Publicação realizada por Carlos Henrique Santos Góis Filho, acadêmico de medicina da Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Atualmente, cursando o estágio do Internato em Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFAL. Essa postagem relata a experiência e os aprendizados obtidos durante o estágio no CAPS Sadi Feitosa de Carvalho, em Maceió, sob responsabilidade do Professor Sérgio Aragaki.
No momento, ainda há muito estigma e discriminação com pacientes que necessitam de acompanhamento para cuidar da saúde mental, especialmente quando essa ajuda é psiquiátrica. Esse preconceito negativo ocorre por todos na sociedade, incluindo profissionais da área da saúde. Pensando nisso, é de fundamental relevância a atuação prática de acadêmicos da área da saúde dentro dos Centros de Atenção de Psicossocial, visto que o contato com os pacientes aproxima o acadêmico da realidade e ajuda enfrentar o preconceito ainda durante a formação profissional.
Durante as semanas que passei pelo CAPS, o aprendizado mais relevante foi o entendimento de que o paciente psiquiátrico possui uma vida além do CID diagnosticado, sendo necessário abordar em seu tratamento diversos aspectos da vida. Dessa forma, é possível resgatar a capacidade do paciente de cuidar de si mesmo conforme suas possibilidades, permitindo autonomia para o paciente.
Para estabelecer um cuidado amplo para os pacientes do CAPS, faz-se necessária uma equipe multiprofissional na rede de cuidado. No CAPS citado ocorrem atividades voltadas para diferentes áreas da vida. Durante o período de junho, época de São João e dia dos namorados, foram realizadas atividades que abordassem as festas juninas e também temas relacionadas a sexualidade, amor, autocuidado, amizades e enfrentamento de desafios na vida.
De acordo com o conceito da Organização Mundial da Saúde Organização, a saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença”. Quando os pacientes estão no CAPS não são tratados somente as demandas psiquiátricas, mas sim a saúde em todos os aspectos. Para isso a equipe é formada por nutricionistas, psicólogos, médicos da psiquiatria e da clínica médica, educadores físicos, enfermeiros, entre outros profissionais.
Cada atividade possui um foco diferente, a maioria das atividades que participei foi realizada pelo grupo “Movimente-se” e “Equilíbrio”. O grupo “Movimente-se” possui uma atenção especial para atividades físicas, as quais são realizadas através de músicas dentro do CAPS e atribuindo exercícios que podem ser realizados em casa, quando o paciente não pode comparecer no CAPS. É importante ressaltar que as atividades que são feitas no espaço citado devem trazer benefícios duradouros para o paciente, ou seja, que tenham uma aplicabilidade na vida deles e que possa garantir impactos positivos ao adotar as orientações. O grupo “Equilíbrio” trabalha temas psicossociais, como relacionamentos consigo mesmo e com outras pessoas, assim como enfrentar os desafios da vida. Orientações e exemplos práticos são feitos a todo momento permitindo interação entre os participantes e momentos especiais para que todos possam trazer as experiências pessoais dentro do grupo se for do desejo do participante. Isso estimula a participação dos demais membros do grupo e também ajudam aos demais pacientes a perceberem que o sofrimento e as dificuldades que estão sendo enfrentadas acontecem com todos estimulando melhores perspectivas e um olhar diferente sobre as adversidades e sobre o tratamento.
Entre outras atividades, destaca-se o papel do nutricionista que fica responsável pela definição dos lanches e orientações sobre educação alimentar. Mais uma vez, os grupos e as atividades são feitas para trazer aplicabilidade para a vida do paciente. Além das atividades semanais realizadas em grupo pelos participantes, existe o acompanhamento com o médico da psiquiatria e da clínica médica. Estes possui uma comunicação muito forte com os farmacêuticos para ajuste de medicações, troca de dosagens e dispensa de remédios. Ademais, toda equipe discute sobre os pacientes trazendo um acompanhamento do que está acontecendo em relação as atividades que o paciente participa, as medicações em uso, quando será as novas consultas médicas, quando o paciente está em egresso, entre outras observações. Tudo fica registrado nos prontuários dos pacientes e caso seja requisitado tem como verificar todo o histórico do indivíduo.
Assim como todo ambiente de trabalho e de serviço de saúde, só é sustentado por que profissionais que não são da área da saúde também estão atuando em prol do serviço. Todos os funcionários da limpeza realizam papel fundamental para a organização do ambiente permitindo um melhor acolhimento dos pacientes. Ademais, os profissionais do setor administrativo são funcionários que trabalham com os arquivos e registros do CAPS trabalham a todo vapor para disponibilizar as informações necessárias e garantindo a regularização dos pacientes sobre questões de cadastros e encaminhamento de outros serviços.
Por se tratar de um serviço com porta aberta, o CAPS realiza o acolhimento externo de qualquer indivíduo, porém nem sempre o paciente participará das atividades, visto que nem todo paciente que precisa de acompanhamento com psicólogo ou psiquiatra obrigatoriamente tem perfil para o CAPS. Dessa forma, o objetivo do acolhimento externo é inicialmente acolher o indíviduo e explicar a situação, quando for perfil CAPS inicia-se a entrada do paciente no serviço. Quando não é perfil CAPS, já é realizado o encaminhamento do paciente para outro serviço de saúde e recebem orientações adequadas de como procurar esses serviços. Saber identificar o perfil de cada paciente é essencial para o sistema de saúde pública e para o paciente, garantindo que os serviços prestados estejam em sintonia com as demandas daquele paciente.
Como acadêmico de medicina, destaco que o médico faz parte do processo do tratamento, mas é apenas um de vários pilares que conferem a saúde do paciente e a sua reabilitação. A equipe multiprofissional e a boa comunicação entre diversos profissionais promovem importante impacto para o objetivo final: cuidar dos nossos pacientes. Dedico esse texto para todos aqueles que abriram as portas para essa experiência e que me acompanharam durante o período do CAPS. Um forte abraço e gratidão eterna para toda equipe! “O que eu faço é uma gota no meio de um oceano. Mas sem ela, o oceano será menor”, Madre Teresa de Calcutá.
Por Nyaria Souza
O CAPS Sadi de Carvalho é um ambiente bastante acolhedor. Possui funcionários realmente comprometidos com suas funções, o que transparece uma atmosfera harmônica e eficiente. A minha recepção se deu de uma forma tranquila e adequada. Os setores dos quais participei – farmácia, triagem, grupos de atividades – foram ensinando aspectos diferentes, porém interligados, em prol de uma saúde de qualidade, em que não só são priorizados os aspectos da patologia diagnosticada, mas há uma responsabilidade coletiva e conjunta com questões sociais, relacionais, familiares e afetivas, de modo a demonstrar a importância de uma visão holística para trazer bem estar total para os usuários.
A saber, uma música chamada “Comida” relata bem a necessidade humana de, além de gozar saúde, ter outros direitos que o CAPS ajuda a garantir, como lazer, educação em saúde.
Segue o trecho:
“A gente não quer só comida
A gente quer comida
Diversão e arte
(…)
A gente quer prazer
Pra alivia a dor”
Nos encontros dos grupos, a ideia central é a participação ativa do acadêmico e pude perceber que, durante a execução da atividade, sentei entre eles, fui um deles, sem distinção, imersa naquele ambiente de saúde de uma forma diferenciada, sentindo-me importante também e beneficiada pelas orientações recebidas e pelas práticas executadas – a exemplo da atividade física.
Ademais, a arte, esse elemento impagável, proporcionou momentos criativos de enorme alegria, seja em uma tela, desenho ou na arte de dedicar tempo a jogos, como o dominó, exercitando a inteligência, de modo a, também, possibilitar interação social e aproximação entre usuários e discentes.
Tiveram também as atividades artísticas, ferramentas imprescindíveis para ser e estar no mundo, de uma forma bela e mágica, presentes no CAPS, o qual se constitui como um meio para dar vida às ideias e à criatividade. Essas questões são temas reafirmados por Nise da Silveira, alagoana e pessoa exemplar para a sociedade, a qual afirmou: “Não se curem além da conta. Gente curada demais é gente chata. Todo mundo tem um pouco de loucura. Vou lhes fazer um pedido: vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda. Felizmente, eu nunca convivi com pessoas ajuizadas. É necessário se espantar, se indignar e se contagiar, só assim é possível mudar a realidade.” Esses dizeres da grande psiquiatra reiteram que a arte é um meio de lou(cura), em que a vida se faz com seus símbolos e sua emoção. Pude, por fim, perceber que a interface loucura e sanidade pode ser tortuosa, tênue, mas de grande valia quando se pode compartilhar em forma de arte, principalmente. Agradeço aos professores envolvidos, colegas e todos os funcionários do CAPS Sadi de Carvalho que me receberam tão bem.
Comentário realizado por Nyaria Flêmera de Souza, acadêmica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas (FAMED/UFAL). Internato em Saúde Mental