Aline Barros de Oliveira; Dária Catarina Silva Santos; Valquiria Farias Bezerra Barbosa; Silvana Cavalcanti dos Santos.
Pensar em acolhimento, falar em acolhimento, complexo, não achas? Será que quando Bourdieu1 falou que as práticas do senso comum a sua junção às questões subjetivas gerariam as pesquisas científicas, ele imaginou que hoje estaríamos falando de práticas de acolhimento? Práticas que são intrínsecas ao “Ser”. Ter uma política que redireciona a humanização recomendado o dispositivo do acolhimento, é um ponto positivo, ou não? Mas se formos analisar, a sociedade está “ficando doente”. Humanização e acolhimento deveriam ser tão naturais que a gente não ia precisar de uma política pra norteá-los.
Durante dois anos nós acadêmicas do curso de Bacharelado em Enfermagem do IFPE – Campus Pesqueira pesquisamos sobre o acolhimento na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) em uma cidade do agreste pernambucano, onde uma trabalhou com profissionais de saúde e a outra com usuários.
Nas nossas pesquisas sobre acolhimento em saúde mental, ouvi a seguinte frase um dia: “Acolhimento? Oxê, quem é preto não tem acolhimento não! Só se todos os pretos morressem o racismo acabaria. Isso de acolhimento é só pra branco”. Acredito que foi a frase mais impactante que já ouvi nesses meus 23 anos de vida. Daí parei e pensei: “Bah, tem que ter essa política e mais, ela deve ser efetiva”.
Quando falamos de acolhimento surgem algumas dúvidas e muitas vezes confusões sobre o real significado desse termo. Acolhimento é uma prática em saúde compreendida como forma de se comunicar, escutar, receber as demandas da população, auxiliando-a na busca de resolutividade desde a recepção, a marcação, passando pelo atendimento, até o encaminhamento ou retorno. Dessa forma, o acolhimento vai além do sentido de recepção e encaminhamento, nele está incluso todo o processo terapêutico do sujeito2.
Trabalhar com a temática acolhimento inicialmente parecia ser algo difícil, pois muitos profissionais não sabiam que existia uma política direcionada a isso, além de que identificamos algumas condutas ainda centradas no modelo biomédico, na prática medicamentosa, como também identificamos a presença do estigma e do medo ao lidar com a demanda de saúde mental por parte dos profissionais.
Apesar disso identificamos que a maioria das práticas e estratégias de acolhimento utilizadas pelos profissionais estavam em consonância com a Política Nacional de Humanização (PNH). E para isso utilizavam ferramentas imprescindíveis no que se refere ao acolhimento como a escuta qualificada e o diálogo, dispositivos que auxiliam no estabelecimento de vínculo entre profissionais, e usuários.
A escuta qualificada é uma condição essencial para uma boa atuação ética e política no que se refere não apenas a questões de saúde de natureza aguda ou crônica, como também à efetivação das políticas públicas do Sistema Único de Saúde (SUS)3.
Para efetividade da PNH faz-se necessário estar inserida em todas as políticas e programas do Sistema Único de Saúde; ter financiamento suficiente; estrutura adequada nos serviços; e combinar articulação e atuação descentralizadas dos diversos atores (profissionais, gestores e usuários) que constituem o Sistema de saúde.
A inserção do acadêmico de enfermagem nos serviços da rede é relevante no que diz respeito ao estreitamento de laços com as equipes e os usuários desses dispositivos e o fortalecimento da tríade ensino – pesquisa – extensão como potencializadora de intervenções multiprofissionais e interdisciplinares no enfrentamento das demandas por saúde da comunidade. A partir do momento que está inserido na rede o acadêmico consegue se apropriar das demandas em saúde mental e com isso despertar o conhecimento por novas experiências, oportunizando a construção de novos estudos.
Por fim, gostaria de deixar a reflexão pra todos nós, – O que estamos fazendo para garantir a humanização, não só da saúde, mas a humanização para todos que passam por nós, ainda mais em tempos de múltiplos sofrimentos e vulnerabilidades amplificadas pelo COVID 19? O que estamos fazendo pra garantir que todos sejam acolhidos, em todos os setores públicos e privados, independentemente da etnia, classe social e gênero?
Além dos investimentos que tem sido feitos acertadamente em tecnologias duras para ampliar a disponibilidade de leitos em unidade de cuidados intensivos, estruturando a rede assistencial hospitalar para o enfrentamento da epidemia em curso, precisamos investir num cuidado que reabilite as tecnologias leves, estimulando tudo o que há de potencial de vida e de autonomia.
Nesse contexto, o acolhimento deve contribuir para a construção de novos sentidos para o sofrimento e para a crise, firmado numa postura ética e solidária, que contribua para a superação de concepções e processos de estigmatização e exclusão.
1 MONTEIRO, J.M. 10 Lições sobre Bourdieu. Petrópolis, RJ: Vozes, 2018.
2 OLIVEIRA, Aline Barros de et al., .Acolhimento na Rede de Atenção Psicossocial: Revisão Integrativa da Literatura/Reception in the PsychosocialCare Network: IntegrativeLiterature Review. ID online REVISTA DE PSICOLOGIA, v. 13, n. 45, p. 318-332, 2019.
3 COELHO, Clair Castilhos et al.,. Política de atenção à saúde das mulheres. 2 ed.Editora da UFSC, 2019.
Por Sérgio Aragaki
Valquiria e colegas:
Muito importantes reflexões.
O acolhimento, a humanização da saúde, a efetivação do SUS se dá nas práticas cotidianas, inclusivas, com a participação das diferentes pessoas e que trazem para o diálogo suas contribuições, baseadas em conhecimentos e dúvidas, produzindo um projeto de cuidado com corresponsabilidades.
Sigamos juntxs.
Abraços.