Fim.