Fazer saúde significa ampliar o cuidado e tangenciar a centralidade do usuário.

O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família de Lagarto é vinculado ao Hospital Universitário de Lagarto (EBSERH) e tem duração de dois anos. Atualmente, conta com sete residentes, sendo dois do segundo ano e cinco do primeiro ano, e realiza suas atividades práticas em três Unidades Básicas de Saúde do município de Lagarto, incluindo a Clínica de Saúde da Família Davi Marcos de Lima, local onde ocorreu a experiência relatada. O programa é composto por quatro enfermeiros, um terapeuta ocupacional, uma psicóloga e um farmacêutico, garantindo uma abordagem multi e interprofissional no cuidado à saúde da população.
Durante as atividades, a residente de psicologia fez um relato sobre a necessidade de uma consulta conjunta com enfermagem diante de um caso que havia chamado sua atenção e que gostaria de tentar fortalecer a promoção de saúde em uma etapa importante. Em diálogo profissional prévio caracterizamos a demanda da paciente Joana (nome fictício), a qual é mãe de uma infante de menos de 2 anos e estava cogitando a possibilidade de não descontinuar a amamentação em virtude da representatividade do “fim”, associando-a ao encerramento do vínculo do binômio e do amor entre mãe e filha. Fato que isso revelou um relato da paciente que escancara um sofrimento diário e da associação aos transtornos de ansiedade e depressão. Na verdade, enquanto profissional da enfermagem, no convite inicial cogitei diversas possibilidades e roteiros de consulta, mas logo me recordei de que por vezes, a única coisa que um usuário busca na unidade é um profissional que o escute ativamente e oferte cuidado em saúde. Desse modo, direcionamos o nosso papel ali: promover saúde e ouvir. Para a enfermagem, é comum atender binômio mãe-bebê, mas este era um caso diferente.
Eu nunca havia atendido um caso assim, e já estava ciente de sua complexidade. Inicialmente, nos sendo dito a respeito do restinho do saco de arroz. Do último pão da sacola. Do último fósforo. Rapidamente pensamos: o último grão. Imagine não querer ver um filme em virtude de seu… final? também relatado durante a consulta conjunta. Isso levanta o ponto do quão difícil deve ser e como se dá a intensidade de sofrimento psíquico decorrente disso. A consulta teve seguimento e exercemos aquilo que aprendemos e tanto reforçamos diariamente: escuta ativa. Joana compareceu em companhia de sua filha e conseguiu expor suas dúvidas, medos e anseios quanto ao processo de interrupção de amamentação. Emergia em seus discursos o medo do “fim do amor”, da quebra de vínculo e de possíveis impactos nutricionais no crescimento e desenvolvimento de sua filha.
Enquanto enfermagem e psicologia, fizemos observações pontuais quanto aos benefícios e prazos do aleitamento materno, acolhemos com escuta e fortalecemos aquilo que é mais vivido na relação mãe-bebê: o nascimento de uma vida, de uma mãe e do amor que o vínculo carrega consigo. Fato que isso permitiu abertura para a possibilidade da transição do processo de aleitamento materno e encerramento aos 24 meses completos. Joana segue em acompanhamento psicológico e sua consulta reforçou as facetas do cuidar integral e singular e da promoção de saúde, principalmente pela difusão de orientações básicas.
Por David Santana
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