O Papel do SUS na Prevenção do Suicídio

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Olá. Me chamo Priscila Gatti, sou psicóloga clínica e mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia (PPGPsi) da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Curso uma disciplina chamada Saúde e Desejo – Desafios do Presente, ministrada pela Profª Drª Catia Paranhos Martins e ela sugeriu que fizéssemos uma publicação aqui na Rede Humaniza SUS falando um pouco sobre a nossa pesquisa e relacionando-a com algum texto que trabalhamos durante as aulas.

A minha pesquisa é sobre o suicídio e esse é um tema de grande interesse para mim. Esse fenômeno tem atingido números alarmantes e já é considerado um problema de saúde pública. De acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (2014), mais de mil pessoas cometem suicídio todos os dias ao redor do mundo e o Brasil encontra-se em oitavo lugar no ranking de países com os maiores índices de suicídio do mundo.

Dentre os textos que trabalhamos na disciplina, um dos que mais me chamou a atenção foi o capítulo denominado Saúde Mental e Saúde Coletiva (Lancetti & Amarante, 2009), que se encontra no livro Tratado de Saúde Coletiva. É muito interessante essa ideia que o campo de estudos da Saúde Coletiva traz de que o tratamento daqueles que sofrem de angústias profundas deve ser realizado nos territórios onde essas pessoas existem. E mesmo que a Saúde Coletiva não seja um campo totalmente novo e que seus saberes já circulem no âmbito acadêmico, não há como ignorar o fato de que, no senso comum, essa concepção de cuidado ainda é muito nova e a ideia de que o suicida precisa ser internado e medicado ainda é muito forte.

Considero de extrema importância pensar e questionar os reais motivos da internação de pessoas que tentaram suicídio. O quanto isso é realmente para ‘protegê-los de si mesmos’ e o quanto isso não é apenas uma ação higienista? Afinal, o suicídio ainda é um tema tabu e, pertencendo ao campo de interdito, o suicídio continua sendo silenciado e escondido com a justificativa de evitar contágio. Essa preocupação com o contágio é tão grande que estamos nos esquecendo que essas pessoas precisam falar sobre como elas se sentem e a melhor forma de prevenir o suicídio ainda é falando sobre o assunto.

Lancetti e Amarante (2009) também discorrem bastante sobre a história das instituições de saúde mental e a questão que fica é sempre a mesma: Será que realmente superamos a função disciplinar dos hospitais do século XVII? Será que internar uma pessoa que tentou suicídio e coloca-la em um leito de saúde mental não é também uma forma de disciplina-la? Até mesmo de puni-la? E vale mencionar que o que estamos chamando de leito de saúde mental é mais conhecido como leito psiquiátrico, ou até mesmo ala psiquiátrica. Por que continuamos colocando a saúde mental no campo exclusivo da medicina?

É claro que não podemos negar que a internação é necessária em alguns casos. Afinal, a pessoa pode precisar de cuidados após uma tentativa de suicídio. Também não podemos desqualificar o trabalho feito pela Medicina. No entanto, reproduzir antigos modelos, que desconsideram a complexidade da experiência humana, já provou ser uma alternativa falha. E é sempre necessário nos questionarmos sobre qual é a função de manter essas pessoas em leitos de saúde mental? Como essa pessoa é recebida e tratada dentro do ambiente hospitalar? O quanto os profissionais estão, de fato, preparados para receber essa pessoa? E o quanto somos capazes de deixar de lado as nossas próprias crenças e acolher verdadeiramente esses pacientes?

As representações sociais dos suicidas que ainda permanecem são de que essas pessoas são indisciplinadas, covardes, fracas, amorais e pecadoras. Será que realmente superamos a lógica dos antigos hospitais disciplinares de que a inclusão de uma pessoa em uma instituição bem estruturada é capaz de contribuir para a reorganização dessa pessoa?

Meu desejo aqui é poder colocar esses questionamentos e, a partir deles, contribuir para que possamos pensar a questão do suicídio. Em minhas pesquisas, tenho percebido uma escassez de estudos sobre esse fenômeno e isso me preocupa muito. Não falar sobre esses temas tabus no âmbito acadêmico é contribuir para o alargamento do silenciamento. E, no caso do suicídio, não falar sobre isso é também contribuir para o aumento desses números que já são altos.

Cabe a nós pensarmos de que formas a Saúde Coletiva e o SUS podem contribuir para melhorar esse cenário. Sabemos que o tempo que passa entre a pessoa começar a pensar em suicídio e a pessoa concretizar o ato é relativamente longo. Portanto, o trabalho deve começar na atenção básica. Precisamos elaborar estratégias que visem a prevenção do suicídio e a melhor forma de fazer isso é pela fala. O compromisso que a atenção básica deve ter é o de garantir a abertura de espaços de escuta qualificada e acolhimento legítimo. E, para isso, precisamos falar sobre suicídio, promover campanhas de conscientização, contribuir para remover o tabu desse tema e orientar a população.

Reforço o que é dito no texto: as pessoas que sofrem precisam de lazer, de afeto, de cuidado, de atenção e de acolhimento. É o que todos precisam. E reproduzir antigos modelos hospitalocêntricos com pessoas que tentaram suicídio é uma atitude muito perigosa. Pessoas em risco de suicídio costumam apresentar crenças muito negativas de si mesmas. Isolá-las e tratá-las como ‘pecadoras’ certamente não é uma boa alternativa. O suicídio precisa encontrar maior abertura, precisamos retirar esse tema do campo do interdito, pois só assim poderemos contribuir para mudar a realidade atual. Meu desejo é que sejamos capazes de acolher sincera e verdadeiramente essas pessoas, superando antigos preconceitos e retirando esse tema do campo de silenciamento.

 

Lancetti. A. & Amarante. P. (2009). Saúde Mental e Saúde Coletiva. In: CAMPOS, G. [et al.] Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Fiocruz, p. 615-634.

World Health Organization (WHO). (2014). Preventing Suicide: a global imperative. Genebra.