Saúde: Arte do Encontro entre Humanos
O V Encontro de Práticas Clínicas em Psicologia e Saúde Coletiva aconteceu em São Paulo nesta sexta-feira, 24 de setembro de 2010. Local: Universidade Mackenzie. Iniciativa de alunos que desejam promover a discussão e fortalecimento da saúde pública. E fazer parte dela como cidadãos e trabalhadores.
A importância do evento já começa por aí. Renova-se entre os jovens, portadores do novo, a busca de algo que não pode se tornar uma utopia do passado. Novas forças a dizer não `as iniciativas de privatização do SUS em nosso país.
O coordenador da RHS, Ricardo Teixeira, abordou a Humanização e os Cuidados Primários de Saúde. Mostrou como o Encontro e a rede de conversações constituem a substância do trabalho em saúde. Ao mesmo tempo, explicitou uma das vocações de nossa RHS: divulgar os modos de reconduzir as práticas ao seu valor de uso, torná-las úteis a humanos quaisquer. Reencantar uma prática de relações.
Para isso, introduziu a idéia do acolhimento como o dispositivo que perpassa todo o percurso de relações que se estabelecem no âmbito dos cuidados. Acolhimento como uma técnica do diálogo não pautada pelos modos protocolares, que apenas reiteram velhas e gastas relações entre cuidadores e pacientes.
Um acolhimento que busca identificar, elaborar e negociar necessidades COM o outro. Produzir uma zona de comunidade, onde realmente se toque na "essência" do desejo de cada um.
ESSÊNCIA como aquilo que responde e produz possibilidade de colocar potências em ato. Saúde como realização das potências dos humanos conforme a singularidade de cada um.
Para tornar esse modo de acolher e dialogar mais próximo do entendimento, Ricardo recorre a um exemplo de "demanda" de saúde de uma mulher que chega a uma UBS no bairro do Butantã. Ela "pede" um exame de papanicolau.
Ordinariamente, a recepção poderia encaminhá-la para a simples marcação de exames, um direito prosaico do usuário. Mas, nada do que viria a seguir seria detectado rapidamente e efetivamente tomado como o verdadeiro sentido da busca de ajuda por parte desta mulher.
Os caminhos abertos pela pergunta "por que?", feita pela recepção, levam `a descoberta de uma vivência de violência doméstica no final do percurso no equipamento de saúde. Se apenas fosse ouvida a demanda por exames, talvez essa mulher nunca pudesse ser realmente acolhida em seu sofrimento mais adoecedor, a violência. E inúmeros sintomas seriam tratados fragmentariamente.
Poderíamos parar por aqui. Mas, algo mais belo se insinua na fala de Ricardo: algo da ordem de uma vida mais plena de potência, uma saúde da humanidade.
Recorre a Hobbes e Espinosa para discutir modos de vida. Busca pensar um modo ético, não moralizador, de viver. De moralismos estamos um pouco cansados. Tudo o que nos aconselham os especialistas na "boa saúde" hoje beira a adoção de um modo de vida apartado do viver.
"Viver é gastar a saúde", como bem definiu Canguilhém.
Hobbes disse que "o homem é o lobo do homem". Em estado de natureza, o homem seria capaz de matar outros homens. A Lei recalca essa "tendência" através do contrato social. Os homens seriam tutelados pela força da lei.
Estamos cansados de testemunhar desde os primórdios da civilização até hoje a falência desta formatação social.
Partindo de um olhar generoso sobre a aventura humana, Espinosa caminha em sentido contrário a Hobbes. Afirma que os homens PODEM MENOS no estado de natureza. Em sociedade, os homens PODEM MAIS. Têm a sua potência aumentada no ENCONTRO com outros homens. A socialidade POTENCIALIZA.
A questão é então COMPOR encontros. Encontros salutares. Há os maus encontros, aqueles que nos decompoem, `as vezes até a morte. Como poderia ser o desfecho do caso relatado por Teixeira.
Os bons e maus encontros não podem ser "prescritos" a priori. Encontro bons para alguns podem ser maus para outros. As singularidades os definem a posteriori. Há uma ética construída no próprio encontro. E tão somente pelos que os viveram plenamente.
Os sábios de outrora, responsáveis por ditar comportamentos, tornaram-se os especialistas de nosso mundo contemporâneo. Reparem que não há uma só prática humana desacompanhada de um expert a nos ensinar a melhor técnica, o melhor jeito, o "melhor modo" de trabalhar, comer, amar, "ter" saúde e por aí afora!
Uma outra saúde acontece pelas veredas dos encontros.
É preciso cultivá-la…
Iza
Por Cláudia Matthes
É preciso cultivá-la….
muito lindo isso Iza, é como se dissesse se produz muita vida longe dos hospitais, das clínicas…é como se passeassemos em Fernando de Noronha!
É preciso entáo um novo olhar, um novo encontro, um grande reencanto…acho que envelheci por ai, já olho a chuva com a possibilidade do alagamento, náo mais com a delicia de molhar o rosto ou de correr e rir…!
Prás férias, alguém poderia recomendar novas veredas?
ou seria somente um sonho?!
bjáo Iza, lindo post!
com carinho e afetaçao do encontro
Cláudia Peju