Estratégias para consolidação do SUS e do direito à saúde – artigo de Gastão Wagner – Março/2017
I – Projeto e frente política em defesa do SUS:
A consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) depende da constituição de um Bloco Político capaz de renovar e de dar continuidade aos movimentos sociais em defesa da vida.
A incorporação das diretrizes do SUS à Constituição de 1988 possibilitou o desenvolvimento de uma nova política de saúde no Brasil. Esta mudança foi inspirada nas experiências dos sistemas universais e públicos de saúde. Estes sistemas foram parte fundamental de reformas sociais implementadas, ao longo do século XX, em vários países, objetivando o estado de bem-estar. Tanto a inscrição na Constituição do direito universal à saúde, quanto o início da implementação do SUS deveram-se a uma conjugação favorável de fatores de ordem política. Dentro da luta pela democratização e contra a ditadura militar ao longo dos anos setenta e oitenta, organizou-se também um influente movimento sanitário que adotou o SUS como sua estratégia mais geral. Entretanto, ao longo dos anos noventa e da primeira década do terceiro milênio, a progressiva implementação do SUS dependeu basicamente de ações internas às instituições. Mudanças por dentro do aparelho de Estado, um Estado ampliado é importante reconhecer, já que a criação de arranjos de controle social e de gestão participativa trouxeram para o interior das organizações públicas a disputa entre diversos projetos, entre diferentes interesses e múltiplos atores sociais. É importante reconhecer que nesta dinâmica participativa os partidos políticos, governantes, setores da burocracia e intelectuais tiveram maior influência do que a representação da sociedade civil ou dos usuários, em particular.
Entretanto, não se deve subestimar a importância de movimentos sociais específicos da área da saúde na implementação do SUS, pois graças a eles foram sendo possível implementar novas políticas e novos programas. Este foi o caso da reforma psiquiátrica, do movimento pró humanização, de luta contra a AIDS, a favor da Estratégia de Saúde da Família e pela Educação em Saúde, entre outros. Este ciclo de lutas produziu mudanças na cultura e na prática do SUS, gestando-se novos valores e conceitos sobre maneiras para se assegurar o direito à saúde. Em geral, estes movimentos aglutinaram profissionais com visão crítica e camadas populares diretamente interessadas no enfrentamento de alguns problemas de saúde. Estes movimentos encontraram apoio em distintas entidades, associações acadêmicas e políticas, como Centro Brasileiro de Estudos da Saúde – CEBES, Associação Brasileira de Saúde Coletiva – Abrasco, entre outras, e lograram influenciar políticas e modos de atuação em municípios, reformas locais que produziram “efeito demonstração” e pressão para que Secretarias de Estados e o Ministério da Saúde as adotassem como estratégias para todo o SUS.
Muito se tem conseguido por meio dessa dinâmica política, no entanto, ela não foi forte o suficiente para superar o financiamento insuficiente do SUS, para dar prosseguimento à reforma do modelo de gestão e ainda assegurar atendimento integral ao conjunto dos brasileiros. Apesar desta reforma parcial, hoje, há um SUS “realmente existente”, com imensos problemas de acesso e de efetividade em seu funcionamento, mas, que também constituiu uma rede de serviços necessária e indispensável para a maioria dos brasileiros. Apesar do contexto político e econômico pouco favorável às políticas públicas em geral, a própria existência do SUS é um poderoso elemento a ser considerado para sua própria defesa. O desmonte do SUS produziria a barbárie sanitária, havendo, portanto, grande potencial de armar-se resistência popular contra eventuais retrocessos e contrarreformas. Setores da elite dominante tem insistido em argumentos sobre o “anacronismo” do SUS. Apontam como solução a racionalidade do mercado, tanto a compra de serviços ao setor privado, quanto a privatização ou mercantilização do pedaço público do SUS. Este ensaio defende o oposto, aposta na reformulação do modelo público de gestão e não na expansão de cobertura pelo setor privado.
A defesa do SUS depende da constituição de uma Frente Política com um projeto que aponte mudanças em três direções:
• Garantir financiamento adequado para o SUS e para outras políticas públicas.
• Realizar ampla reforma do modelo de gestão pública, avançando no sentido de torná-la republicana e democrática.
• Consolidar e estender modelo de atenção inspirado na tradição consolidada dos sistemas nacionais e públicos de saúde.
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