Saberes populares promovendo saúde e potência de vida

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A redação deste post está fundamentada na leitura do texto “As Cirandas da Vida e o Protagonismo Popular no Enfrentamento de Situações-Limite a partir das Culturas Sociais”, disponível nos anais do I Seminário sobre a Política Nacional de Promoção da Saúde.

O texto relata a proposta das Cirandas Populares como dispositivo de transformação da realidade através do compartilhamento de saberes. Mas que saberes? As cirandas buscam por saberes populares capazes de contribuir para o campo da saúde, no intuito de legitimá-los como promotores de saúde.

Contudo, a efetividade das Cirandas depende de uma lógica participativa a partir da qual os profissionais da rede de saúde possam se dirigir até as comunidades para aprender sobre sua história, sua cultura, seus saberes, suas verdades e contribuições, potencializando-as como estratégias efetivas de cuidado. Esta articulação é uma maneira de tornar os usuários do sistema sujeitos protagonistas na construção de práticas sanitárias.

A escuta coletiva é a principal ferramenta das Cirandas, apesar de integrar narrativas de diferentes sujeitos, com diferentes necessidades e desejos. Com esta ação participativa em que diferentes saberes são articulados é possível reconhecer as demandas de cada comunidade, suas situações-limite, vulnerabilidades, mas também sonhos e desejos da mesma forma intrincados com a produção de saúde dos coletivos.

Quando a população passa a integrar e protagonizar os processos de produção da saúde, sua organização se fortalece para enfrentar as situações-limite e para recriar sua realidade enquanto sujeito coletivo da transformação.

A proposta das Cirandas Populares vai de encontro à proposta de Souza Campos (2006) em “Clínica e Saúde Coletiva compartilhadas: Teoria Paidéia e Reformulação Ampliada do Trabalho em Saúde”, quando se refere ao Método Paidéia, indicando a co-produção de acontecimentos, a co-constituição de sujeitos e, portanto, a co-responsabilidade implicada em processos singulares. Segundo o autor, o “método Paidéia busca ampliar a capacidade das pessoas compreenderem e interferirem de modo deliberado sobre esta dinâmica” e, no caso das Cirandas Populares, especificamente sobre o seu processo saúde-doença.

As Cirandas Populares atuam num campo singular, determinado pelas relações do sujeito com o mundo em suas práticas cotidianas, onde as pessoas podem pensar sobre si e sobre o mundo, como uma intervenção de apoio que busca, assim como o Método Paidéia, auxiliar indivíduos e coletivos a desenvolverem maior capacidade reflexiva e, por conseguinte, maior capacidade de interferir sobre aquilo que os produzem. Desta forma, os sujeitos podem realizar suas práticas cotidianas com maiores graus de independência e autonomia. Enquanto agentes destas práticas, eles podem corrigi-las de modo que se tornem mais eficientes ao cuidado de cada um e de sua rede de relações.

Ao co-construir projetos de intervenção com as comunidades, como no Método Paidéia ou nas Cirandas Populares, os profissionais de saúde aumentam sua capacidade de auto-cuidado e, desta forma, acabam ampliando o seu poder de analisar e operar sobre suas demandas.

Muitas vezes a apreensão dos fatos pelos profissionais de saúde não corresponde à realidade concreta (GUATTARI; ROLNIK, 1996). Por isso, é sempre importante acessar as significações que são essenciais à representação que se tem dos fatos e este acesso só é possível quando se entra em contato com os mais diversos agenciamentos que produzem um sujeito ou um coletivo.

Sendo assim, as Cirandas Populares se configuram como um potente dispositivo capaz de acessar o contexto das comunidades e de compreender suas realidades para que os profissionais da saúde e a população possam construir juntos as melhores estratégias de saúde e cuidado. Essa modalidade de atuação parte do pressuposto de que as ofertas de um serviço de saúde aos seus usuários precisam fazer-lhes sentido para produzirem efeitos de transformação.

Para finalizar, basta dizer que, com base em Nietzsche (apud CZERESNIA, 2003), promover saúde não se trata de estabelecer verdades, mas de pensar o futuro, o crescimento, a potência e a vida dos coletivos e de cada sujeito em sua singularidade. Aquilo que sana as necessidades de um não é o mesmo para outro. Portanto, o conhecimento científico sobre a saúde não é único ou absoluto. Dar voz aos usuários e conceder-lhes um espaço de trocas e de reflexão sobre o seu processo saúde-doença é uma maneira eficiente de compreender o que está em jogo, o que precisa ser modificado, além de quais recursos uma comunidade e sua população dispõem para se envolver de forma efetiva nas práticas sanitárias e poder decidir sobre o que lhes produzirá os melhores e mais benéficos efeitos.

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise de Situação da Saúde. Anais: I Seminário sobre a Política Nacional de Promoção da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2009.

CAMPOS. Gastão Wagner de Souza. Clínica e Saúde Coletiva Compartilhadas: Teoria Paidéia e Reformulação Ampliada do Trabalho em saúde. [S.l.]: [S.e.], 2006.

CZERESNIA, Dina. Promoção da Saúde: Conceitos, Reflexões, Tendências. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2003.

GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: Cartografias do Desejo. 4. Ed. Petrópolis: Vozes, 1996.