Relato de Experiência: Práticas Integrativas e a Valorização dos Trabalhadores na Saúde

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INTRODUÇÃO

A saúde dos trabalhadores é uma questão central nas discussões sobre a promoção de ambientes de trabalho saudáveis e a melhoria das condições laborais, especialmente no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS). Compreender os impactos que as dinâmicas organizacionais, as relações interpessoais e as estruturas institucionais exercem sobre os profissionais da saúde é fundamental para garantir o bem-estar e a valorização desses trabalhadores. Nesse sentido, o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) – Equidade, do qual fazem parte estudantes de diversas áreas do conhecimento, incluindo as Ciências Sociais, tem se dedicado a investigar e propor soluções para a melhoria das condições de trabalho no SUS, com foco na interprofissionalidade e na promoção da equidade.

Este relato de experiência tem como objetivo descrever e refletir sobre a visita realizada ao Núcleo de Saúde Pública (NUSP) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e à sua Sala de Cuidados. A visita buscou aprofundar o conhecimento sobre a contribuição das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) no cuidado com os trabalhadores, bem como discutir a organização do trabalho na saúde e seus efeitos sobre a saúde mental dos profissionais. A partir da perspectiva das Ciências Sociais, abordaremos conceitos fundamentais para a análise das condições de trabalho no setor, como anomia e violência simbólica, contribuindo para o debate sobre a valorização dos trabalhadores da saúde e as implicações da precarização do trabalho no SUS.

METODOLOGIA 

Trata-se de um relato de experiência de 5 estudantes de graduação da Universidade Federal de Alagoas, membros do PET-Saúde Equidade, e seu preceptor, conhecendo o Núcleo de Saúde Pública (NUSP), sua história e um dos seus frutos, a Sala de Cuidados.

A visita foi realizada com o objetivo de conhecer e compreender a ideia por trás do NUSP e seus benefícios para a saúde dos trabalhadores, tanto da universidade quanto do entorno, e dos futuros trabalhadores (estudantes).

RELATO DE EXPERIÊNCIA

A reunião foi agendada para o dia 18 de outubro de 2024, às 8h. A princípio, o grupo resolveu pendências deixadas da semana anterior, iniciando com os resultados da busca por referências em saúde do trabalho de cada área do conhecimento representada no grupo.

Nesse contexto, discutimos a contribuição das Ciências Sociais no que se refere à relação dos trabalhadores com o trabalho na Unidade Básica de Saúde (UBS) UDA UFAL.

Acreditamos que a saúde mental é afetada principalmente pela forma como está organizada a dinâmica de trabalho e pela falta de uma interação valorativa, ou seja, que reconheça a importância do trabalho do outro dentro da dinâmica de trabalho. Além disso, os funcionários se limitam a ser uma peça na engenharia da produção; eles são atravessados pelas interações sociais cotidianas, como problemas com a família, os usuários e os próprios colegas de trabalho.

Dessa forma, trouxemos os conceitos de alguns autores, como violência simbólica e capital social de Pierre Bourdieu e anomia de Émile Durkheim. A divisão do trabalho na saúde pode ser vista como uma forma de anomia moderna, onde os trabalhadores ficam alienados de sua atividade laboral. A divisão do trabalho cria uma situação em que cada trabalhador tem um papel específico, e isso acaba sendo executado de uma maneira involuntária devido à dinâmica do trabalho na saúde. Assim, o trabalhador acaba não tendo uma visão geral do trabalho como um todo. Isso pode levar a trabalhadores que se sentem desconectados do propósito social de sua atividade, resultando em adoecimento mental e tornando-a simplesmente uma atividade especializada e isolada, o que pode ser considerado uma forma moderna de anomia.

De tal maneira, as teorias de Pierre Bourdieu podem contribuir significativamente para a análise do trabalho no contexto do SUS, principalmente ao lançar luz sobre as dinâmicas de poder e desigualdade presentes nas relações laborais, assim como sobre a estrutura social que impacta a saúde dos trabalhadores. Algumas das principais contribuições de Bourdieu para esse tipo de análise incluem:

Violência simbólica: Bourdieu define violência simbólica como uma forma de dominação invisível que é internalizada pelos indivíduos de modo quase inconsciente. No contexto do trabalho na saúde, isso pode ser observado quando os trabalhadores aceitam e reproduzem condições de precarização, sobrecarga e desvalorização sem contestar, por acreditarem que tais condições são “naturais” ou inevitáveis. Essa dominação pode prejudicar a saúde mental dos profissionais ao minar sua autoestima e motivação.

Capital social e capital cultural: O conceito de capital social, que se refere às redes de relações e ao apoio que se pode obter por meio delas, é relevante para compreender como as interações entre os profissionais de saúde podem influenciar a valorização do seu trabalho. A falta de reconhecimento ou apoio por parte de colegas, gestores e usuários pode aumentar a sensação de isolamento e alienação no trabalho. Além disso, o capital cultural, que envolve conhecimentos, habilidades e competências valorizados em determinado campo, pode estar em jogo na maneira como certos saberes e práticas (como as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde – PICS) são reconhecidos ou marginalizados dentro do sistema de saúde.

Habitus: O habitus é um conjunto de disposições internalizadas que orientam as ações e percepções dos indivíduos em suas práticas sociais. No ambiente de trabalho, os profissionais podem desenvolver um habitus que se conforma às exigências institucionais, muitas vezes às custas de seu próprio bem-estar. O trabalho sob pressão e as condições precárias podem levar à naturalização do sofrimento, tornando-se parte do habitus desses trabalhadores.

Campo e luta simbólica: O campo da saúde pode ser analisado como um espaço de lutas simbólicas, onde diferentes atores (gestores, profissionais, usuários) disputam recursos e reconhecimento. Essas disputas podem envolver questões como a valorização de determinadas práticas de cuidado, as condições de trabalho e a alocação de recursos, com impactos diretos na saúde dos trabalhadores. As pressões do campo privado sobre o SUS, por exemplo, podem resultar na precarização das condições laborais, refletindo a luta pelo controle e gestão do setor.

Ademais, pensando nas reflexões trazidas, iniciou-se o momento de discussão das possibilidades de dinâmicas com os profissionais da Estratégia de Saúde da Família (ESF) pensando na valorização do trabalhador. Entre as opções listadas estavam:

  • Trabalhadores de uma área elogiando o trabalho de outra área;
  • Estímulo do reconhecimento por parte do usuário;
  • Conscientização da importância da interprofissionalidade;
  • Reflexão sobre as demandas e a capacidade da equipe.

A partir disso, para melhor adequação e compreensão da função do grupo universitário na realidade de trabalho da ESF, houve uma discussão sobre o modelo de saúde comumente adotado pelas gestões municipais de saúde nas capitais do país e o consequente fim programado da ESF.

Discutimos a estrutura organizacional do SUS no estado de Alagoas e a natureza dos serviços de saúde ofertados — públicos e privados — e como a qualidade desses serviços impacta a população usuária e os trabalhadores do SUS. A capital, Maceió, avança em parcerias público-privadas através de modelos privatistas e terceirizados, como as Organizações Sociais (OSs), que estão dominando a Atenção Básica à Saúde. Isso tem levado à precarização tanto dos serviços destinados aos usuários quanto das condições de trabalho dos profissionais, que se sentem sobrecarregados e, em muitos casos, são vítimas de assédio. Com a gestão sendo transferida ao setor privado e a escassez de concursos públicos para fortalecer a atenção primária por meio da Estratégia Saúde da Família, a tendência é que o acesso ao SUS se torne cada vez mais restrito e a insegurança dos trabalhadores da saúde seja cada dia mais comum.

De tal modo, enfatizamos a importância de debater o processo saúde-doença, pois é por meio desse debate que avançamos na compreensão da saúde de forma ampla — não apenas como a ausência de doenças ou um caráter curativo e hospitalizante — como era antes do Movimento da Reforma Sanitária na década de 1970 e da Constituição Federal de 1988. É essencial considerar todas as suas variáveis: moradia, saneamento, alimentação, trabalho, escolaridade e renda; pois é através dessas variáveis que a equidade — um dos princípios do SUS — pode ser melhor trabalhada e efetivada.

A segunda parte da reunião foi dedicada ao conhecimento do NUSP e à sala de cuidado. Dessa forma, o Núcleo de Saúde Pública surgiu junto com o SUS com a finalidade de desenvolver ações de pesquisa e extensão tanto na graduação quanto na pós-graduação; atualmente está vinculado à Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas e conta com a colaboração dos outros cursos da saúde.

Uma das suas iniciativas é a Sala de Cuidados que oferece cuidados holísticos à saúde com a aplicação das Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS), que são importantes para a saúde do trabalhador pois promovem o bem-estar físico e mental; reduzindo o estresse e a ansiedade; o que se reflete em um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo. Essas práticas, como reiki, yoga, auriculoterapia, acupuntura, ventosaterapia, e reflexologia podal, abordam a saúde de forma global contribuindo para a prevenção de doenças e melhorando a qualidade de vida.

RESULTADO

Diante das discussões e das experiências vivenciadas, percebemos que a compreensão das dinâmicas de trabalho e saúde dos trabalhadores é complexa e multifacetada. O PET-Saúde Equidade desempenha um papel essencial ao abordar essas questões sob diferentes perspectivas, considerando a saúde mental dos trabalhadores como um componente fundamental do processo saúde-doença. A introdução de conceitos das Ciências Sociais, como violência simbólica e anomia, enriquece nossa compreensão sobre a alienação e a fragmentação do trabalho na saúde. Além disso, a reflexão sobre a precarização do trabalho na Atenção Básica e o impacto das parcerias público-privadas reforça a necessidade de políticas que valorizem tanto os trabalhadores quanto o SUS como um todo. Por fim, o conhecimento sobre Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) e sua aplicação na Sala de Cuidados do NUSP destaca a importância de abordagens holísticas para promover o bem-estar no ambiente de trabalho.

CONCLUSÃO

A experiência relatada evidencia a relevância de integrar as Ciências Sociais na análise das condições de trabalho e da saúde dos profissionais no SUS. A alienação dos trabalhadores e a precarização do serviço público de saúde, agravadas por modelos privatistas, impactam diretamente o bem-estar físico e mental desses profissionais. O PET-Saúde Equidade, ao adotar uma abordagem interdisciplinar, tem o potencial de contribuir significativamente para a valorização dos trabalhadores, propondo ações que promovam reconhecimento, interprofissionalidade e reflexões sobre a organização do trabalho na saúde. Iniciativas como as PICS são fundamentais para essa valorização, pois promovem um cuidado integral e humanizado, refletindo o princípio da equidade no SUS. Assim, a articulação entre as áreas do conhecimento envolvidas no PET-Saúde é essencial para avançar na promoção da saúde e na construção de ambientes de trabalho mais justos e saudáveis.

Autores: 
Bruna Emília do Nascimento Santana – Instituto de Educação Física e Esporte UFAL

Gildo Ferreira da Silva – Instituto de Ciência Sociais UFAL

Laura Milena da Silva Nascimento – Faculdade de Serviço Social UFAL

Maria Victoria Oliveira Pereira Rego – Escola de Enfermagem UFAL

Pedro Eugênio Silva Barros – Instituto de Ciência Sociais UFAL

Tobias de Souza Falcão – Unidade Docente Assistencial UFAL