“Se o mundo atual nos oferece como horizonte imediato o privilégio da servidão, seu combate e seu impedimento efetivos, então, só serão possíveis se a humanidade conseguir recuperar o desafio da emancipação” Ricardo Antunes
Em 2011, o logotipo da 14ª Conferência Nacional de Saúde nos mostrava uma imagem que representava três personagens segurando e sustentando o símbolo de um sistema de saúde que se fragmentava.
Naquela época, após ser promulgada há 23 anos pela Constituição de 1988, os princípios de universalidade, integralidade, participação popular e descentralização, apesar de inscritos na Carta Magna, já mostravam a dificuldade prática de sua implantação. Os pactos federativos promovidos na primeira década do novo milênio não impediram a progressiva desestruturação do modelo de saúde da oitava conferência (de 1986), com a representação cada vez mais fragilizada, com os três personagens da figura segurando e tentando impedir que o símbolo da saúde, unido, se fragmentasse. Assim, os três personagens daquele logotipo poderiam ser:
1) Os trabalhadores, enfraquecidos em sua representação sindical e com vínculos trabalhistas cada vez mais precarizados, com tendência à uberização a partir de 2016.
2) Os gestores, fragmentados em diretos, indiretos, terceirizados e futuros CEOs.
3) A população, dividida em usuária e não usuária do SUS, desprovida progressivamente da universalidade e da integralidade, passando a entender a saúde cada vez mais como mercadoria grátis!
Sob o tema “Todos usam o SUS! SUS na Seguridade Social – Política Pública, Patrimônio do Povo Brasileiro” e como eixo “Acesso e acolhimento com qualidade: um desafio para o SUS”,a 14ª Conferência Nacional de Saúde vivenciava o início das “Redes de Atenção à Saúde” com a portaria publicada em 30/12/2010. Era a esperança equilibrista de um novo ciclo no SUS, que prometia ser mais eficiente e equânime na nova década do novo milênio.
Decorridos 11 anos, depois de mais duas conferências, a última em 2019, tentando retomar o espírito da Oitava, de 1986 (com o mesmo tema: Democracia e Saúde ), o SUS vive hoje o maior desafio de sua história com a pandemia do COVID19.
Depois das manifestações de junho/2013, com intensa participação nas ruas, houve um refluxo na defesa da organização do sistema, predominando cada vez mais a lógica neoliberal, “mais enxuta e eficiente”, de um sistema toyotista, baseado em planilhas de matriciamento e produção de números, que não mais se reconciliaria com um modelo universal e participativo de saúde.
Mas desde março de 2020, a pandemia impõe ao Brasil um isolamento social que paralisa a economia e a saúde, gerando um novo desafio na organização de nossa sociedade, menos economicista e mais em defesa da vida.
Vemos neste processo de isolamento social, o uso cada vez mais intenso das plataformas digitais, como forma de organização societária, uma forma de reorganização do comércio e do trabalho, evitando o contato próximo para o bloqueio da disseminação viral.
A falta de sociabilidade, do contato olho-no-olho, facilita a fragmentação e mercadorização dos serviços do SUS, transformando as plataformas digitais em negócios informatizados, com lucro gerado para o dono do aplicativo na intermediação entre o usuário e os profissionais de saúde.
Mais do que em 2011, o SUS necessita com urgência de uma PLATAFORMA DE COOPERAÇÃO na INTERNET para que o pandemônio gerado pela pandemia não seja apropriado pela terceirização.
Trabalhadores, Gestores e População precisam se unir, gerar um novo vínculo, para que o “novo normal pós pandemia” seja uma sociedade mais solidária, mais equânime e democrática, como sonhamos em 1986, na Oitava Conferência Nacional de Saúde.