Compartilho aqui a publicação mais recente do meu blog. É uma reflexão sobre as motivações que me levaram a escrever em boa parte sobre interpretação e uso racional de exames na prática médica.
Segue o texto:
Esse é um dos poucos textos, ou melhor, o primeiro post que escrevo em primeira pessoa. Nele, tento compartilhar os motivos que me levam a escrever sobre exames complementares.
Em 2015, o retorno à assistência após um período de afastamento por mudanças de trabalho trouxe-me certa apreensão. Eu me perguntava:
Conseguirei recuperar as informações que havia perdido durante o tempo que fiquei mais distante do consultório ou ambulatório?
Como compensar a rapidez da informação, a quantidade de novas publicações científicas, o avanço das novas tecnologias?
Os atendimentos de muitos novos pacientes (no serviço público ou privado) para uma nova consulta em endocrinologia, acompanhamento de um problema já diagnosticado pelo colega que me antecedeu ou ainda uma segunda opinião foram acompanhados quase sempre de uma “tarefa de casa” – entender a bateria de exames que o paciente já trazia consigo e ser atual e racional nas minhas requisições de exames.
No setor privado, principalmente, os pacientes já tinham passado por vários médicos para um check up: ginecologista, cardiologista, dermatologista, raramente um generalista. Para minha surpresa, descobri também que o endocrinologista também era consultado para checar se estava tudo bem, pois as pessoas nunca tinham passado por um e achavam que deveriam fazê-lo. Razões para essa fragmentação do cuidado existem várias, o que foge ao objetivo desse texto.
Frequentemente, o exame alterado e não propriamente uma suspeita de uma doença ou um diagnóstico que requeresse um especialista era o motivo da consulta. Esses e outros outros resultados de exames solicitados como rotina me foram desafiadores. Casos de nódulos de tiroide incidentalmente encontrados, deficiência de vitamina D, aumento de ferritina, testosterona, SHBG, densitometria óssea em mulheres na pré-menopausa são alguns temas frutos dos exames trazidos a mim durante a consulta.
As “tarefas de casa” frutificaram como textos para o blog atual. Serviram para esclarecer minhas dúvidas ou mesmo tentar formar uma opinião sobre assuntos controversos no passado em certa época. Atualmente, os textos servem para complementar conversas com meus pacientes e expandir também para outras pessoas que não são da área médica. Adicionalmente, espero contribuir com temas da especialidade com colegas não especialistas.
Os exames complementares são ferramentas valiosas, principalmente para a minha especialidade, mas a solicitação deles deve ser forma racional. Como o próprio termo diz, os exames são complementares: complementares à anamnese e exame físico do médico à formulação de um diagnóstico, prognóstico, estadiamento de uma doença; ao estabelecimento, monitoramento e modificação de um tratamento.
Na verdade, um dos grandes desafios para uma gama de médicos, nos quais me incluo, é de não pedir muitos exames sob o risco de serem julgados como pouco cuidadosos ou competentes quando comparados a seus pares que a lista de exames é extensa. Grande quantidade de exames não são sinal de boa medicina, muito pelo contrário. A boa medicina se baseia no uso racional dos exames complementares.
Não faz muito tempo que assisti a uma apresentação já não é recente no tempo, mas ainda muito atual sobre a prática médica, a qual deixo aqui como sugestão. Nela, o Dr. Verguese fala da importância do exame físico do paciente.
Outra sugestão de leitura para reflexão é do movimento Slow Medicine e Choosing Wisely, que convida a uma medicina sem pressa e racional.
Desde o retorno mais intensivo à assistência, as apreensões sobre novos exames, novos medicamentos, novos tratamentos foram se dissipando. Os diagnósticos mais simples continuam sendo o comum, os diagnósticos raros continua sendo o incomum. As pessoas continuam ou deveriam ser o objeto do cuidado médico e não somente os exames que elas portam.
Links adicionais:
https://academiamedica.com.br/blog/exames-complementares-na-medicina
Por deboraligieri
Suzana querida.
Seja muito bem-vinda à Rede Humanizasus! Esse debate que você traz no post é muito importante para a conscientização de usuários/pacientes e novos profissionais acerca do papel dos exames no cuidado da pessoa. Há alguns anos vem se consolidando uma cultura de prescrições de exames e medicamentos como símbolo de atenção em saúde. É comum ouvirmos queixas de usuários/pacientes quando o médico não prescreve nem um nem outro, por entenderem como falta de cuidado. Nada substitui a conversa sobre a vida da pessoa no encontro com o profissional. Como você mesma diz, os exames são complementares. Focar o atendimento nos exames é também uma forma de eleger a doença como objeto do tratamento, quando na verdade devemos visar a saúde. E para construir ações ou intervenções com foco na saúde, o centro deve mesmo ser a forma como a pessoa leva a vida e suas condições sociais, ambientais, econômicas e até mesmo ideológicas, e não apenas as condições biológicas, também importantes, mas apenas parte (e não o todo) da vida que deve ser abordada nas consultas.
Já acompanho seu blog há um tempo, e fico muito feliz com a divulgação dele aqui na RHS! E também fico muito feliz com a sua entrada na rede para participar das dicussões, como pessoa e profissional interessada na melhoria das condições de vida das pessoas no Brasil que sei que é!
Beijos,
Débora