O “usuário-guia” como ferramenta para educação permanente das equipes de saúde da família

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A proposta dessa atividade surgiu a partir de algumas necessidades: realizar a investigação de casos de sífilis congênita notificados; prevenir os casos de transmissão vertical do agravo; atualizar as mudanças no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas da Prevenção da Transmissão Vertical de HIV, Sífilis e Hepatites Virais (PCDT-TV, 2015, atualizado em 2019) e no Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (PCDT-IST, 2015, atualizado em 2018).

Foi realizado um momento de educação permanente com a equipe condutora da atividade, como forma de preparação para uso da ferramenta usuário-guia, escolhida por se compreender esta como uma estratégia para análise da “produção do cuidado com um usuário que acompanhamos no serviço de saúde” (EPS, 2014a).

Importante mencionar que, a proposta original do uso da ferramenta usuário-guia prevê a participação do usuário no momento de sua realização. Porém, frente a necessidade de atualização dos Protocolos e Diretrizes, e frente ao cuidado e sigilo de cada caso, organizou-se uma adaptação à proposta, onde o percurso do usuário foi sendo construído pela narrativa da equipe, em especial pelo Agente Comunitário de Saúde (ACS).

Em seguida, foi organizada uma proposta de cronograma de ida às unidades que contam com casos de sífilis congênita a serem investigadas, buscando inserção nos momentos em que ocorrem as reuniões de equipe.

A organização da equipe condutora da atividade, buscou garantir que sempre houvesse pessoas com amplo conhecimento dos  PCDT de TV e de IST, e suas atualizações, no momento das visitas. Previamente à reunião, era solicitada à equipe que buscasse os prontuários dos casos a serem investigados.

Foi realizada visita em três unidades de saúde, sendo que em duas a atividade se desenvolveu a partir de seis casos de crianças notificadas com sífilis congênita, e suas respectivas mães diagnosticadas com sífilis durante a gestação, e em uma das unidades foi realizada a partir do caso de três gestantes notificadas que estavam sendo acompanhadas no pré-natal, em busca de prevenir a transmissão vertical da sífilis.

Em cada uma dessas visitas, no momento da reunião, a construção da narrativa se deu a partir da leitura das informações do prontuário, complementada pela fala dos profissionais que acompanharam/acompanham os casos. As intervenções quanto a atualização do PCDT-IST e PCDT-TV foi se dando no momento em que surgiam as dúvidas sobre o cuidado realizado, ou quando era identificada a necessidade de atualização de alguma rotina.

Na produção das narrativas buscou-se levantar os pontos fortes do trabalho em cada equipe, as condutas em que era importante ocorrer alguma mudança para evitar a repetição e prevenir novos casos de sífilis congênita, o que gerou para cada equipe uma carta de recomendações. Também foram levantadas questões que necessitam de intervenção e pactuações da equipe de gestão.

Em geral, cada uma das equipes identificou que, para o fortalecimento das ações de vigilância, é fundamental o preenchimento de todos os campos da ficha de notificação; a investigação dos casos notificados. Em relação à qualidade do cuidado integral à gestante e ao recém-nascido, foi destacado o valor do registro adequado de informações no cartão da gestante e no prontuário familiar; necessidade de orientação às gestantes durante o pré-natal e a busca para tratamento da parceria sexual e do pré-natal do parceiro; a necessidade de realizar a busca ativa das gestantes e o seguimento dos casos para evitar a transmissão vertical; a importância do seguimento adequado das crianças expostas e com sífilis congênita; a oferta de Teste Rápido – TR (HIV, Sífilis e Hepatites Virais) e teste não treponêmico durante o período gestacional; a necessidade de ressignificação do acolhimento na unidade; realização de atividades de educação em saúde e de momentos de conversa com as gestantes, individual e coletivamente, sobre sífilis e outras IST (pré-natal, grupos de gestantes, salas de espera, etc). Considerando o papel da gestão nas ações de prevenção, diagnóstico e tratamento da sífilis em gestante e prevenção da transmissão vertical, as equipes de saúde apontaram como fundamental o fortalecimento do diálogo entre a equipe de gestão e a maternidade, para o encaminhamento dos casos de crianças expostas e com sífilis congênita para seguimento; monitoramento pela equipe de gestão para que não haja falta de insumos, além de pactuações com a rede conveniada para apoio diagnóstico e realização de educação permanente em equipe, para atualização de temas importantes ao processo de trabalho de todos. Além disso, é importante comentar também que essa atividade promoveu uma maior aproximação entre as áreas da Atenção Primária à Saúde e da Vigilância à Saúde, contribuindo para produção de ações integradas.

Na avaliação da atividade pelos participantes, alguns profissionais das equipes relataram que a proposta proporcionou uma reflexão coletiva sobre os processos de trabalho, apontando os resultados positivos e as fragilidades; que a equipe de gestão vem acompanhando melhor os casos das crianças notificadas e se tornaram parceiras das equipes das unidades; além de verem uma oportunidade para incentivar a equipe a discutir outros casos.

Observa-se que a proposta do usuário-guia, é um “tipo de metodologia que permite avaliar processos de trabalho de uma equipe de saúde, além de identificar pessoas, outros territórios (lugares, instituições, práticas e saberes) e (re)construir memórias que de alguma forma estão envolvidas com o cuidado do usuário”, sendo assim, uma ferramenta que contribui para análise do processo de trabalho que pode ser vivenciada em uma proposta de educação permanente, sem que se perca o foco de que “as ferramentas não são um fim em si mesmas e, portanto, não podemos nos deixar capturar por elas. Elas destinam-se a um propósito maior que é o de colocar em observação e apreciação os processos de trabalho e os conceitos presentes em determinada situação que nos possibilitará construir aproximações analíticas em relação aos serviços, cujo melhor produto deve ser a criação / invenção de possibilidade de melhorias” (EPS, 2014b).

Bibliografia consultada:

EPS EM MOVIMENTO. Usuário-guia. 2014a. Disponível em: http://eps.otics.org/material/entrada-experimentacoes/arquivos-em-pdf/usuario-guia. Acesso em: 10/10/2019.

EPS EM MOVIMENTO. Refletindo sobre ferramentas analisadoras. 2014b. Disponível em: http://eps.otics.org/material/entrada-textos/refletindo-sobre-ferramentas-analisadoras. Acesso em: 10/10/2019.

BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). Brasília: DF, 2015. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-atencao-integral-pessoas-com-infeccoes. Acesso em:10/08/2019.

BRASIL. Ministério da Saúde. Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Prevenção da Transmissão Vertical de HIV, Sífilis e Hepatites Virais. Brasília: DF, 2015. Disponível em: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-prevencao-da-transmissao-vertical-de-hiv. Acesso em: 18/10/2019.

Autoras:

Vania Priamo –  Fisioterapeuta, Sanitarista, Apoiadora de Pesquisa e Intervenção do Projeto de Resposta Rápida à Sífilis nas redes de Atenção.

Sofia Campos dos Santos – Terapeuta Ocupacional, Sanitarista, Apoiadora de Pesquisa e Intervenção do Projeto de Resposta Rápida à Sífilis nas redes de Atenção.

Jamile dos Santos Soares – Assistente Social, Apoiadora de Pesquisa e Intervenção do Projeto de Resposta Rápida à Sífilis nas redes de Atenção.