É necessário reclassificar o diabetes em cinco tipos ao invés de dois?

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O estudo publicado  publicado online em 1º de março na revista Lancet Diabetes & Endocrinology, pretende novas implicações para diagnóstico e tratamento do diabetes ao classifica-lo em cinco categorias. O diabetes é atualmente classificado em dois grandes grupos: diabetes tipo 1 e tipo 2, mas o diabetes tipo 2 é bastante heterogêneo.

A ideia principal seria refinar classificação para identificar pacientes com maior risco de complicação do diabetes.

São afirmações dos pesquisadores:

A sub-estratificação pode eventualmente ajudar a desenhar e alcançar os pacientes que poderiam se beneficiar mais, representando o primeiro passo para medicina de precisão em diabetes

Uma ferramenta online para estratificação está sendo desenvolvida

Dados de cerca de 15.000 pacientes obtidos retrospectivamente de registro médicos em países escandinavos foram divididos em agrupamento conforme observação de seis ao variáveis ao diagnósico de diabetes:

  1. Presença de anticorpo contra o pâncreas (contra a glutamato descarboxilase – anti-GAD), o principal anticorpo que configura o diabetes autoimune, ou seja, o diabetes tipo 1 e o LADA;
  2. Idade ao diagnóstico
  3. Índice de massa corporal
  4. HbA1c
  5. HOMA2-Bhomeostatic model assessment 2 – para avaliar secreção de insulina
  6. HOMA2-IR para avaliar resistência à insulina com dosagem de peptídeo C

O tempo para adicionar medicação, tempo para atingir o alvo do tratamento, risco de complicações diabéticas e associações genéticas foram os objetivos do estudo.

Os resultados dos da divisão em cinco tipos de diabetes estão resumidos na tabela abaixo

Tab 1. Agrupamentos segundo as características iniciais, evolução e risco de complicações

Agrupamento N

(%)

Característica Nome
1 577

(6,4)

·  Início precoce – essencialmente corresponde a diabetes tipo 1 e LADA, IMC relativamente baixo

·  mau controle metabólico

· deficiência de insulina

·  anti-GAD positivo

Diabetes grave autoimune
2 1575

(17,5)

  • Similar ao agrupamento 1
  • anti-GAD negativo
  • HbA1c elevada
  • mais alta incidência de retinopatia
Diabetes insulino-deficiente grave
3 1373 (15,3)
  • Resistência à insulina
  • IMC elevado
  • mais alta incidência de complicação renal (nefropatia)
Diabetes insulino-resistente grave
4 1942 (21,6)
  • Obesidade
  • Idade precoce
  • Sem resistência à insulina
Diabetes leve relacionado à obesidade
5 3513 (39.1)
  • idade avançada
  • alterações metabólicas leves
Diabetes leve relacionado a idade

O agrupamento 3 mostrou maior risco de desenvolver doença renal terminal em comparação com os outros grupos, principalmente com o grupo 5.

O grupo 5 mostrou menor risco de retinopatia e doença renal

Considerações sobre a necessidade de nova classificação

A atual classificação da associação americana de diabetes, a qual geralmente acompanhamos aqui no Brasil, divide o diabetes em 4 grandes grupos.

Embora seja mais comentados os dois principais tipos de diabetes – tipo 1 e tipo 2 – há ainda o diabetes gestacional e outros tipos de diabetes. No diabetes tipo 1, ainda há a divisão de com anticorpos positivos ou negativos e é chamado idiopático, aparentemente semelhante ao agrupamento 2 do estudo recém-publicado.

O quarto grupo é o menor, mas muito heterogêneo e são os casos de diabetes monogênico, doença do pâncreas exócrino, devido ao uso de medicações, por ex. corticoides, por tratamento de HIV/AIDS e após transplantes de órgãos.

Quanto às complicações microvasculares do diabetes, a retinopatia é a primeira complicação a se desenvolver em pacientes com mau controle glicêmico, razão pela qual deva estar no agrupamento 1 pelo difícil controle.

Muitos, senão a maioria, dos endocrinologistas não conseguem seguir as diretrizes para tratamento do diabetes, pois tentam raciocinar sobre a fisiopatologia da doença. Não é fácil “encaixar” as características e um tipo de diabetes. Mesmo os casos aparentemente mais comuns de diabetes tipo 2 são muitas vezes desafiadores para seu controle, talvez por isso, após a metformina quase todas as medicações são possíveis em todas as diretrizes, ou seja, o que combinar melhor com o paciente.

Em uma pessoa obesa, com história familiar positiva para diabetes, é bem provável que tenha diabetes tipo 2 (fato observado no estudo escandinavo). Como a obesidade causa resistência à insulina, a fisiopatologia nesse caso inclui a resistência à insulina ou também deficiência da secreção de insulina e o tratamento vai ser direcionado para esses dois problemas.

Por outro lado, pessoas magras, jovens, com quadro de emagrecimento ao diagnóstico, cetoacidose diabética, sem controle com medicações orais, levanta a suspeita (ou deveriam levantar) de diabetes autoimune ou que apresentem baixa secreção de insulina pelo pâncreas por outra causa. Por ser a insulina um hormônio metabolismo, pessoas com emagrecimento por descompensação importante e descontrole do diabetes devem ser tratadas com insulina mesmo sem ter obrigatoriamente de “fechar diagnóstico” como diabetes tipo 1 ou tipo 2.

O termo medicina de precisão vem com a proposta de tratar pessoas com base na análise pormenorizada e personalizada das suas características biológicas. Esse conceito vem gerando discussão e controvérsias. As dosagens hormonais para a obtenção dos parâmetros que avaliam secreção e resistência à insulina podem ser um complicador, pois necessitam de ensaios laboratoriais mais refinados e nem todo laboratório está pronto para tal.

Não nego aqui a importância de classificar o diabetes, muito menos da susceptibilidade maior de alguns pacientes a certas complicações. A susceptibilidade genética foi meu objeto de estudo na pós-graduação, sendo uma possibilidade para explicar a ausência de complicações em pacientes cronicamente descompensados. No estudo aqui comentado, o perfil genético diferiu nos diversos grupamentos. A abordagem genética não apresentou até o momento grandes avanços na sua aplicação prática para identificar pacientes de maior risco. Por ora, o controle glicêmico e outros fatores com hipertensão, dislipidemia, tabagismo, permanecem como fatores de risco para complicações mais facilmente detectáveis e, portanto, combatíveis.

Dados preciosos para o diagnóstico correto podem ser obtidos pela anamnese e exame físico. O tratamento sempre com dieta e atividade física, perda de peso nos pacientes obesos, sobrepeso ou para reduzir circunferência abdominal além de medicação oral ou insulina quando necessárias. Recentemente, foi demonstrado que mudança de estilo de vida pode levar à remissão do diabetes tipo 2.

Parece-me válida essa nova sugestão de classificação se ajudar a definir os pacientes que precisam de insulina dos que não precisam, em outras palavras, não classificar erroneamente um diabetes tipo 1 como se tivesse diabetes tipo 2. Se for mais uma forma de categorizar os pacientes, mas que tenha pouca reprodutibilidade ou acesso no nosso meio, ou ainda não leve à grandes mudanças no tratamento, acredito que teria pouca validade.

Por fim, um ponto interessante que me fez lembrar o discurso de muitos pacientes que relatam na história familiar que os pais ou avós tiveram “diabetes da idade”, e assim o falam conferindo pouca importância para saúde geral daqueles, esses pacientes já alocaram os seus parentes no agrupamento 5, isto é, o diabetes leve de curso benigno sem saber que seria descrito em um artigo científico. Para esse grupo, mais susceptível a hipoglicemias e que não se beneficiam tanto de tratamento intensivo, vale a pena repensar a forma de tratamento.

Link consultado:

https://www.medscape.com/viewarticle/893305?src=soc_lk_share#vp_3

 

Publicado originalmente em: https://drasuzanavieira.med.br/2018/03/03/e-necessario-reclassificar-o-diabetes