Ampliação do olhar do estudante do Curso Médico para o Protagonismo do usuário SUS na Visita Domiciliar Simulada, realizada em uma Universidade Privada do interior paulista. Um relato de experiência.
A Faculdade de Medicina da UNOESTE utiliza Metodologias Ativas de Ensino e Aprendizagem desde o primeiro termo do Curso Médico. Os estudantes são inseridos como membros das Equipes Interdisciplinares de 07 ESFs em duas cidades do interior paulista, graças a uma parceria entre Academia e Serviço, existente entre as Secretarias Municipais e a Instituição de Ensino Superior. Os estudantes participam de Ciclos Pedagógicos que ocorrem com frequência mensal nas ESFs. Participam também das Reuniões de Equipe com frequência quinzenal. Nessas reuniões, os acadêmicos podem capturar as Necessidades de Saúde trazidas pelos trabalhadores em Saúde do território. As visitas Domiciliares são realizadas a partir da classificação de risco, por meio da aplicação da Escala de Coelho, a partir da análise dos prontuários realizada de maneira interdisciplinar nas Unidades de Saúde. Antes dos estudantes realizarem as Visitas Domiciliares para as famílias da comunidade adscrita à ESF, eles participam de uma Visita Domiciliar Simulada nas dependências do Laboratório de Habilidades e Simulação, localizado no Campus 1 da UNOESTE.
Relato de experiência:
Como estudante de transferência, não havia tomado conhecimento do que era “a Casa Simulada”. Antes de ir para essa atividade de Metodologia Ativa de Ensino Aprendizagem, havia realizado pesquisas sobre e não encontrei relatos de casos, apenas uma breve descrição da atividade. No dia da atividade, fui surpreendido ao descobrir que a faculdade disponibiliza uma casa de verdade, com mobília, roupas, televisão e diversos itens que fazem o cenário parecer o mais realístico possível. Por ser o “novo estudante”, fui escolhido pelas Facilitadoras para ser a pessoa que realizaria a visita. Antes de me aproximar, me explicaram o caso de uma usuária do SUS que teve o exame do escarro BAAR positivo, com exame de Raio-x de tórax, realizado há 30 dias. Tratava-se de Dona Joana, faxineira terceirizada da Unidade de Detenção Estadual de Montalvão, que estava faltosa aos seus retornos à ESF. Nosso desafio foi convencer a usuária do SUS a retornar para a ESF conosco, já neste dia, e ter todos os momentos da abordagem sendo avaliada pelos outros estudantes e facilitadores. Como primeiro obstáculo, a atriz que interpretava “Dona Joana” não queria receber a visita, pois alegava que tinha pressa para ir trabalhar. Depois, ela queria que o estudante fosse embora rápido, para não atrasar mais o seu dia. Ambos os problemas foram resolvidos com a criação de vínculos de respeito e confiança, além de empatia. Alguns esclarecimentos sobre a validade de um atestado médico para falta em trabalho foram feitos, até que foi possível chegar no assunto que era o principal. Quando perguntei à Dona Joana se ela não estava preocupada com o resultado do seu exame, ela respondeu que não sabia o que estava sendo avaliado. Ao explicar a importância deste exame de escarro, BAAR positivo, aliado ao “poder do atestado médico”, foi possível levar a paciente até a ESF, ou melhor, até a porta de entrada da casa, que foi o local onde a simulação acabou. No Debriefing, realizado pelo Facilitador após o encerramento da Visita Simulada, na presença da atriz e dos estudantes, os principais pontos positivos ressaltados pelos docentes foram: a efetividade da visita, sendo rápida e concisa no objetivo de resgatar a usuária do SUS para o ambiente da ESF (Estratégia Saúde da Família), evitando o desdobramento negativo, que essa doença teria, se fosse postergado o início do tratamento. Também foram elogiados: a empatia e o bom humor do acadêmico, futuro profissional de Saúde, como argumentos de convencimento no resgate da usuária do SUS. Como ponto negativo foi enaltecido que o acadêmico se esqueceu de prezar pela sua saúde primeiro, aceitando o convite para entrar em um ambiente fechado, conhecendo o mecanismo de transmissão da tuberculose. Os professores ressaltaram que deveria ter escolhido um lugar aberto e arejado para iniciar a conversa e não me expor ao bacilo em ambiente fechado.
Considerações em processo:
A experiência foi muito positiva, pelas possibilidades de aprendizado e ampliação do olhar do estudante para o Protagonismo do usuário SUS na ESF. Ser capacitado para identificar as pequenas coisas em uma visita domiciliar pode ajudar tanto ao usuário do SUS como ao estudante do Curso Médico, a estimular a criação de ambientes saudáveis no território da ESF, além de estabelecer a criação de vínculos de respeito e confiança entre a equipe interdisciplinar e o usuário do Sistema Único de Saúde. A visita domiciliar tem sido aplicada por alguns profissionais nas Estratégias Saúde da Família no Brasil. A atividade propicia o atendimento ou acompanhamento dos usuários no local onde eles residem e demonstram potencial para criação de vínculos afetivos com usuários do sistema de saúde, principalmente para aqueles que apresentam dificuldades de locomoção ou alterações no humor. As Visitas Domiciliares não devem ser realizadas de maneira improvisada, mas pelo contrário, precisam ser programadas pela equipe interdisciplinar. Os profissionais podem se aproximar dos sujeitos das VDs, no contexto no qual eles estão inseridos com uma importante valorização da subjetividade das práticas em saúde. Espaços para a comunicação e o diálogo entre as equipes interdisciplinares e a comunidade podem ser abertos por meio da realização das VDs. A UNOESTE, por meio dos Facilitadores do PAPP, procura estimular nas Equipes Interdisciplinares das ESFs, a reflexão sobre suas práticas, após a realização das VDs. O Princípio da Integralidade do SUS pode ser observado e exercitado por meio da realização das Visitas Domiciliares. Desta maneira o estudante tem a oportunidade de entender, por meio da realização das VDs, que cada pessoa é um todo indivisível e integrante de uma comunidade. As visitas também estimulam o estudante e as equipes a realizar ações de promoção, proteção e recuperação da saúde. A visita pode ser considerada com um espaço pedagógico para a construção de uma lógica ampliada de cuidado e do entendimento do processo saúde-doença, na medida em que os futuros profissionais podem conhecer as Necessidades de Saúde das pessoas a partir do contexto no qual elas se inserem.
Referências:
A visita domiciliar no contexto da saúde: uma revisão de literatura. Disponível em:
https://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1645-00862017000100015