Nota do CMS-SP sobre uso da cloroquina e hidroxicloroquina em casos leves de COVID-19
Compartilho neste post Nota Técnica elaborada pelo Conselho Municipal de Saúde de São Paulo em função da mudança do protocolo do Ministério da Saúde para tratamento da COVID-19, com indicação de uso de cloroquina e hidroxicloroquina em casos leves.
A nota, acessível aqui, revela uma preocupação muito pertinente com o uso indiscriminado da cloroquina e da hidroxicloroquina para tratamento da COVID-19, sem evidências científicas que corroborem sua eficácia para esta doença, e sem discussão com a sociedade. É sempre bom lembrar que é diretriz constitucional do SUS a participação da comunidade na elaboração da política pública de saúde, o que infelizmente vem sendo ignorado nas decisões tomadas a título de combate da COVID-19 em inúmeras instâncias governamentais. E considerando ainda que existem evidências científicas sobre os graves efeitos colaterais desses medicamentos, incluindo arritmias cardíacas e infarto, não se trata de uma questão menor. A nota visa proteger a saúde dos paulistanos contra a iatrogenia medicamentosa, quando um tratamento além de não ter garantia de melhoria ainda pode promover a piora do estado de saúde da pessoa, e neste caso até mesmo a morte.
O SUS é nosso, e temos que usar todas as ferramentas disponíveis para o exercício do controle social, e o CMS-SP é um dos espaços da participação popular na construção da política pública de saúde!
NOTA TÉCNICA DO CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO
O Conselho Municipal de Saúde de São Paulo, em sua 3ª Reunião Plenária Extraordinária realizada em 28 de maio de 2020, no cumprimento da Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, Art 1º, parágrafo 2º e no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei nº 12.546 de 07 de janeiro de 1998, regulamentada pelo Decreto nº 53.990 de 13 de junho de 2013;
No cumprimento à Constituição da República Federativa do Brasil, do Título VIII, Capítulo II, Seção II – Da Saúde, a Lei nº 8080 de 19 de setembro de 1990, a Lei nº 8142 de 28 de dezembro de 1990 e o Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011 e a Lei Complementar 141, de 13 de janeiro de 2012;
I. Considerando o protocolo com instruções para uso da cloroquina e da hidroxicloroquina no Sistema Único de Saúde (SUS), inclusive em caso leves da Covid-19, divulgado pelo Ministério da Saúde.
II. Considerando que estas substâncias, a exemplo de tantas outras, são medicações em estudo em vários países do mundo, num esforço da ciência na busca de um tratamento eficaz para superar a Covid-19.
III. Considerando que os estudos publicados no mundo inteiro não mostram evidências cientificas que revelem eficácia e revelaram efeitos colaterais, particularmente na área cardiológica.
IV. Considerando que as Diretrizes para o Tratamento Farmacológico da Covid-19 – consenso da Associação de Medicina Intensiva Brasileira, da Sociedade Brasileira de Infectologia e da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia – não recomendam a utilização de Hidroxicloroquina ou cloroquina de rotina no tratamento da COVID-19.
V. Considerando que a nota técnica (protocolo) do Ministério da Saúde não foi assinada por nenhum responsável técnico e que a Sociedade Brasileira de Infectologia, em nota técnica, deixa claro que a adoção dessa substância “não apenas carece de evidência cientifica como é perigosa, pois, tomou um aspecto político inesperado”.
VI. Considerando que, em 25 de maio de 2020, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) anunciou a interrupção do uso da cloroquina e hidroxicloroquina em testes para tratamento contra a Covid-19, em razão de estudo publicado pela revista científica Lancet, que envolveu mais de 96 mil pessoas e mostrou que não só não há benefícios no uso desses medicamentos contra o vírus SARS-CoV- 2 como há um risco aumentado de morte para os pacientes.
VII. Considerando que, para fazerem uso desse medicamento, os pacientes necessitam assinar o Termo de Ciência e Consentimento, e que esse documento
firmado em um momento de desespero dos familiares ou o próprio paciente, que não possui o devido conhecimento técnico pode colocá-lo em risco, atribuindo a responsabilidade ao paciente.
VIII. Considerando que salvar vidas é a principal preocupação dos profissionais de saúde. Deve-se levar em conta, as situações de emergência e confusão mental do paciente e seus familiares, não constituem o ambiente adequado para a compreensão e assinatura do Termo de Ciência e Consentimento, documento que requer calma e tempo para que os profissionais expliquem com detalhes: os
efeitos colaterais e maléficos, a falta de comprovação cientifica, os riscos relacionados às doenças pré existentes, os efeitos de toxicidade no uso infantil (Cloroquina), orientações que devem ser associadas a uma anamnese detalhada, a realização de exames físicos e complementares e acompanhadas por outras informações.
IX. Considerando que comprar medicamentos que não têm eficácia comprovada é jogar dinheiro público no lixo e na bolsa do fabricante desse produto que, coincidentemente, apoiou o atual presidente na eleição de 2018, constitui um escárnio do ponto de vista científico e administrativo.
X. Considerando que o uso político da hidroxicloroquina e cloroquina por apoiadores de grupo político identificado tipicamente com ideologia que prega a eugenia e necropolitica.
Diante dessa ignomínia, o Conselho Municipal de Saúde de São Paulo vem a público repudiar essa medida e afirmar que não aceita que os brasileiros sejam enganados, por um governo irresponsável e genocida, que coloca suas vidas em risco, caso façam uso de uma medicação já banida em diversos países.
São Paulo, 28 de maio de 2020
CONSELHO MUNICIPAL DE SAÚDE DE SÃO PAULO