Após superar cada uma das três fases da deficiência adquirida (negação, repercussão e ajustamento), vivenciadas não necessariamente na mesma ordem, dadas características singulares de cada ser humano, ao alcançar a fase de reconstrução, a pessoa já demonstra ter aceitado suas limitações físicas e/ou sensoriais. Porém, sabiamente desenvolvendo consciência de que não adianta tentar mudar o que não pode ser mudado em curto prazo, devendo estar disposto a não se deixar abater pelos seus enfrentamentos. Percebe a fraterna dedicação dos familiares e pessoas significativas, que o ajudaram a chegar até aqui, demonstração de amor que se deve valorizar e retribuir com gratidão, pois muitos dos nossos pares ficam sem este valioso apoio quando seu núcleo familiar se apresenta desintegrado por conflitos diversos.
Na fase de reconstrução, novas demandas se apresentam e requerem esforços hercúleos para o retorno aos bancos escolares, ao mercado de trabalho, às atividades sociais e religiosas, ao lazer e esportes, aos namoros e vida sexual ativa, à sistemática participação cidadã nos órgãos oficiais do movimento político-social organizado, e demais particularidades da vida pessoal de cada um. Tudo deve ser conciliado com regular acompanhamento e avaliação de equipe profissional de programa de reabilitação, considerando a necessidade e dependência de longo prazo para cuidados, apoio emocional, autocuidado, atividades cotidianas, somadas às medidas de promoção da saúde e prevenção de eventuais agravos.
Pessoas com lesão medular, por haver perdido controles dos esfíncteres urinário e fecal, carecem de orientação, acompanhamento, treinamento e cuidados voltados para o que denominamos programa de reeducação vesical e intestinal, bem como orientações sobre planejamento familiar, sexo seguro e medidas de controle preventivo das infecções sexualmente transmissíveis. Abordagens diversas para que possam retomar o curso de suas vidas, retornar às escolas, ocupar vagas de trabalho garantidas pela Lei nº 8.213/91, participar de eventos sociais, estando melhor preparados para conduzir com maturidade as inoportunas expressões de preconceito e discriminação emanadas por pessoas despreparadas. Cabe ao enfermeiro de reabilitação e nutricionista da equipe, a prestação de subsídios informativos suficientes, com treinamentos regulares, de modo a minimizar os indesejáveis episódios involuntários de eliminações urinárias e fecais, ampliando estratégias de segurança com ingestão equilibrada de volumes líquidos e adequadas porções de alimentos ao longo dos dias.
Nesse particular, vale lembrar o que a experiência nos tem revelado, como forma de ilustrar a realidade e chamar atenção aos riscos a que ficam expostas as pessoas quando desinformadas. Muitos jovens com lesão medular deixam de beber água para não ter o trabalho ou se expor aos demais, porque necessitam de ambiente limpo, seguro e privativo para procedimentos regulares de cateterismos vesicais de alívio. Com isso, apresentam infecções vesicais recorrentes que os impedem de frequentar as escolas, aos atendimentos nos programas de reabilitação, ao trabalho e demais atividades externas, passando curtos e médios períodos em tratamento medicamentoso domiciliar, com algumas consequências e comprometimentos do aparelho ou sistema urinário. É importante reiterar que a perda gradativa das funções renais pode ocasionar falência desses órgãos, e que a fila de espera para transplantes renais é imensa e prioriza receptores sem histórico de infecções recorrentes, impondo aos lesados medulares posições nada favoráveis nas listagens do sistema regulador.
Da mesma feita, muitos com lesão medular deixam de comer o que seria preciso para não evacuar em momentos que participam de atividades grupais, temendo a ocorrência desses episódios involuntários. Sem beber água suficiente e com hábitos de alimentação inadequada, tendem a desenvolver fecalomas, bolos fecais ressequidos que ficam retidos na ampola fecal, os quais apenas são extraídos através de manobras muitas vezes traumáticas para a mucosa retal. Desconsideram informações básicas oferecidas nos programas de reabilitação, posto que os enfermeiros e nutricionistas da equipe podem ajudar com orientações sobre textura e composição dos alimentos, demonstrando o que deve ser ingerido em cada período, além de cuidados para com o corpo, pele, mucosas e medidas preventivas de complicações, perdendo oportunidade de desfrutar a vida com melhor qualidade.
Enfim, na fase de reconstrução pode-se encontrar a chave do tesouro para uma vida plena, saudável, digna, inclusiva, basta elevar o pensamento à Deus, agradecer, porque cada um de nós está onde deve e experimentando o que é preciso para nosso próprio avançar no Plano Divino. O agir com sabedoria, aceitação e abertura para embates da nova performance corporal, é imprescindível, pense nisso!
Wiliam Machado
Por Emilia Alves de Sousa
Reflexões muito pertinentes Wiliam!
“Muitos com lesão medular deixam de comer o que seria preciso para não evacuar em momentos que participam de atividades grupais, temendo a ocorrência desses episódios involuntários. Sem beber água suficiente e com hábitos de alimentação inadequada, tendem a desenvolver fecalomas” Esta é uma realidade percebida até entre as crianças. Temos recebido no HILP alguns casos desses. E o problema é muito mais abrangente. Existe certo descaso com as pessoas com deficiência física de toda ordem. Mesmo quando as ações são implementadas para facilitarem a vida dessas pessoas, não há respeito, controle. Não existem fiscalizações para a garantia. Ontem, passando por uma panificadora, na rampa de acesso para cadeirantes, estava um carro estacionado. Como fica o direito da acessibilidade? De que adianta a construção de rampas nos espaços públicos sem uma fiscalização para a garantia do direito à quem precisa? Difícil né?
Vamos seguindo na luta!
Abraços!
Emília