A promoção de equidade no SUS em questão: Justiça Federal no Rio de Janeiro não reconhece as religiões afrobrasileiras
Ao me deparar com a nota trazida sobre a decisão da Justiça Federal no Rio de Janeiro sobre não considerar as religiões de matriz africana como religiões, penso quantos desafios e disputas de sentido ainda temos que realizar para a construção de um SUS equânime.
As diferentes perspectivas e modos de estar no mundo estão em diálogo cotidianamente, muitas vezes em um modo de subalternização de uma experiência em detrimento da outra, outras muitas destituindo de racionalidade e poucas, raras, em uma relação de equidade, em que noções como eficácia e racionalidade não são questões a ser consideradas.
A diferença é propulsora de criatividade e de potência, e nos reposiciona a cada instante. Talvez por isso, para alguns, pode ser tão insuportavelmente imobilizadora. Como suportar tamanha beleza? Como nos deixar afetos por perspectivas que desafiam nossos lugares que tão cuidadosamente construímos?
Eis quem sabe um grande ato político em defesa do SUS: colocar a diferença em seu lugar de beleza e impulso!
Notificação de raça/cor em qualquer estabelecimento de saúde não é uma questão de julgamento de quem pergunta, mas de reconhecimento identitário de quem responde!
Racismo gera sofrimento!
E como essa nota fala sobre a decisão da Justiça Federal no RJ, segue a matéria:
A Justiça Federal no Rio de Janeiro emitiu uma sentença na qual considera que os “cultos afro-brasileiros não constituem religião” e que “manifestações religiosas não contêm traços necessários de uma religião”.
A definição aconteceu em resposta a uma ação do Ministério Público Federal (MPF) que pedia a retirada de vídeos de cultos evangélicos que foram considerados intolerantes e discriminatórios contra as práticas religiosas de matriz africana do YouTube.
Ao negar o pedido do MPF, a primeira instância da Justiça Federal no Rio de Janeiro considerou que os “cultos afro-brasileiros não constituem religião” e que as “manifestações religiosas não contêm traços necessários de uma religião”. Essas características, na visão do juiz, seriam a existência de um texto base (a Bíblia ou Alcorão, conforme citado na decisão), de uma estrutura hierárquica e de um Deus a ser venerado.
“A decisão causa perplexidade, pois ao invés de conceder a tutela jurisdicional pretendida, optou-se pela definição do que seria religião, negando os diversos diplomas internacionais que tratam da matéria (Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos, Pacto de São José da Costa Rica, etc.), a Constituição Federal, bem como a Lei 12.288/10. Além disso, o ato nega a história e os fatos sociais acerca da existência das religiões e das perseguições que elas sofreram ao longo da história, desconsiderando por completo a noção de que as religiões de matizes africanas estão ancoradas nos princípios da oralidade, temporalidade, senioridade, na ancestralidade, não necessitando de um texto básico para defini-las”, explica o procurador regional dos Direitos do Cidadão, Jaime Mitropoulos, autor da ação.
No recurso (agravo de instrumento), o MPF pede ao TRF-2, liminarmente, a retirada imediata de 15 vídeos com mensagens que promovem a discriminação e religiões de matriz africana. É sugerida a aplicação de multa de R$ 500 mil por dia de descumprimento. Além disso, é pedido também que a Google Brasil forneça ao Ministério Público Federal informações sobre a data, hora, local e número do IP dos computadores utilizados para postar os vídeos com conteúdo indevido.
Atuação – No começo do ano, o MPF expediu recomendação para que o Google do Brasil retirasse os vídeos. Entretanto, em resposta, a empresa se negou a atender a orientação, dizendo que o material divulgado “nada mais seria do que a manifestação da liberdade religiosa do povo brasileiro” e que “os vídeos discutidos não violariam as políticas da companhia”.
“Repudiamos veementemente a posição da Google Brasil, já que o MPF compreende que mensagens que transmitem discursos do ódio não são a verdadeira face do povo brasileiro e tampouco representam a liberdade religiosa no Brasil”, alerta o procurador.
A atuação do MPF é resultado de uma investigação instaurada a partir de uma representação da Associação Nacional de Mídia Afro, que levou ao conhecimento da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão conteúdos disponibilizados na rede mundial de computadores, por meio do site YouTube, que estariam disseminando o preconceito, a intolerância e a discriminação a religiões de matriz africana.
As mensagens veiculadas fazem apologia, incitam e disseminam discursos de ódio, preconceito, intolerância e de discriminação em face de outras religiões, notadamente aquelas de matriz africana. De acordo com o procurador Jaime Mitropoulos, “quem produziu e divulgou os conteúdos fez isso de acordo com suas crenças e com base em suas próprias representações da realidade”. A partir disso, os conteúdos pretendem estabelecer que há uma indissociável ligação do “mal”, do “demônio” ou de uma indigitada “legião de demônios” com as manifestações religiosas de matriz africana. Para se ter uma ideia dos conteúdos, em um dos vídeos, um pastor diz aos presentes que eles podem fechar os terreiros de macumba do bairro. Em outro, ele afirma que não existe como alguém ser de bruxaria e de magia negra, ou ter sido, e não falar em africano.
No fim do ano passado, o MPF promoveu uma audiência pública para debater a questão com a sociedade. Com o tema “Liberdade religiosa: o papel e os limites do Estado e dos meios de comunicação”, o evento discutiu a função do poder público e dos meios de comunicação para garantia da liberdade de consciência e pensamento e da inviolabilidade de crença religiosa.
https://compauta.com.br/7359/brasil/justica-federal-define-que-cultos-afro-brasileiros-como-a-umbanda-e-candomble-nao-sao-religiao/
Por Cleiton Cândido
Associação de magistrados defendeu colega
Angélica Fernandes
Rio – O juiz Eugênio Rosa de Araújo, titular da 17ª Vara Federal, declarou nesta terça-feira, através de nota à imprensa, que considera cultos afro-brasileiros, como a umbanda e o candomblé como religiões. O magistrado manteve, no entanto, a liminar que nega a retirada dos vídeos postados pela Igreja Universal contra as manifestações.
Araújo esclareceu que sua decisão teve como fundamento "a liberdade de expressão e de reunião". A decisão foi dada em ação movida pelo Ministério Público Federal contra a empresa Google Brasil Internet Ltda, pedindo a retirada de vídeos da Igreja Universal postados no Youtube, sob a alegação de que estariam afrontando as religiões afro-brasileiras. O MPF recorreu ao Tribunal Regional da 2ª Região contra a decisão de primeiro grau, mas o TRF ainda não se pronunciou.
A decisão é provisória. A ação ainda vai ser julgada pela própria vara, que ordenou a citação da Google Brasil Internet para fazer a sua defesa no prazo legal.
Associação apoiou juiz
A Associação dos Juízes Federais do Rio de Janeiro e do Espírito Santo (Ajuferjes) saiu ontem em defesa do juiz Eugênio Rosa de Araújo, da 17ª Vara Federal do Rio, que, afirmou em uma sentença que “as manifestações religiosas afro-brasileiras não se constituem em religiões”. A decisão provocou uma série de críticas públicas, principalmente de movimentos sociais e de adeptos do candomblé e da umbanda. Nesta segunda, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afirmou que ainda não foi protocolada nenhuma representação disciplinar contra o magistrado.
A nota, assinada pelo presidente do Conselho Executivo da Ajuferjes, Eduardo André Brandão de Brito Fernandes, afirma as notícias de uma possível investigação contra o magistrado por causa da decisão proferida são “vil tentativa de intimidação da independência judicial”. Lamentou que a representação disciplinar conte com o apoio de membro do Ministério Público, “a quem a independência na formação de suas convicções é igualmente garantia necessária para o bom desempenho de suas atribuições constitucionais”.
Diz também que o juiz, como qualquer cidadão, tem direito à livre manifestação do pensamento. “Sendo certo que, quando no desempenho da judicatura, mais que um seu direito, cumpre o dever de atuar de forma independente de afetos externos na formação de sua convicção de qual a solução justa para o caso”.
Em outro trecho, a nota diz que “a independência dos juízes é conquista da cidadania, garantia do Estado de Direito e essencial à proteção dos direitos fundamentais do cidadão e à efetivação dos direitos humanos. É garantia institucional que existe para assegurar julgamentos imparciais, isentos de pressões de grupos sociais, econômicos, políticos ou religiosos, garantia esta que se conforma pela independência intelectual”.
A sentença do juiz Eugênio Rosa diz que as características essenciais a uma religião seriam a existência de texto base (como a Bíblia), de estrutura hierárquica e de um Deus a ser venerado. Ontem, no lançamento da campanha ‘Copa da Paz de 2014’, no Maracanã, o babalorixá Carlos Ivanir dos Santos qualificou a argumentação do juiz de racista: “Quando um juiz de um Estado laico desrespeita a Constituição e impõe uma opinião preconceituosa, ele estimula o ódio contra as religiões que têm base africana”.
CNJ poderá rever decisão
Representantes de diversas religiões, como evangélicos, judeus, maçons e baha’ís confirmaram presença no ato em solidariedade aos cultos de matriz africana nesta quarta-feira. A intenção do manifesto, organizado pela Comissão de Combate a Intolerância Religiosa, é colher assinaturas para um documento que será levado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pedindo a retirada dos vídeos depreciativos contra as religiões afro.
“Vamos unir várias religiões para acabar de vez com esse preconceito”, alega o interlocutor da comissão, Ivanir dos Santos. Com a solicitação da entidade, o CNJ pode pedir uma nova análise do pedido de liminar do MPF. O ato ‘Independente de Escolhas, somente Unidos Somos Fortes’ também contará com a presença de estudiosos e artistas. O encontro será na Associação Brasileira de Imprensa , às 17h.