Acolher necessidades
O acolhimento como ato ou efeito de acolher expressa, em suas várias definições, uma ação de aproximação, um “estar com” e um “estar perto de”, ou seja, uma atitude de inclusão. Essa atitude implica, por sua vez, estar em relação com algo ou alguém. É exatamente nesse sentido, de ação de “estar com” ou “estar perto de”, que o acolhimento é afirmado como uma das diretrizes de maior relevância ética/estética/política da Política Nacional de Humanização do SUS:
• ética no que se refere ao compromisso com o reconhecimento do outro, na atitude de acolhê-lo em suas diferenças, suas dores, suas alegrias, seus modos de viver, sentir e estar na vida;
• estética porque traz para as relações e os encontros do dia-a-dia a invenção de estratégias que contribuem para a dignificação da vida e do viver e, assim, para a construção de nossa própria humanidade;
• política porque implica o compromisso coletivo de envolver-se neste “estar com”, potencializando protagonismos e vida nos diferentes encontros¹.
As necessidades de saúde da população que devem definir/instituir as ofertas de um serviço. Umas das formas de promover a escuta da população é através do acolhimento . A escuta coletiva realizada no formato estudado de acolhimento traz mais um lugar de identificação de necessidades de saúde. Há necessidades e negociações que só surgem na abordagem individual e mais privada que o acolhimento coletivo pode dar. Os acolhimentos coletivo e individual tornam-se, então, complementares na escuta qualificada de necessidades de saúde. O acolhimento como proposta de organização do processo de trabalho da equipe de saúde se faz inovador, por ser um espaço de integração do outro, usuários e trabalhadores, além dos saberes. O diálogo horizontal com os usuários e a relevância dada às suas opiniões e desejos trazem à unidade um perfil de espaço terapêutico e cuidado integral à saúde, proporcionando, também, maior aproximação do profissional ao modo de viver e sentir as necessidades trazidas para a unidade pela população². A colhimento não é triagem e nem deve ser feito por um profissional especifico, ele deve acontecer em todos os espaço que o usuário tem acesso dentro do serviço de saúde.
“ – Joana: Bom dia, eu queria marcar uma consulta com o Dr. Antônio.
– Vilma: O dia de marcação pro médico é a sexta-feira, tem que chegar cedo porque são distribuídas 20 senhas.
– Joana: Mas a minha irmã acabou de marcar uma consulta pra próxima semana.
– Vilma: É porque ela é hipertensa e faz parte de um programa.
– Joana: Mas eu não tô me sentindo muito bem desde ontem.
– Vilma: Aqui é PSF, não é urgência. Você tem que ir ao PA.
– Joana: O problema é que o PA é longe, eu tô sem dinheiro, e o Dr. Antônio é muito bom. Não dá pra fazer um encaixe não?
– Vilma: Já falei, ou você vai ao PA ou volta na sexta-feira logo cedo. Quem é o próximo?”
O trecho mostra uma situação que muitas pessoas já viveram e vivem, na pele, situações em que o trabalhador não consegue se colocar no lugar do outro que sofre, e o trata de forma burocrática. Este é talvez um dos principais problemas vividos no SUS, a banalização do sofrimento alheio. Isso nos permite perceber que, em processos de implantação ou reestruturação das práticas de acolhimento da demanda espontânea, é recomendável considerar diferentes sentidos relacionados ao acolhimento³.
Referências
1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. Acolhimento nas práticas de produção de saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. – 2. ed. 5. reimp. – Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2010.
2. Cavalcante Filho João Batista, Vasconcelos Elisângela Maria da Silva, Ceccim Ricardo Burg, Gomes Luciano Bezerra. Acolhimento coletivo: um desafio instituinte de novas formas de produzir o cuidado. Interface (Botucatu) [Internet]. 2009 Dez [citado 2015 Jun 22] ; 13( 31 ): 315-328. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832009000400007&lng=pt. https://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832009000400007.
3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Acolhimento à demanda espontânea / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. – Brasília : Ministério da Saúde, 2011.