Faz parte do imaginário coletivo a ideia distorcida que somos pessoas com necessidades especiais, expressão ainda utilizada por profissionais da imprensa, escritores, jornalistas, juristas, políticos, empresários, servidores públicos, professores, ao se referir às pessoas com deficiência. Denominação equivocadamente influenciada pela Declaração de Salamanca (1994), Convenção de Direitos da Criança (1988) e da Declaração sobre Educação para Todos de 1990, referindo-se às necessidades educacionais especiais. Não bastam posteriores avanços conquistados pelo movimento internacional direitos da pessoa com deficiência, mais enfaticamente os advindos da Convenção das Nações Unidas, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, cujo conteúdo define pessoas com deficiência física, auditiva, visual, intelectual e psicossocial, a luz do paradigma social. Contudo, não raro, nos deparamos com denominações distorcidas, como portadores de deficiência, frequentemente mal-empregadas em expedientes e documentos oficiais.
A propósito, pessoas com necessidades especiais são todos os seres humanos encarnados, com suas singularidades, potencialidades, limitações de várias ordens, imperfeições. Susceptíveis ou acometidas pelas doenças físicas, emocionais, existenciais, sociais, do trabalho, entre as quais nos colocamos, sem caráter exclusivo ou quaisquer privilégios. O uso inadequado de terminologias que nos identifique gera exageros que nos constrangem, em particular, quando somos tratados como crianças, doentes, incapazes, coitados. Nada mais inconveniente que ser abordado por estranho que utiliza linguagem infantil, diminutivos diversos, julgando estar procedendo corretamente. Ao interagir com quem não nos seja conhecido, devemos ser prudentes! Demonstrações de amor, sempre são bem-vindas, mas agir com sabedoria é fundamental.
Como nos demais grupamentos sociais, existe entre nós quem opte por se fazer de vítima de alguém que lhe possa servir em suas infinitas necessidades especiais, um leque delas, causando-lhe imensos prejuízos, se considerarmos que cedo ou tarde terá de se autocuidar. Mais adequado se torna investir no empoderamento, estimulando-a a buscar próprios meios e recursos funcionais, sensoriais, de modo que possa suprir suas necessidades de cuidado, minimizando seu grau de dependência para com outrem.
Ao abordar uma pessoa com deficiência, deve-se, primeiramente, perguntar se ela gostaria de ser ajudada, e de que forma poderia ser mais adequado, em atendimento à sua expectativa e necessidades. A exemplo do interagir face aos desafios cotidianos em ambiente inacessível, enfrentados por cadeirante ou pessoa com mobilidade reduzida. Não se deve tocar na sua cadeira de rodas, bengala, andador, ou meio auxiliar de locomoção, sem prévia autorização, para que se desenvolva saudável processo de interação, cuidado, respeito e ajuda. É importante considerar que os meios auxiliares de locomoção funcionam como extensão do corpo das pessoas que os utilizem, podendo causar maior desequilíbrio, quando tocados inadvertidamente.
O mesmo se aplica no oferecer ajuda à cego quando estiver atravessando uma rua, caminhando em calçadas com desníveis, buracos, malconservadas. Procure não pegar no seu braço, puxando-o, como um fantoche, pois vai lhe causar total descontrole da coordenação motora. O correto é oferecer seu braço para que ele o segure, servindo de guia para seus passos seguros e coordenados. Nos pontos de atendimento ao público, procure atender ao cego de forma a lhe dirigir a palavra, não ao seu acompanhante. Cegos e pessoas de baixa visão podem não ser capazes de ver, mas ouvem e falam, como as pessoas sem deficiência. É comum presenciar atendentes de estabelecimentos comerciais se dirigindo ao acompanhante para questões do interesse do cego e pessoa de baixa visão, agindo como se eles não fossem capazes de se comunicar e decidir o que de melhor lhes possa corresponder.
A comunicação com surdos deve ser feita, sempre que possível, através do uso da Língua de Sinais Brasileira – Libras. Caso não a domine, recomenda-se recorrer aos aplicativos digitais de comunicação, a exemplo do Hand Talk, gratuitos para smartphones. Esses aplicativos possibilitam aproximação mais efetiva com a comunidade surda, mediante digitação ou gravação de áudio do que se deseja comunicar, cujas respostas são demonstradas na tela do smartphone, desempenhada por um avatar. Improvisos gestuais, escrita, linguagem labial, costumam não corresponder ao desejado. Demonstrar compaixão fraternal ao compartilhar ambiente público com mães de autistas atendendo e cuidando de seus filhos agitados, é mostrar grandeza interior, pois nada mais constrangedor para essas mães que ouvir ou perceber expressões de preconceito estampadas no rosto das pessoas, julgando tratar-se de criança mal-educada, pirracenta. Sejamos empáticos, pois o futuro pode nos cobrar atitudes impensadas, inconsequentes, com equivalente retorno.
Wiliam Machado