CICLO DE DEBATES ABORDA OS DISCURSOS SOBRE A SEXUALIDADE
O Lappis, em conjunto com o Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), realizou o primeiro encontro do Ciclo de Debates Medicalização, ideologia e ciência: quo vadis?, na segunda-feira, 16 de setembro, no auditório 51 da UERJ, campus Maracanã.
O debate mediado por Roseni Pinheiro (Lappis/IMS/Uerj) reuniu o deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), Sergio Carrara (CLAM/IMS/Uerj) e Kenneth Camargo (IMS/Uerj), possibilitando um diálogo entre o meio acadêmico e político, sobre a construção das narrativas sobre a homossexualidade, no questionamento do modo como atualmente o discurso médico e psiquiátrico afeta a sexualidade e as consequências políticas desta incidência.
Medicalização – O professor associado da UERJ, Kenneth Camargo, deu inicio as atividades, abordando os discursos sobre a medicalização da sexualidade. Ele contextualizou sobre como a homossexualidade passou a ser tratada como procedimento médico.
“Medicalização é uma palavra que tem sido dita e abusada. Tem várias formas. Várias definições. Ela começou a ser utilizada com tanta frequência que perdeu um pouco do seu significado. Muitas vezes as pessoas confundem a medicalização como se fosse somente uma questão de prescrever remédios. Mas trabalho com a definição do sociólogo Peter Conrad, que procurou definir a medicalização como o processo de tratar a homossexualidade como problema médico. Visualmente abordado como forma de doença ou desordem. Essa definição tem uma série de implicações que parecem que são muito importante para área da saúde, pois ela não tem uma conotação moral a priori.”
Boas e más ciências – Já o coordenador do Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ), Sérgio Carrara, falou que devemos pensar a medicalização como parte de um processo conflituoso de interpretações num campo tenso de forças políticas.
“Existem consequências, melhores ou piores, para os sujeitos que essas interpretações se aplicam. Tem questões éticas. É impossível separar boas e más ciências, mas não por serem algumas ideológicas e outras não. Os valores sociais estão presentes em todas as interpretações. Temos um discurso médico que vai racionalizar a homossexualidade como uma doença, um distúrbio nervoso ou um desarranjo hormonal. Já outro discurso trata a homossexualidade como uma variação natural da espécie, da sexualidade”.
Identidade de gênero – Com a palavra, o deputado federal Jean Wyllys fez um breve relato histórico para contextualizar a homossexualidade. Segundo ele, ao longo dos séculos, os valores ligados ao tema se materializaram na língua e foram transmitidos de geração a geração. Em um primeiro momento, a homossexualidade foi considerada um pecado. Depois, ao ser transferida para o campo jurídico policial, passou a ser vista como uma ação criminosa. Por último, quando migrou para o campo da ciência médica, passou a ser uma doença e, nesta última passagem, há um enfrentamento da intolerância relativa ao tema homossexualidade. “Era melhor ser visto como doente do que como pecador ou criminoso”, destaca.
O deputado defende o tratamento psicológico dos homossexuais, cujo sofrimento advém de uma cultura de preconceito contra essa identidade de gênero, que sofre com insultos e injurias. “A língua se inscreve na gente, ela produz efeitos. Daí advém a culpa, o sofrimento, isso está na cultura em geral, na caricatura construída para nos representar. É preciso ajuda para por abaixo essa subjetividade e assumir a sua identidade de gênero. A psicologia não nega esse sofrimento, agora o fim disso não pode ser o negar a si mesmo”, observa.
No Congresso – No enfrentamento político desta questão, Jean tem elaborado projetos de lei como o que altera o Código Civil para reconhecer o casamento civil e a união estável entre pessoas do mesmo sexo e o projeto João W. Nery, que estabelece os mecanismos jurídicos para o reconhecimento da identidade de gênero, permitindo às pessoas a retificação de dados registrais, incluindo o sexo, o prenome e a imagem incluída na documentação pessoal.
Ele também defende a inclusão da homofobia no Código Penal como motivo torpe, mas é contra a sua criminalização. Para ele a homofobia precisa ser enfrentada de forma sistêmica, com políticas públicas de educação inclusivas e políticas de saúde discriminatórias. “A saída da vida é uma caminhada. Em todas as suas expressões os homossexuais merecem respeito”, afirma.
Com relação ao histórico de enfrentamento da homofobia, citando Beto Guedes na canção Sol de Primavera, Jean lembrou que “Já choramos muito, muitos se perderam no caminho / Mesmo assim não custa inventar uma nova canção que venha nos trazer / Sol de primavera abre as janelas do meu peito/ a lição sabemos de cor só nos resta aprender”, concluiu.
Ciência Crítica – Em suas considerações finais, Roseni Pinheiro ressaltou a importância da reconciliação entre as ideias: política, ciência e ideologia no enfrentamento e na busca de ações contra todo tipo de discriminação, inclusive da homossexualidade.
“Essa é apenas a ponta de um iceberg sobre os saberes que sustentam todo tipo de discriminações, que desde a razão clássica e mesmo na razão moderna insiste em reiterar. Está mais do que na hora de repensarmos o entendimento do direito à saúde como direito humano ao cuidado, e não somente a assistência médica. Hoje, tenho mais tranquilidade e clareza para afirmar que a luta por direito humano ao cuidado, carece de um posicionamento ético-político e educativo capaz de reconciliar os abismos epistemológicos, muitas vezes forjados, do lado acadêmico pelo positivismo cientifico, de outro, pelo purismo ideológico-político, que nos afasta da ideia que o professor Kenneth chama de crítica à ciência e uma ciência crítica”, analisa.
Por Maria Luiza Carrilho Sardenberg
para os que não puderam estar presentes. A luta continua!