O que significa exatamente ter uma mente saudável? Existe efetivamente esta qualidade de mente? Podemos defini-la, medi-la, dosá-la?
Devido às várias e complexas concepções do termo saúde mental, Lancetti e Amarante propõem no livro Tratado de Saúde Coletiva, especificamente no texto intitulado de Saúde Mental e Saúde Coletiva, uma reflexão sobre três conjuntos de acepções do termo “saúde mental”. Possibilitando uma compreensão da história e do desenvolvimento da saúde mental no Brasil e no mundo.
A primeira delas está relacionada com o surgimento da psiquiatria através das transformações conduzidas por Philippe Pinel, as quais iniciaram a mudança nas práticas de saúde e cuidados com doentes. Práticas como tutela, disciplina, vigilância e controle formavam os princípios do funcionamento de hospitais na época, dando inicio a um modelo de instituição psiquiátrica.
Embora esse modelo não tenha seguido o “planejado”, pois não foi verdadeiramente um local de tratamento e cuidado das pessoas com saúde mental, é um acontecimento essencial, uma vez que as mudanças só surgiram, pois havia uma idéia inicial para ser aperfeiçoada. Nesse sentido nasce a segunda acepção da saúde mental, a qual se refere às reformas psiquiátricas.
Tornar o hospital psiquiátrico, que se transformou num local de degradação e de produção de doença, em local terapêutico, foi uma idéia que nasceu no Reino Unido, após a segunda grande guerra, pelo olhar de Maxell Jones, e tinha o objetivo principal de envolver todas as pessoas que estavam no ambiente hospitalar (enfermos, médicos, enfermeiros e demais funcionários) em um projeto terapêutico comum.
Na mesma época o enfermeiro François Tosquelles liderou outra revolução psiquiátrica, implementando um modelo das cooperativas de operadores catalães, Tosquelles criou uma linha de transformação psiquiátrica denominada por Psicoterapia Institucional. Utilizada nos anos 1940 no Hospital Frances Saint-Alban, essa transformação possibilitou que, pela primeira vez, a voz do paciente fosse ouvida e que o mesmo fosse visto como um indivíduo com potencial de participar de seu próprio tratamento.
O modelo preventivista norte-americano, denominado como saúde mental comunitária, caracterizou-se pela criação de centros de saúde mental comunitários, locais onde as pessoas continuariam sendo acompanhadas e tratadas, caso fosse identificado algum problema de sofrimento mental, após a alta hospitalar. Porém todas as propostas que surgiam, ficavam muito dependentes do modelo hospitalar, visto que o hospital continuava sendo a referencia para situações graves e de crise.
Então em 1971, na cidade italiana Trieste, surge uma radical experiência de transformação do modelo assistencial psiquiátrico, desenvolvida por Franco Basaglia, a qual embasará a terceira e última acepção de saúde mental. Basaglia propunha que era preciso colocar a doença entre parênteses para que se pudesse tratar e lidar com os sujeitos que sofrem e experimentam a doença.
Iniciava então a superação de conceitos que constituíam as práticas de tratamento da história psiquiátrica, como alienação mental, isolamento e tratamento moral, algo que nenhuma das propostas de reforma psiquiátrica mencionadas anteriormente havia pensado em realizar. Com isso desenvolveu-se um processo de construção e reconstrução de vidas que estavam esquecidas e reprimidas nos manicômios, visualizando aquelas pessoas como usuários ao invés de pacientes, pois eram cidadãos que utilizavam um recurso público e não apenas pessoas doentes.
Portanto, Basaglia teve sensibilidade e capacidade de compreensão das características e positividades dos momentos históricos da psiquiatria e da saúde mental, e a experiência em Triste foi o marco muito importante para a superação mundial do modelo psiquiátrico. Desse modo, em 13 de maio de 1978, foi aprovada a Lei 180, denominada como Lei da Reforma Psiquiátrica Italiana ou Lei Basaglia, a qual prescreve a extinção dos manicômios em todo o território nacional e determina que sejam constituídos serviços e estratégias substitutivas ao modelo manicomial.
Referências:
1) Saúde Mental e Saúde Coletiva. In: CAMPOS, G. W. S. et al. Tratado de Saúde Coletiva. São Paulo: Hucitec: Rio de Janeiro. Fiocruz, 2009
2) Vídeo sobre a proposta de reformulação da Política Nacional de Saúde Mental, postado no canal do autor Paulo Amarante. Link: https://www.youtube.com/watch?v=4N3h6OMvLjw
3) Imagem utilizada para o post: https://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/wp-content/uploads/2015/11/barbacena01.jpg
Informações sobre o autor:
Texto elaborado pelo acadêmico Lauro Fabiano Marasca, aluno do 4º Semestre, para a disciplina de Psicologia da Saúde do Curso de Graduação em Psicologia da Faculdade Integrada de Santa Maria (FISMA)
Por Fernanda Silva de Oliveira
Excelente, Lauro!
Deixo aqui, para todo mundo, uma provocação: como devem os serviços e profissionais de saúde promover, de fato, a saúde mental sem repetir as atrocidades contra a liberdade, a autonomia e ao bem-estar dos indivíduos?