Durante uma vivência de um estágio em uma UBS, me ocorreu escrever um texto usando de base um música de um rapper chamado Rincon Sapiência.
Compartilho com vocês um pouco da experiência e do texto.
Um ambiente de um parque com pessoas de todos os níveis e classes
sociais passando a toda hora, com serviços de saúde pública de portas abertas
instalados no território e uma clara invisibilidade do cidadão em situação de rua
que esta lá, mas ao mesmo tempo não esta, pois se torna invisível aos olhos
da sociedade. No ósseo, esperando ser visto, porém não há visibilidade para
quem é vítima de uma exclusão.
Dentro da UBS, em seu interior um vasto número de pessoas
aguardando por atendimentos, alguns com uma feição de cansaço por esperar
demais do serviço público e nunca chegar a lugar nenhum, dependendo de
profissionais que sofrem com um sistema sucateado e uma impotência de não
poder ajudar mais do que gostariam a quem precisa do serviço.
A experiência do estágio se iniciou no dia 09 de agosto e por duas
semanas foi feito um acompanhamento dos atendimentos da médica do
Consultório de Rua.
Doutora F. mostrou-se solicita ao receber os estagiários (éramos em dois),
explicando sobre como o serviço funcionava e as melhorias que tentava
realizar, lidando todos os dias com as frustrações que seu trabalho pode lhe
proporcionar. Sujeitos que querem tudo na hora – “é assim que as pessoas em
situação de rua são, querem tudo na hora, e não é assim que funciona, eu
tento explicar, mas eles não entendem…”, comentou a médica, “por isso que
eu só atendo com hora marcada agora, para eles se organizarem, início de
uma autonomia…”. Durante as consultas acompanhadas, foi perceptível o alto
número de pessoas que perderam o emprego, perderam tudo e tiveram que
recorrer a albergues para ter um teto, passando por situações humilhantes nas
ruas e em seus novos lares, sentindo a própria degradação e humilhação dia após dia,
procurando em cada sinal que a vida pode lhe dar alguma perspectiva para
melhorar sua condição e conseguir novamente uma estabilidade. F.
comenta que em busca de uma nova esperança, nas ruas acabam conhecendo
o álcool e as drogas, indo ladeira a baixo para conseguir se reerguer
novamente.
“Sem endereço, quintal de lama
Os inimigo tão de campana
As visita são ratazana
Os remédio feito de cana” (SAPIÊNCIA, 2017)
Na terceira semana foi dia de ir pela primeira vez à rua, conhecer o
território e o Cimento. Conhecemos pessoas cheias de perspectivas de
melhora de vida, porém ao mesmo tempo conformadas com o pouco que tem,
uma família com seis mulheres, a mãe e cinco filhas de 03 meses até 15 anos
recém chegadas ao local, ficaram felizes de terem recebido a visita de agentes
para marcar consultas e saber um pouco mais sobre os serviços de saúde do
novo lugar em que residiam. Durante a experiência uma moça que tinha
acabado de sair da internação por álcool e drogas estava no local e alterada,
houve uma tentativa de leva-la para a UBS para pegar o remédio de
tuberculose, mas sem sucesso. Neste momento foi perceptível a tolerância a
frustração que o agente social criou ao longo deste tempo, de querer ajudar
quem não quer ser ajudado, mas ao mesmo tempo, ouvir pessoas que não tem
a quem recorrer, reclamar sobre o sistema de saúde escasso, que uma
consulta demora meses para ser marcada, e um exame a mais de ano. Uma
população exausta de ser exclusa e que necessitam ser amparadas.
“Barracão, tijolo vermelho
As parede não têm reboque
Vítimas de uma exclusão
Desde cedo o drama começa
(…)
Com novas perspectivas
Grana por aqui é diva
Mas não tá tudo firmeza
Porque a pobreza continua viva” (SAPIÊNCIA, 2017)
Por fim, foi feito um grupo com 17 homens em situação de rua no Centro
Comunitário São Martinho. Oficina do “Medo e dos Sonhos” em que foi
trabalhado justamente os medos e as perspectivas que estes homens
possuem. Muito foi dito sobre a atual situação política do país. Houve um
sentimento em comum compartilhado, o medo do que o homem pode fazer
com o mundo e o que já esta fazendo.
“Quando você fala de terra, você fala de riqueza e
Esta riqueza é disputada.
Disputada pelos grandes latifúndios,
Disputada pelos fazendeiros, disputada por muitos” (SAPIÊNCIA, 2017)
Pode-se perceber ao longo destas seis semanas acompanhando o
Consultório na Rua que todas as pessoas que foram abordadas através de
uma visita, uma simples conversa ou em uma roda de grupo possuem as
mesmas angústias, esperanças, medos e sonhos, porém sendo vividos de
modo distinto e subjetivo. Cada um quer a sua melhora, a melhora do país, sair
dessa situação que mais parece uma areia movediça, quanto mais tenta sair,
mais é sugado pela exclusão, porém a luta não para, há sempre a busca da fé
e a busca para não perde-la, e o sonho de que um dia tudo irá melhorar.
“Vamo, vamo, vamo
Sem corpo mole, mole, mole
Tamo no corre, corre, corre
A coisa ta preta, preta” (SAPIÊNCIA, 2017)
Por Emilia Alves de Sousa
Oi Thais,
Muito tocante o seu texto interfaceado com o poema do Sapiência, para relatar o drama e o atendimento dos moradores de rua.
Um trecho do relato me chamou atenção “Durante a experiência uma moça que tinha
acabado de sair da internação por álcool e drogas estava no local e alterada,
houve uma tentativa de levá-la para a UBS para pegar o remédio de
tuberculose, mas sem sucesso. Neste momento foi perceptível a tolerância a
frustração que o agente social criou ao longo deste tempo, de querer ajudar
quem não quer ser ajudado.” Será mesmo que ela não queria ser ajudada, ou a ajuda não era o que ela esperava? Será que a resistência não era por ter acabado de sair de uma internação? Vai saber né?
Compartilho aqui duas publicações que trazem a cartografia de pontos de produção de saúde mental na cidade de São Paulo, realizado por trabalhadores da rede municipal de saúde, que tem uma certa conexão com o seu texto!
https://redehumanizasus.net/96083-documentario-apresenta-curso-intervencao-em-que-trabalhadores-do-sus-paulistano-realizaram-43-videos-cartografando-pontos/
https://redehumanizasus.net/96326-uma-cartografia-de-pontos-de-producao-de-saude-mental-nessa-loucacidade/
Benvinda à Rede HumanizaSUS, e continue compartilhando conosco as suas vivências de estágio pelos territórios do SUS!
Abraços!
Emília