“O olhar do estudante de medicina à PNAISP em uma Penitenciária Feminina do Interior Paulista.”
No dia 09 de dezembro de 2019 eu tive a grande oportunidade de participar da extensão universitária organizada pela Dra Édima de Souza Mattos ao presídio feminino do complexo penitenciário de Tupi Paulista, SP. Essa extensão universitária foi organizada no intuito de aplicar o questionário de saúde mental para colher informações a respeito da qualidade da saúde mental das presidiárias. Esse questionário faz parte do “Projeto de Pesquisa SAÚDE BASEADA EM EVIDÊNCIAS: determinantes sociais e saúde mental em Penitenciária Feminina do Estado São Paulo” que tem como Pesquisador Responsável a Dra Édima. Esse projeto de pesquisa faz parte do trabalho desenvolvido pelo grupo de pesquisa NATs, da Faculdade de Medicina de Presidente Prudente, SP.
Eu sou grata a essa incrível experiência, já que é uma realidade completamente diferente daquela que vivenciei ao longo da minha existência, inclusive no decorrer da minha vida acadêmica. Infelizmente, o nosso contato prático com essa realidade é mínimo, pois, na maior parte das vezes, nós acadêmicos do curso médico estudamos e temos contato apenas com a parte teórica da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). Essa política prevê a inclusão da população penitenciária no SUS e, desse modo, garante que o direito à cidadania se efetive na perspectiva dos direitos humanos.
É indiscutível a necessidade do discente que se tornará médico generalista no final da graduação ser humanizado ao longo da vida acadêmica, a partir da medicina centrada na pessoa e o contato com as Políticas Nacionais implantadas e desenvolvidas no Sistema Único de Saúde (SUS), a exemplo da Atenção à Saúde da Mulher Privada de Liberdade e da Inclusão das Mulheres em Privação de Liberdade na Rede Cegonha, que são políticas que contextualizam a extensão realizada pela Universidade do Oeste Paulista (UNOESTE), uma Universidade Privada do interior do estado de São Paulo.
A investigação realizada na atividade de extensão teve enfoque investigativo, o qual se baseou na Vulnerabilidade presente no Sistema Prisional e, consequentemente, na vulnerabilidade do sexo feminino, sendo por isso de extrema importância a execução da política de atenção à saúde da mulher dentro desse Sistema Carcerário, principalmente, quando se analisa a desigualdade histórica entre os gêneros masculino e feminino que continua impactar de modo notório as condições de saúde das mulheres, especialmente, quando se refere as mulheres privadas de liberdade. Por isso, é indubitável a necessidade de se considerar a desigualdade de gênero um fator de extrema relevância nos determinantes à saúde no momento da elaboração e execução de políticas públicas no ambiente interno dos presídios.
Foi realizada uma roda de conversa com o grupo presente no projeto de extensão, e nesse momento, surgiram questionamentos e, posteriormente, discutiu-se sobre as atuais perspectivas da saúde da mulher nos cárceres, apesar de se tentar executar a Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher, além de outras políticas de igual importância, a exemplo da atenção obstétrica e neonatal à mulher privada de liberdade, atenção à mulher grávida e ao recém nascido no sistema prisional, Atenção aos direitos sexuais e reprodutivos da mulher no Sistema Prisional, a qual, foi confirmado a existência de Planejamento Familiar na Unidade Prisional. Somando a essa discussão, foram abordados outros objetivos, a exemplo da atenção à saúde das mulheres negras e da população LGBT, a violência contra a mulher, a vulnerabilidade frente as Infecções sexualmente transmissíveis, a exemplo do HIV/AIDS e sífilis (objeto da casuística do Projeto de Pesquisa SAÚDE BASEADA EM EVIDÊNCIAS: determinantes sociais e saúde mental em Penitenciária Feminina do Estado São Paulo) e, por último, a Promoção à Saúde, com enfoque na prevenção do Câncer de Colo de Útero e Câncer de Mama. Todas essas políticas discutidas em grupo tem como objetivo atender um dos Princípios do SUS, que a Universalidade, além de fazer parte da Clínica Ampliada e tem como objetivo o olhar humanizado do profissional mediante as desigualdades e vulnerabilidades sociais.
De acordo à Portaria Interministerial 210/2014 do Ministério de Justiça e da Secretaria de Política para as Mulheres estabelece a Política Nacional de Atenção Integral às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade, que preconiza:
· Acesso a atendimento psicossocial desenvolvido no interior das unidades prisionais, por meio de práticas interdisciplinares nas áreas de dependência química, convivência familiar e comunitária, saúde mental, violência contra a mulher e outras.
· Atenção específica à maternidade e à criança intramuros.
De acordo aos dados retirados do Caderno de Atenção à Saúde da Mulher Privada de Liberdade, nos últimos anos houve um crescimento real da população carcerária feminina, de 3,7% para 7% ao ano. Atualmente as mulheres representam cerca de 7% da população total de pessoas privadas de liberdade. Isso deve ser um alerta para a compreensão da situação em que se encontram essas mulheres nas prisões, que em muitos casos são ambientes sem estrutura para receber mulheres. Quando se analisa o perfil das mulheres privadas de liberdade no Brasil, de acordo à literatura, 47% delas tinham até 29 anos de idade, 63% eram negras e 83% não completaram o Ensino Médio – isso significa que esse público possuía menos de 11 anos de estudo, 87% das mulheres estavam privadas de liberdade em idade reprodutiva, o que na condição de saúde reflete em agravos relacionados a esse período de vida.
Mediante a esses índices, infere-se que é indiscutível os diversos desafios aos profissionais de saúde que atuam nos presídios e penitenciárias devido a existência de muitas vulnerabilidades nesse ambiente que dificultam a garantia dos direitos de mulheres em situação prisional, a exemplo dos direitos sexuais e reprodutivos. Além disso, há a problemática dos altos índices de mortalidade de câncer de mama e câncer de colo do útero, os quais estão associados ao diagnóstico tardio e a dificuldade de tratamento dentro do sistema prisional que não oferece ferramentas adequadas às etapas do tratamento que se iniciam após o diagnóstico, nem o suporte psicológico necessário nesses casos.
Outro problema extremamente grave que foi observado na aplicação dos questionários é que mais da metade da população prisional feminina está condenada pelo crime de tráfico de drogas ilícitas, os quais a maior parte desses crimes estão associados aos seus parceiros, maridos ou familiares e, por deterem menos recursos de negociação da sua liberdade no momento da apreensão pela polícia. Devido ao considerável aumento de mulheres reclusas, cerca de 25% das mulheres atualmente cumprem pena em locais inapropriados ou inadequados às necessidades do gênero feminino. Esse fato perceptível nos presídios femininos aumenta ainda mais a necessidade de se adaptação desses locais de acordo às demandas e às necessidades desse público, inclusive às necessidades de saúde.
Uma outra vulnerabilidade que foi bastante discutida e que é um dos objetivos da pesquisa “Projeto de Pesquisa SAÚDE BASEADA EM EVIDÊNCIAS: determinantes sociais e saúde mental em Penitenciária Feminina do Estado São Paulo” são os agravos decorrentes do confinamento, principalmente em ambiente inadequado ao público feminino, os quais podem potencializar as doenças psicossociais, a exemplo dos transtornos mentais e dos vícios devido ao consumo exacerbado de álcool e drogas ilícitas. Isso exige uma análise mais criteriosa para esse público, não só dos profissionais de saúde atuantes na área, mas também, da própria gestão do Sistema Prisional e do Estado pois, somado a essa vulnerabilidade, houve a ampliação de forma exagerada do consumo de ansiolíticos por esse público, transformando-se em mais um problema de saúde pública que precisa ser solucionado.
Assim, pode-se concluir que a experiência foi bastante exitosa e superou as expectativas iniciais da estudante, uma vez que a atividade foi completamente nova mediante a todas as que já havia participado ao longo do curso médico, exigindo de si a quebra de paradigmas e de conceitos formados ao longo da sua existência para que, desse modo, pudesse nascer um novo olhar diante dessa realidade tão pouco trabalhada durante a vida acadêmica, entretanto, extremamente importante no respeito aos direitos sociais, a dignidade humana e a inclusão de uma parcela da sociedade historicamente marginalizada.
Referências:
1- A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP). Disponível em: https://www.saude.gov.br/acoes-e-programas/pnaisp. Acesso em: 10 julho 2020, às 11:31.
2- Delziovolo, C. R.; Oliveira, C.S.; Jesus, L. O; Coelho, E.B.S. Atenção à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis –SC. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&source=web&rct=j&url=https://ares.unasus.gov.br/acervo/bitstream/ARES/7424/1/Aten%25C3%25A7%25C3%25A3o%2520a%2520Saude%2520da%2520Mulher%2520Privada%2520de%2520Liberdade.pdf&ved=2ahUKEwiE-aDn68LqAhW9ILkGHfYDBd8QFjACegQIAxAC&usg=AOvVaw1yhkDl_dyefJXfnoIBlts9. Acesso em: 10 julho 2020, às 12: 01.
3- Universalidade. Disponível em: https://pensesus.fiocruz.br/universalidade. Acesso em: 10 julho de 2020, às 16:21.
Por Lidelci Figueredo Bento
Parabéns Juliane ??????