Faltam leitos para doente mental
Mais uma matéria sobre dificuldades que continuam a ser enfrentadas no processo de humanização da Saúde Mental 18 anos após a conquista da reforma psiquiátrica. Esta foi publicada no último domingo (21) pela Folha de S. Paulo. Faltam leitos para doente mental Baixo n. º de serviços especializados no País deixa longe da realidade o modelo descentralizado de atendimento Emilio Sant’Anna e Simone Iwasso A mudança no modelo de assistência à saúde mental no Brasil deveria ter resultado na criação de uma rede descentralizada de atendimentos, longe dos antigos hospitais psiquiátricos. Hoje, porém, o que se constata é a falta de serviços especializados para receber os pacientes. Os 1. 202 Centros de Atenção Psicossocial (Caps) – principal recurso terapêutico -, por exemplo, representam uma cobertura de 0, 51 unidades por 100 mil habitantes, pouco mais de 50% do necessário. Esse não é o único problema. A relação de leitos destinados a pacientes psiquiátricos em hospitais-gerais no País é de apenas 0,25 por mil habitantes, quando deveria ser de, no mínimo, 0,45, segundo definições da Política Nacional de Saúde Mental. O resultado dessas carências é a criação de uma demanda reprimida por tratamento adequado. Ou seja, pessoas que não recebem a atenção necessária. "A expansão está se dando de forma lenta, pois ainda há dificuldades em instalar esses leitos", reconhece Karime Porto, da área de saúde mental do Ministério da Saúde. O Estado de São Paulo, com mais de 39 milhões de habitantes, tem hoje 482 leitos. O número de Caps também é pequeno: 183, o que equivale a 0,43 por 100 mil habitantes. Entre os 27 Estados, São Paulo ocupa a 17ª posição no ranking da relação entre Caps e habitantes. Sergipe, com quase 2 milhões de habitantes e 25 Caps, está no topo, com 0,90. Para reavaliar pelo menos uma das necessidades do sistema, o Ministério da Saúde criou grupos de trabalho para acompanhar a implantação de leitos psiquiátricos em hospitais-gerais. De acordo com portaria publicada no Diário Oficial da União neste mês, os grupos de trabalho têm 90 dias para produzir um relatório. "Precisamos aprofundar essa avaliação, pois a rede de assistência à saúde está implantada de forma heterogênea no País", diz Karime. Segundo ela, em relação ao número de leitos a situação é melhor do que parece. As novas diretrizes da pasta contabilizam o total de leitos disponíveis em todos os recursos de acolhimento noturno existentes na rede, como os Caps 3 (centros especializados que funcionam 24 horas). "Quanto melhor a efetividade da rede menor a necessidade de leitos de atenção integral". Para o professor titular de psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) Valentim Gentil Filho, o modelo de atenção à saúde mental em curso no Brasil está equivocado. "Do que adianta ter 1,2 mil Caps se não sabemos o que eles fazem? ", pergunta. "No dia em que acabarem as doenças mentais, poderemos acabar de fato com os hospitais". "Tivemos uma hegemonia dos hospitais que resultou em150 anos de desastre. É difícil um processo de dez anos, que é o da reforma, conseguir dar conta dos problemas que o modelo antigo em mais de um século não deu", rebate Marcos Vinícius de Oliveira, professor da Universidade Federal da Bahia e vice-presidente do Conselho Federal de Psicologia.