Entre Dados e Cuidados: Reflexões sobre a Vivência no PET-Saúde Informação e Saúde Digital em Maceió
Autores: Amós Cordeiro de Moraes e Erivaldo dos Santos Santana
Monitores PET-Saúde Digital – GAT 12 da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)
Coautora: Maria Joselia Cardozo de Melo
Fisioterapeuta – Secretaria Municipal de Saúde de Maceió/AL – eMulti
Nossa experiência na Atenção Primária maceioense, durante estas quatro semanas de imersão, pelo PET Saúde – I&SD, foi marcada por contrastes e aprendizados intensos. Esta vivência iniciou com a construção de vínculos: enquanto aguardávamos a preceptora Joselia na Unidade Docente Assistencial (UDA), tivemos a oportunidade de trocar experiências sobre o universo da medicina e da educação física. Este contato inicial já anunciava a riqueza da interprofissionalidade proposta pelo projeto, que envolve diferentes visões sobre o cuidado.
Num primeiro momento, nossa atuação parecia ser unicamente técnica, deveríamos aplicar questionários sobre o uso das mídias digitais, coletar esses dados e auxiliar a preceptora no que fosse necessário. Contudo, o campo alterou esta ideia e à medida que os pacientes foram respondendo as perguntas, o protocolo se rendeu à vida real. Dessa forma, o momento se desenrolou como um espaço de acolhimento e aprendizado mútuo.
Escutamos relatos diversos: desde idosos com uma rotina ativa de exercícios, até aqueles que trouxeram as dores do envelhecimento, do medo da exclusão digital e das dificuldades de acesso aos serviços. Ali percebemos que cada pessoa traz uma história única, que pede um olhar para muito além do papel ou do formulário. Foi motivador perceber que, na maior parte das vezes, o que estes pacientes mais precisavam não era necessariamente de uma orientação técnica imediata, mas alguém que estivesse disposto a escutar, com respeito e empatia. A partir disso, a escuta ativa passou a ser a ferramenta mais utilizada no nosso dia a dia, possibilitando também a construção de momentos de leveza onde rimos juntos e conversamos sobre o cotidiano e costumes. Essa experiência nos fez perceber que o desenvolvimento do cuidado em saúde passa crucialmente pelo bem-estar emocional e pelo vínculo construído.
Essa dimensão humana também se fez presente na reunião do Núcleo LGBTQIAPN+ da unidade. Um espaço de educação permanente muito rico, onde discutimos sobre as Diferenças no Desenvolvimento Sexual (DDS) e sobre desconstrução de preconceitos. Porém, o alerta da preceptora de que o núcleo sofre resistência interna de alguns dos profissionais nos fez refletir sobre as barreiras invisíveis que ainda existem na porta de entrada do SUS e como é fundamental que a Saúde Digital não reproduza esses vieses.
Por outro lado, a experiência vivida na unidade nos permitiu muitos aprendizados técnicos, muitas vezes advindos dos próprios desafios estruturais. Em uma das visitas, os atendimentos assistenciais estavam paralisados em razão da ausência de material de limpeza e transformamos esse desafio em uma oportunidade de imersão administrativa no sistema e-SUS (PEC). Foi um momento de aprendizado muito rico para nossa formação: nós saímos da passividade teórica da graduação para lidar com a ferramenta na prática, registrando as atividades coletivas e as reuniões da equipe e-Multi. O contato real com o prontuário foi um prazer acadêmico, possibilitando a compreensão da lógica do preenchimento de dados e de protocolos como o de visita domiciliar. É verdade que percebemos algumas limitações, como a ausência de recurso para cadastro de grupos recorrentes e a quantidade limitada de computadores para a equipe, mas vivenciar na pele essas questões internamente nos levou a ter um olhar muito mais maduro e realista sobre como os dados são geridos pelos profissionais.
Nas visitas domiciliares, ao auxiliarmos a preceptora na realização das sessões de fisioterapia, pudemos perceber como a realidade do território se impõe de forma inegável. Encontramos famílias lidando com a falta de insumos mínimos e com condições sanitárias precárias, como o convívio com o esgoto a céu aberto na porta de casa. Outro aspecto que nos chamou a atenção foi o de se deparar com crianças limitadas ao uso excessivo de telas não apenas por escolha, mas porque o ambiente externo se mostrava pouco convidativo ao brincar, indicando a urgência de ações de letramento digital e elaboração de estratégias de lazer em espaços reduzidos.
Por fim, destacamos como momentos de grande impacto os agradecimentos que recebemos de alguns pacientes apenas por terem sido ouvidos. Foi nesses momentos que sentimos o verdadeiro valor do nosso papel. Essa vivência nos ensinou que cuidar vai muito além de preencher o prontuário eletrônico ou de seguir a conduta técnica; cuidar é ouvir, entender, respeitar e se colocar no lugar do outro. Saímos dessa vivência com um sentimento de gratidão e encantamento, com a certeza de que a formação em saúde precisa cada vez mais se aproximar da humanidade que se encontra na vivência da realidade.