Observatório de Clima e Saúde lança painel que acompanha a evolução de eventos climáticos extremos

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Assessoria de Comunicação do Observatório de Clima e Saúde (Icict/Fiocruz) | Imagem: Rios importantes da Amazônia estão com baixas históricas em 2024 (Foto: Paulo Desana Dabukuri/ISA)

Outubro começou trazendo mais uma onda de calor no Brasil, a oitava que o país enfrenta em 2024. Altas temperaturas no Sudeste, seca no Norte, chuvas intensas no Sul. Cenários distintos que apontam para uma preocupação crescente: o aumento e a frequência dos eventos extremos e os riscos que eles trazem à saúde pública. Recentemente, o Observatório de Clima e Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) disponibilizou um painel que acompanha a evolução desses eventos pelo país. Com dados fornecidos pela Defesa Civil desde o ano 2000, o sistema alerta para o aumento dos desastres ao longo dos últimos anos no Brasil. Eles não são novidade – sempre ocorreram –, mas, influenciados pelas mudanças climáticas, estão mais frequentes e intensos, deixando um rastro cada vez maior de vítimas.

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Os dados coletados pelo Observatório mostram que o maior número de registros se concentra entre os anos de 2020 e 2023, passando de 2.962 para 6.772 eventos extremos. Apesar de 2024 ainda não ter dados completos, os pesquisadores acreditam que os números devem continuar a crescer, a exemplo dos anos anteriores, e talvez até superem os já registrados.

“O padrão de crescimento observado entre 2020 e 2023 deve se manter, com potencial até para ser superado, à medida que os impactos das mudanças climáticas e a vulnerabilidade ambiental do Brasil se tornam cada vez mais evidentes e frequentes”, avalia o pesquisador Diego Xavier, um dos coordenadores do Observatório de Clima e Saúde.

Diversos rios importantes da Amazônia estão com baixas históricas em 2024. No Rio Solimões, em Itapéua (AM), o nível está em 2,3 metros, a terceira menor cota já registrada. O Madeira, um dos principais afluentes do Amazonas, atingiu apenas 41 cm. O Rio Acre, em Rio Branco, está em 1,28 metros, a segunda menor cota da história. Em São Félix do Xingu (PA), o Rio Xingu está com 3,37 metros, classificado entre os 10 menores níveis desde 1977. Já o Amazonas, em Óbidos (PA), alcançou 1,17 metros. Em Manaus, o Rio Negro apresenta cotas abaixo de 13 metros, assim como aconteceu em 2023, porém, agora apresentando o menor nível já registrado.

Somem-se a este cenário o desastre no Rio Grande do Sul, que afetou uma grande parte da população e causou diversos impactos sociais, econômicos e na saúde pública, e as queimadas no Brasil, em especial na Amazônia e no Pantanal e em outras áreas de vegetação crítica, que foram potencializadas pela seca e estiagem em todo o país. “Considerando esses acontecimentos, é muito provável que 2024 registre um número ainda maior de eventos extremos em comparação com os anos anteriores”, indica o pesquisador.

Tipos de eventos e seus impactos na saúde pública 
Os números revelam que 2023 registrou um recorde de eventos extremos, sendo a maior parte deles (3.824) de natureza climatológica, ou seja, estiagem e seca, chuvas de granizo, geadas, ondas de frio e calor. Outras 2.377 ocorrências foram de natureza meteorológica (tempestades locais e eventos de temperatura extrema); 537 de natureza hidrológica (inundações, alagamentos, enxurradas e enchentes); e 34 de natureza geológica (processos erosivos, de movimentação de massa e deslizamentos).

Esses dados não apenas ilustram o impacto no meio ambiente, mas também ajudam a identificar como isso afeta a vida e a saúde da população. De 2020 a 2023, o número de pessoas doentes devido aos desastres subiu de 54 mil para 157 mil, e o de afetadas por esses desastres mais que dobrou, passando de 21 para 48 milhões. As maiores quantidades de mortes foram em 2022, com pelo menos 600 corpos, e em 2011, onde somaram-se mais de 970 mortos. Em ambos os anos, os dados são resultado das intensas chuvas e deslizamentos na Região Serrana do Rio de Janeiro.

Números que não são apenas por efeitos imediatos ou diretamente relacionados ao desastre: pessoas com problemas cardiovasculares, por exemplo, ao inalarem partículas finas da fumaça das queimadas, têm maior risco de infarto e pressão arterial elevada. Aquelas afetados por enchentes podem sofrer de diarreias, gastroenterites, doenças transmitidas por vetores e leptospirose. E, como consequência de qualquer desastre, há sempre a possibilidade de aumento de casos de estresse pós-traumático, alergias, intoxicações, envenenamentos, quedas e descontinuidade de tratamentos para hipertensos, diabéticos e pacientes em diálise, entre outras questões.

Diante desse cenário, o acesso a dados harmonizados, como os oferecidos pelo Observatório de Clima e Saúde, é essencial para oferecer respostas rápidas a esses eventos, evitar a sobrecarga do sistema de saúde – algo que ocorre com frequência – e prevenir que o número de afetados continue a crescer. Especialmente entre os grupos mais vulneráveis: os mais pobres, idosos, gestantes e crianças.

“Eventos extremos, que estão ocorrendo de maneira mais frequente devido às mudanças climáticas, têm um impacto importante na saúde pública e no Sistema Único de Saúde. É preciso olhar para esse cenário e se preparar. Isso serve tanto para gestores, para tomar decisões acertadas, como para a sociedade civil, para cobrar medidas mais adequadas aos diferentes territórios brasileiros”, analisa a pesquisadora Renata Gracie, uma das coordenadoras do Observatório de Clima e Saúde.

Plano de ação 
Sendo as mudanças climáticas uma forte influência na dinâmica desses eventos, um plano de ação para enfrentar essa vulnerabilidade crescente parece ser fundamental. Na verdade, ele existe desde 2015, mas ficou apenas no papel. “Ele caducou”, descreve o pesquisador Christovam Barcellos, um dos coordenadores do Observatório de Clima e Saúde. “Foi desenvolvido num momento de crises institucionais, comprometendo a sua elaboração com ampla participação de instituições de governo e da sociedade. Acabou tendo pouco impacto nas ações de governo”, explica.

Neste ano, um novo Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima passou a ser desenhado. Balizado pela Lei 14.904/2024, que “estabelece diretrizes para a elaboração de planos de adaptação às mudanças climáticas” em todas as esferas e setores de governo, o novo documento promete ser mais robusto e abrangente, com objetivos e metas a serem acompanhadas nos próximos 10 anos. Neste âmbito, o Ministério da Saúde já iniciou a elaboração do Plano Setorial de Adaptação à Mudança do Clima, que tem como objetivo a criação de estratégias de adaptação na esfera federal de gestão do SUS para reduzir os impactos das mudanças climáticas na saúde das pessoas e nos serviços de saúde. A Fiocruz faz parte do grupo de trabalho que está elaborando o documento.

“O momento histórico em que este plano está sendo desenhado, com todos os participantes ainda fortemente impactados pelas imagens das enchentes no Rio Grande do Sul, as queimadas no Brasil central e a seca na Amazônia, tem colaborado para essa mobilização”, conta Barcellos. O plano do setor saúde está em fase final de revisão e será submetido a consulta pública ainda este ano.