Muitas histórias para contar
Compartilho na rede artigo publicado no Diário de Natal sobre o trabalho realizado pelas equipes de saúde da família de SOLEDADE I e PANATIS
Rafael Duarte [email protected]
Cidades
Edição de terça-feira, 9 de junho de 2009
Histórias de vida e superação: Projeto Tenda do Conto estimula memória e socialização de pacientes de postos de saúde na Zona Norte de Natal
Rafael Duarte // [email protected]
Olívio Martins Viana passou mais da metade da vida sem saber escrever o próprio nome num pedaço de papel. Hoje, aos 88 anos, tem três livros de poesia lançados na praça, o primeiro publicado já perto dos 70. Nem todos creem em milagres, mas histórias milagrosas e de superação, como a do velho Olívio, existem sim. Muitas delas são contadas, há dois anos, por um grupo formado por pacientes – a maioria hipertensos e diabéticos – dos postos de saúde do Panatis e de Soledade, na Zona Norte. Através do projeto Tenda do Conto, eles redescobriram que existe vida além da solidão e da depressão das doenças que afligem os frequentadores das unidades de saúde da capital.
O poeta Olívio Martins Viana, 88 anos de idade, tem três livros publicados e conta suas histórias no projeto.
Idealizado pela enfermeira Jaqueline Abrantes, a conversa acontece toda primeira quinta-feira do mês, no pátio do posto de saúde do conjunto Panatis. Por conta da reforma na unidade, a contação de histórias vem sendo realizada no espaço verde da área de lazer do bairro. O cenário montado pela turma tem uma cadeira de balanço e vários objetos antigos de família trazidos pelos próprios pacientes. Quem senta na cadeira, conta a história do objeto que trouxe e a importância que tem na vida de cada um. "Depois que começamos o projeto, a própria relação do funcionário com o paciente melhorou. Quando nos vemos no posto de saúde, perguntamos sobre a família, sobre os filhos, se aquele neto nasceu", disse a enfermeira.
"Eles pesquisam objetos antigos e isso mexe com toda a família. Teve um senhor que trouxe um dia o anel que deu à esposa, já falecida".
Jaqueline foi convidada para apresentar o "Tenda do Conto" no Seminário Nacional de Humanização, em Brasília. "O objetivo do projeto não é a cura, mas um exercício da saúde mental dos pacientes para que eles saiam da depressão e da solidão".
Desafios
A história de vida contada pelo vigilante aposentado Olívio Martins Vieira merece umas boas horas de atenção. Natural de Santa Cruz, fez o Mobral no município de origem para aprender a escrever o próprio nome, condição necessária para conquistar a vaga de vigilante em uma empresa. Ao sair de casa para o primeiro dia de aula, o recado da esposa: "Papagaio velho não aprende a ler não, Olívio!". A resposta veio na hora: "Então vou ver se aprende ao menos um beliscão, mulé!". Deu certo.
Objetivo alcançado aos 48 anos, ele descobriu na feira da cidade, alguns anos depois, que queria ser poeta ao ver e ouvir a beleza dos versos cantados por uma dupla de repentistas. Escreveu três poemas numa folha de caderno e guardou até o dia em que conheceu o poeta José Alves Sobrinho, que apresentava um programa na TVU, nos anos 80. "Pedi permissão a meu patrão para entregar meus poemas ao poeta José Sobrinho. Como eu não sabia escrever bem, as palavras que tinham esse negócio de ‘sc’, ‘sh’, ‘ç’, ‘xc’ e ‘sx’ eu deixava em branco para as pessoas colarem para mim. Ele disse que eu era poeta bom e me deixou apresentar os versos no programa. Publiquei o primeiro livro com quase 70 anos e hoje já tenho três lançados".
Por Shirley Monteiro
Jaqueline,
Acabo de encaminhar a reportagem pelo e-mail da rede, no impulso de compartilhar a tão feliz e bela reportagem. Não me arrependo, uma vez que no e-mail deu para aparecer a imagem iluminada do Poeta Olívio, por quem me encantei !!!
Esta prática de montar um cenário com objetos antigos pertencentes às várias famílias é de uma riqueza psicológica, e antropológica infinitas !!! Quando voce descreve que a procura pelo objeto a ser levado mexe com toda a família, dá para vislumbrar o quanto de afetividade, sentimentos e resgates da singularidade das historias de vida são energizados !!! E depois compartilhar nas ambiências vitais do comunitário, ou seja do singular ao coletivo, é muito rico e benéfico para todos.
De novo, parabéns !!! Adoro este trabalho, desde o nome, que soa mágico e shamânico, lembrando a sabedoria ancestral do povo indígena, … às suas imagens e relatos.
Abraços !
Shirley Monteiro.