O Sistema Único de Saúde (SUS) atende adequadamente às necessidades de saúde da população?
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Todas as opiniões aqui postas são próprias e apesar de haver recebido votos suficientes para ser publicada, não necessariamente correspondem às opiniões da Rede HumanizaSUS.
Esta pergunta estava em um questionário de pesquisa, segue abaixo a resposta.
Me coloco aberta ao debate.
Aproveite a leitura.
Não.
Por ser um espaço de disputas de poder, dentro do Sistêma Único de Saúde (SUS) também se apresentam todas as disputas correntes na sociedade em geral. Apesar de disposto nos Artigos de 196 a 200 da Constituição Federal de 1988 (CF88), na Lei 8.080/90, da concatenação do equiparado na Lei 14.532/2023 o crime de injúria racial ao de racismo e de tantas construções teóricas em sua defesa, não temos de fato a efetivação do direito à Saúde sobre território brasileiro, principalmente na especificidade da pessoa negra. Disto decorre que, no 2o país mais negro do mundo (atrás apenas da Nigéria), se observam discursos fatalistas até mesmo por parte de pessoas (muitas vezes gestores a nível central, no Ministério da Saúde, Agências e Órgãos que deveriam priorizar os princípios e diretrizes do SUS, da CF88, dos programas e planos) que têm permanecido estacionárias nas escusas: “Fizemos tudo que podiamos”, “o SUS é subfinanciado”, “o SUS está sucateado”… enfim, percebe-se na existência deste discurso uma ausência de comprometimento com a disrrupção do atualmente dado modelo de gestão e momento social. Existe uma complexidade que é mantida na obnubilação que se transmite frequentemente nas aulas de Saúde Coletiva: neste país, nunca houve democracia de fato ou uma coletividade, como descrita na CF88 “uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”, justamente por reproduções em todos os níveis de práticas, teorias e pensamentos que poderiam ser caracterizados como eugenistas.
Das existências de tais controvérsias, exponho o conceito de dialógica, compreendido dos escritos de Nicolescu sobre a transdisciplinaridade, 2000: “Porque somos tão inventivos, em todas as situações, em descobrir todos os perigos possíveis e imaginários, mas tão pobres quando se trata de propor, de construir, de erguer, de fazer emergir o que é novo e positivo, não num futuro distante, mas no presente, aqui e agora?“; “O desafio planetário da morte tem sua contrapartida numa consciência visionária, transpessoal e planetária, que se alimenta do crescimento fabuloso do saber. Não sabemos para que lado penderá a balança. Por isto é necessário agir com rapidez, agora. Pois amanhã será tarde demais.”(grifo meu) A articulação de ideias antagônicas ou não, que podem ser complementares (ou não), na busca da costura de diferentes saberes. Diante deste processo, pode-se fazer leitura das partes e das suas relações com o todo dos conhecimentos em busca da compreensão significativa da complexidade do mundo. O convite neste paradigma é, observação das lógicas postas, quais forem, elaboração de sentidos e compreensão das diferentes forças que se manifestam nos espaços de poder, para nelas incidir.
Após mais de 500 anos de invasão sobre território brasileiro, mais de 350 anos de escravidão, 135 anos de “abolição”, a maioria das leis prévias e posteriores à tal fraudulenta abolição, foram para aviltar o povo negro, lei do sexagenário, lei de terras, acesso à educação, criminalização de todas as práticas negras possíveis, candomblé, capoeira, samba, transitar livremente(vadiagem) e o uso da maconha; estes povos ainda vêm sucessivamente tendo seus direitos fundamentais vilipendiados pelo Estado brasileiro até mesmo com apoio da população secundário à manipulação midiática, como por exemplo: entregadores que fizeram passeata para não terem seus direitos trabalhistas reconhecidos. Na verdade a tradução simplista seria: é impossível a atenção adequada às necessidades da população, quando as gestões e espaços de poder são ocupados majoritariamente por pessoas que estão se beneficiando da atual lógica, seja por sua cor de pele (principal determinante social no Brasil), mas também por gênero, orientação sexual, crença, por suas idéias, etc.
Primeirissimamente, gostaria de os afirmar, já que estamos falando sobre Saúde, existe uma planta medicinal de uso tradicional negro que foi proibida justamente por ser de uso negro, a planta integral, a droga vegetal já é liberada e vendida livremente em diversos países do mundo, Canadá, (23 dos 50 estados americanos, sendo que em todos os 50 estados o CBD é suplemento alimentar de venda livre, não vinculado à necessidade de prescrição médica), no Uruguai, na Alemanha a partir de 01/04/2024… enquanto no Brasil temos a pior política de drogas do mundo segundo o Global Drug Policy Index, temos a polícia que mais mata no mundo… a virada de compreensão que eu gostaria de colocar é justamente: A necropolítica do Estado brasileiro tem como esteio hoje uma Portaria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (logo, SUS), a Portaria 344/98, que versa sobre substâncias sujeitas a controle especial, na Lista E e F do Anexo I estão plantas e substâncias sujeitas a controle da polícia, cita a Cannabis sativa e o THC . Ainda hoje, utiliza-se como escusa a Convenção Única sobre Entorpecentes – ONU (1961) emendada em 1972, sendo que a própria ONU já reclassificou a Cannabis em dezembro de 2020 e a ANVISA que se afirma tão célere e vanguardista, na verdade, outra coisa não tem feito através de sua gestão, senão, a preservação de seus privilégios brancos e a perpetuação do genocídio negro através da manutenção de uma Planta Medicinal (RDC 156/2017) de uso tradicional em tal posição.
Mesmo havendo Planos, Políticas e Projetos que incentivam o desenvolvimento da Ciência real, crítica, comprometida com o desenvolvimento social e a inovação, não limitada por crenças moralistas e racistas, como são: Plano juventude negra viva (pgs. 98 e 99); Política Nacional de Praticas Integrativas e Complementares; Política de Plantas Medicinais e Fitoterápicos; Política Nacional de Humanização, entre outras, ainda parece distante uma discussão profícua e profunda acerca de epistemologias não eurocentradas ao nos referirmos aos cuidados em saúde. Ademais, precisamos urgentemente interromper os escoamentos sucessivos e sistemáticos das verbas do SUS, tratos, contratos, leis e convênios que não têm seus propósitos, objetivos e ainda menos os resultados, alinhados aos interesses da população, aumentar fiscalização com celeridade para os vultuosos montantes que se subtraem dos cuidados de saúde, enquanto os olhos não se voltam, organizados para onde realmente deveriam. O senado e o congresso com as PEC 34/23 e PEC 45/23, têm avançado em afã supremacista, na lógica de aumentar a repressão, fiscalização e principalmente, encarceramento de uma população histórica e sucessivamente vulnerabilizada ante o olhar do sistema opressor. A Saúde precisa, pode e deve, se manifestar em defesa de todas as vidas, mas o princípio da equidade não deve mais ser omitido, enquanto se utiliza a justificativa pueril da proteção do bem jurídico da saúde pública, para constinuar o extermínio dos mesmos corpos, não apenas simbólica ou metaforicamente, mas literalmente, existe a necessidade pungente da assunção da Saúde de suas responsabilidades e competências com uma lógica vanguardista, progressista, antirracista, pluralista, antimanicomial, não tolerânte às incongruências… enquanto como Política e Sistema, ainda estivermos entregando vultosas quantias para (in)gerencia de pessoas cujo único compromisso é a manutenção do Status quo e os únicos interesses, aquisição de poder e riqueza pessoal, estaremos fadados ao insucesso.
Para arrematar, listo 3 conhecimentos fundamentais a meu ver, porém não em ordem de importância:
1) O SUS gasta hoje mais de 50% pagando atendimentos à saúde suplementar (planos de saúde), aproximadamente 80% dos habitantes do Brasil são usuários EXCLUSIVOS do SUS, portanto, se você tem plano de saúde, saiba que está nos ~20%. A saúde, educação e outras áreas sociais tiveram em 2016 seus gastos congelados até 2036 (EC95/2016).
2)Em 1958 (há 65 anos) o Ministério da saúde escreveu um livro chamado: MACONHA: coletânea de trabalhos brasileiros, cujo inteiro teor está disponível ao googlarmos: Maconha 1958. No prefácio da 2a edição está EXPLICITAMENTE POSTO que: A maconha era um problema para todos que cuidavam da EUGENIA da “raça”. Nas página 11 e 277 em ações terapêuticas, cita para dor de dente, nevralgia dentária, além de outras afecções. (eu, particularmente, conheci uma paciente que teve melhora significativa de DTM após uso tópico de pomada feita a partir da planta integral).
3)O Brasil e os brasileiros beneficiados de tanta lógica opressora ainda em vigência, em geral ainda está na 1a fase do LUTO (a perda próxima dos privilégios), a NEGAÇÃO, não se reconhecendo como racista que é e que somos. Para exemplificar o tamanho da nossa questão, trago trecho do livro (O Genocídio do negro brasileiro, Abdias Nascimento, 4a ed, 3a reeimpressão, 2020, pg.105): “IMAGEM RACIAL INTERNACIONAL. A imagem racial internacional projetada pelo Brasil oficial, entretanto, é outra bem diferente dessa que acabamos de expor. Em 1968(há 55 anos), para exemplificar, um delegado do Brasil nas Nações Unidas, durante a discussão da doutrina apartheista da África do Sul, afirmou o antirracismo do país, declarando o seguinte: “Essa posição é conhecida e é invariável. Ela representa a essência mesma do povo brasileiro, que nasceu da ‘fusão harmoniosa’ de várias ‘raças’, que aprenderam a viver juntas e a trabalhar juntas, numa exemplar comunidade”. Esclareçamos de início que essa delegação se compunha exclusivamente de brancos, pois um dos setores tradicionalmente mais discriminadores contra o negro é precisamente o Ministério de Relações Exteriores. Não temos embaixadores de cor negra e nem qualquer negro na função de representante diplomático, enquanto até os Estados Unidos, país notoriamente racista, delega a algumas dezenas de negros a chefia de suas missões diplomáticas em diversos países do mundo. A própria missão dos Estados Unidos junto às Nações Unidas está, no momento, encabeçada por um negro: o embaixador Andrew Young.” E continua afirmando que: A declaração do representante brasileiro é demagógica. Joaquim Nabuco já havia denunciado… Declarações que soam como um insulto à inteligência da comunidade negra, se já não fossem, em si mesmas, um sintoma de insensibilidade moral e desprezo pelos direitos humanos dos afro-brasileiros.
Havendo dito isto, exponho que: não existe democracia onde existe racismo e secundariamente a todas as colocações aqui postas, mas não limitadas a elas, basta observar os montantes do PIB destinados à “segurança e militares”, chegaremos à conclusão determinante de nosso atual momento e espero, prontamente superada para a estruturação de um novo momento: o Brasil é o país mais racista do mundo. Para uma implementação profícua de um SUS que não tolere incongruências aos seus princípios e diretrizes, não apenas neste espaço de poder específico, gestão do SUS, mas em todos os espaços de poder, com representação paritária e isônoma e escuta atenta. Ou seja, há 135 anos neste país se “aboliu” a escravidão, porém os negros ainda não foram tornados cidadãos em 2024, primeiramente, nem têm acesso ao básico, liberdade individual e autonomia… por determinação da própria “Saúde”, secundariamente, nem acesso à própria saúde, dignidade ou mesmo à vida, pelos mesmos motivos já expostos.
No geral, essa crítica será minimizada, silenciada e descartada por pessoas que se sentiram afetadas desde as primeiras linhas pelas exposições aqui postas. Ainda teria muitíssimo mais a discorrer… sobre como no meu espaço de trabalho fui obrigada a ver e vivenciar diversas agressões… ver uma mulher negra, analfabeta, morrer no dia 02 de janeiro de 2023 diagnosticada com Tuberculose, dentro do seu barraco, mesmo morando a duas quadras do CS Cássio Raposo e havendo recebido alta do Hospital Irmãos Penteado; como na triagem da maternidade de Campinas os consultórios não têm pia, os filtros não têm as validades exibidas, pacientes gestantes estavam deitadas em macas que estavam encostadas em quadro de energia, as que precisavam de medicação ficavam em cadeiras simples, como as cadeiras de espera, não poltronas, nenhum pouco confortáveis; por vezes professores de Saúde Coletiva (maioria branca, hétera e privilegiada, parece não haver compreendido a questão aqui posta em seu fudamento)… ou, foi cooptada pelo sistema… enfim. Jamais se saberá.
Por um Brasil autenticamente pluralista, plástico e revolucionário, o negro deve ser integrado de fato à sociedade, não sendo mero depósito de bala de fuzil, limpador de privada (um trabalho extremamente DIGNO, feito por minhas antepassadas, minha mãe inclusive). MAS… já passamos do tempo de avançar para que todos tenham acesso a esta controversa privada e cada um limpe a SUA!!! Pelo fim da supremacia branca no país que mais escravizou negros Africanos do MUNDO e NUNCA os reparou por NENHUM DOS CRIMES que ocorreram e continuam OCORRENDO como disposto pela Portaria 344/98 e a Lei de Drogas 11.343/98, com TODA TRANQUILIDADE e CERTEZA DE IMPUNIDADE DO MUNDO. Nós, que não nos sentimos contemplados pelas atuais posições, Lutemos pelo SUS e o Brasil que queremos.
Avancemos!